Discurso durante a 165ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Alerta sobre a violência na disputa pelos direitos da Terra no Estado do Paraná.

Autor
Osmar Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Osmar Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • Alerta sobre a violência na disputa pelos direitos da Terra no Estado do Paraná.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Heloísa Helena, Roberto Requião.
Publicação
Publicação no DSF de 01/12/2000 - Página 23643
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • REGISTRO, PRESENÇA, SENADO, ADELINA VENTURA, CONJUGE, SEBASTIÃO DE MAIA, LIDER, SEM-TERRA, ESTADO DO PARANA (PR), VITIMA, HOMICIDIO, DENUNCIA, TORTURA, VIOLENCIA, POLICIA MILITAR.
  • PROTESTO, AUMENTO, VIOLENCIA, ESTADO DO PARANA (PR), OMISSÃO, GOVERNO ESTADUAL, CONFLITO, DISPUTA, TERRAS, REGISTRO, DESCRIÇÃO, HOMICIDIO, TRABALHADOR RURAL.
  • REGISTRO, GESTÃO, ORADOR, SECRETARIA DE ESTADO, AGRICULTURA, GOVERNO, ALVARO DIAS, ROBERTO REQUIÃO, EX GOVERNADOR, ASSENTAMENTO RURAL, REFORMA AGRARIA, CRESCIMENTO ECONOMICO, MUNICIPIO, QUERENCIA DO NORTE (PR), ESTADO DO PARANA (PR).
  • NECESSIDADE, PROVIDENCIA, GOVERNO FEDERAL, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), MEDIAÇÃO, NEGOCIAÇÃO, CONFLITO, TERRAS, ESTADO DO PARANA (PR).
  • SOLICITAÇÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, SUSPENSÃO, OCUPAÇÃO, PROPRIEDADE PRODUTIVA, EXPECTATIVA, PROVIDENCIA, GOVERNADOR, ESTADO DO PARANA (PR).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. OSMAR DIAS (PSDB - PR. Para uma comunicação. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, está presente na tribuna de honra a Srª Adelina Ventura, de 36 anos, esposa do Sr. Sebastião de Maia, assassinado no Paraná no dia 21 de novembro último.

            Sebastião de Maia, uma das lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Paraná - MST -, não foi o primeiro a ser assassinado na luta pela terra no meu Estado. E venho à tribuna hoje não apenas para fazer um discurso de protesto, mas para fazer um alerta sobre tanta violência que vem ocorrendo no Estado do Paraná. O nosso Estado não costuma apresentar essa violência a que estamos assistindo, com a complacência de autoridades e a omissão de outras. Venho para pedir providências em nome da população do meu Estado.

            Estão presentes aqui líderes do MST, e quero aproveitar a oportunidade para lhes dizer sinceramente que, aqui mesmo desta tribuna, muitas vezes já protestei contra determinadas atitudes do Movimento. Sempre tive essa sinceridade com o MST. No tempo em que fui Secretário da Agricultura do Paraná, a minha conversa era franca. Só que, em oito anos à frente daquela Secretaria, tempo em que era responsável pela condução da reforma agrária, nenhum despejo foi feito com a presença da Polícia, nenhuma ocupação recebeu, da parte do Governo que eu representava naquele momento como Secretário da Agricultura, a repressão como forma de conduta.

            Sempre dialoguei com sinceridade com o MST, o que me dá a liberdade e a autoridade para, agora, dizer que o Governo do Paraná é o grande responsável pelo estado de violência que a disputa pelos direitos da terra vem causando hoje no meu Estado.

            Cito alguns casos, para não ficar apenas na retórica. Em novembro de 1995, o sem-terra Pedro de Araújo, na Fazenda Saudade, em Santa Isabel do Ivaí, numa ocupação organizada pelo MST, após receber um disparo a queima-roupa da Polícia Militar do Estado do Paraná, ficou sem uma das pernas. Conduziu essa operação o Secretario Cândido Martins de Oliveira, que foi afastado pelo seu envolvimento com o narcotráfico no Estado do Paraná, fato que, até hoje, ainda não foi bem explicado.

            Sebastião Camargo foi assassinado à bala em Marilena, em 2/2/98, por milícias organizadas. Esse caso, inclusive, foi denunciado à OEA e continua praticamente esquecido pelo Governo do Estado, sem providências.

            Sétimo Garibalde, em novembro de 1998, em Querência do Norte, foi assassinado também por milícia.

            No assentamento Pontal do Tigre, em março de 1999, Eduardo Aione, dentro de casa, recebeu um disparo, também de curta distância. Conheço o seu irmão, Celso Aione, que era funcionário da Secretaria da Agricultura quando eu era Secretário. Parece-me, inclusive, que essa morte foi um equívoco do assassino, que deveria ter matado - segundo as notícias - o Celso Aione, mas que acabou assassinando o irmão dele, um sem-terra já assentado no Pontal do Tigre.

            Quando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra se deslocava para a cidade de Curitiba para fazer uma ampla mobilização, acabou sendo repelido pelo Governo do Estado, que colocou a Polícia Militar para conter o ingresso dos sem-terra, em Curitiba. Sem piedade, houve ali o disparo da Polícia, assassinando Antônio Tavares Pereira.

            Cito esses casos para lembrar que não é dessa forma que o Governo do Paraná vai colaborar para que o problema de terra seja solucionado.

            Em Querência do Norte, cidade localizada na divisa com Mato Grosso do Sul, encontra-se o primeiro assentamento - exatamente o Pontal do Tigre - realizado sob minha coordenação, nos Governos de Álvaro Dias e Roberto Requião, aqui presente.

            Começamos um processo de negociação com o Grupo Atalla, grande devedor da União e do Tesouro Estadual, o que resultou num acerto a valores muito inferiores. Precisamos, inclusive, discutir como foi negociada aquela dívida do Grupo Atalla.

            Mas quero contar outra história. Ao Grupo Atalla pertenciam dez mil hectares, na beira do rio Paraná, uma área de alta fertilidade, totalmente abandonada. A capoeira tomava conta de praticamente 80% da área do Grupo Atalla. Por muitas vezes, insisti em negociar aquela terra com a dívida do Grupo, para que o assentamento fosse lá organizado. Não consegui realizar o meu intento, porque o Grupo Atalla sabia que não precisava pagar a dívida por ter uma proteção que impedia a cobrança pelo Estado, principalmente do Poder Judiciário do Estado do Paraná. Insisti para que houvesse a desapropriação, mas todas as vezes juízes e até uma juíza concediam liminar pela reintegração de posse, o que é um absurdo, porque qualquer um - não precisa ser agrônomo - sabe que aquela área era improdutiva e estava abandonada.

            Eu mesmo, como Secretário, coloquei sobre caminhões famílias de sem-terra. Assumo essa responsabilidade. Outro dia, fui acusado de ser o responsável pela ida dos sem-terra a Querência do Norte. Não. Sou responsável por tomar dez mil hectares de um devedor contumaz do Estado e de colocar nas suas terras 425 mil famílias, fazendo um assentamento modelo naquela região, com todo o apoio do Estado, com drenagem nas terras baixas, nas várzeas. Fui eu mesmo quem levou, em cima dos caminhões, essas famílias que fizeram de Querência do Norte o maior produtor de arroz do Estado do Paraná, o que obrigou, inclusive, o Governo do Estado a fazer investimentos em infra-estrutura de armazenagem para acompanhar o desenvolvimento. Foram aquelas famílias que, de sem-terra, foram transformadas em produtores rurais respeitados e que respeitam também a propriedade dos outros, porque estão assentados e produzindo. Foram eles que transformaram Querência do Norte num município um pouco diferente dos municípios das regiões vizinhas do noroeste, por ser o único município onde crescem a renda e o nível de emprego.

            Houve, sim, um programa social desenvolvido por dois governos, o qual tive a honra de coordenar. Não nego que levei para lá as famílias de outras regiões. Inclusive aqui está presente um dos que foram para lá, saindo de Capanema, no sudoeste do Estado. Levamos as famílias para transformar uma área improdutiva em produtiva, onde os agricultores assentados pudessem viver com dignidade.

            Não levamos famílias para a ocupação de terras como estão me acusando no Paraná, mas, sim, para fazer daquela propriedade uma propriedade explorada adequadamente, fazendo com que Querência do Norte ganhasse o título de campeã em produção de arroz.

            Quando o Governo do Estado se omite diante desse programa de reforma agrária, cabe-me a rápida leitura de um trecho de um artigo escrito pelo Frei Beto na Folha de S.Paulo, de domingo:

Terra semeada de sangue.

Sebastião de Maia, conhecido por Tiãozinho, trabalhador rural sem terra, foi assassinado em Querência do Norte, noroeste do Paraná, na manhã do último dia 21. Menos de uma semana antes, ele havia sido despejado pela Polícia Militar da fazenda Água da Prata, reocupada na madrugada de 20 para 21 de novembro. Tiãozinho morreu emboscado numa estrada, cercado pelos pistoleiros que atiraram contra ele. Terminou assim sua teimosia em conquistar um direito elementar, negado pelas estruturas injustas deste País: um pedaço de terra.

            Em 7 de maio de 1999, a família de Tiãozinho foi despejada da Fazenda Rio Novo, também em Querência do Norte. Sua mulher, Adelina Ventura - que aqui está presente -, sofreu torturas nas mãos de soldados e oficiais da PM do Paraná. Ela própria gravou uma denúncia em depoimento ao então Secretário dos Direitos Humanos, José Gregori, hoje Ministro da Justiça.

            Aqui está presente uma mulher - mãe de um filho, Jean, de quatro anos e de uma filha, Daiane, de 11 anos -, aguardando que o Ministro da Justiça José Gregori adote uma providência em relação ao seu depoimento, que o Senador Suplicy conhece bem. É um depoimento de extrema gravidade, porque denuncia a tortura sofrida por Dona Adelina, imposta pela Polícia Militar ou por um policial da Polícia Militar do Paraná; denuncia também esses assassinatos que se repetem no Paraná, sem que o Governo do Estado assuma uma posição clara sobre o desenvolvimento de um programa de assentamento sério naquele Estado e puna os que cometem assassinatos e que transformam os atos de violência em notícia comum no Paraná. O Estado do Paraná não é o Estado de violência que estamos vendo hoje.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite um aparte.

            O SR. OSMAR DIAS (PSDB - PR) - Ouço V. Exª com prazer.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Osmar Dias, cumprimento-o pela maneira como aborda esse assunto tão grave, que V. Exª, como agrônomo, ex-Secretário da Agricultura e tão interessado nos assuntos da agricultura e da estrutura fundiária, conhece tão bem. Sou testemunha disso, porque tantas vezes dialogamos a respeito. V. Exa tem feito observações sobre eventuais excessos cometidos por pessoas relacionadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Então, quando hoje recebemos a visita do Vereador Dalton Vargas, Presidente da Câmara Municipal de Querência, do advogado Darci Frigo, da CPT, e de Roberto Baggio, coordenador do MST, no Estado do Paraná, que acompanham a senhora Adelina Ventura, viúva de Sebastião da Maia, sobre a qual está nos informando, V. Exª fala com grande autoridade e conhecimento dos fatos. Fico pensando quando o Governador Jaime Lerner diz em seu artigo publicado na Folha de S.Paulo, em resposta a Frei Beto, que a sua Polícia Militar tem auxiliado no trabalho de Oficiais de Justiça, garantindo-lhes a sua integridade no cumprimento do dever, na desocupação de 38 propriedades, segundo ele produtivas, se ele não considera dever da Polícia do Estado do Paraná, seja Polícia Civil seja Polícia Militar, garantir a integridade dos trabalhadores rurais sem terra. Parece que o Governador Jaime Lerner não se deu conta da barbaridade cometida contra a senhora Adelina Ventura, em maio de 1999. Gostaria até de estar ouvindo da própria senhora Adelina Ventura o que ocorreu com ela, mas se V. Exª me permite, Senador Osmar Dias, eis algumas das palavras dela expressas perante o atual Ministro da Justiça, então Secretário de Direitos Humanos, José Gregori, que agora não pode deixar de tomar providência mais rigorosa, porque, se a tivesse tomado logo após ter ouvido esse depoimento, muito provavelmente ainda estaria vivo Sebastião da Maia. Veja só que, no dia 6 de maio de 1999, na madrugada de talvez um hora, um e pouco da manhã, diz a Srª Adelina Ventura:

“Nós tava dormindo neste horário, tava eu com as crianças sozinha na minha casa, só esse menino que tá ali e a menina de dez anos, eles chegaram com facão, com faca nas mãos, gritando muito alto e desesperado, assim: “Polícia, polícia. Sai todo mundo com as mãos pra cima!” E eu acordei na hora com aquele barulhão, e eles já tavam no portão das lona, peguei esse no colo, saímo, fomo ali até o meio do barraco, né, que eles tavam rodeado, assim, nos portão todos entrando, e no escuro, eu saí com as criança no colo. Aí eles conseguiram entrar com umas espingarda assim virada pro meu lado, alguns com uns pedaço de pau que tava na mão, já gritaram: “Sai, sai! Todo mundo com a mão na cabeça!” Mas, como que eu tinha duas criança do meu lado, meu marido não tava... “E cadê teu marido? Cadê teu marido?” E foram me empurrando já com as criança, e os outros com a lanterna foram dá busca no meu barraco, e já foram me empurrando, levaram lá pra sede, me fizeram sentar num piso, um azulejo, tava garoando, já era um tempo que eu estava lá sentada, daqui há um pouco já veio um e falou: “Quem é a mulher do Tiãozinho, aqui?” Eu levantei, ele chamou eu do lado e falou: “Ó, teu marido é um dos líder do movimento, nóis qué ele”. Daí eu falei: “Mas ele não tá, ele foi viajar”. Daí ele falou assim: “Ó, nós vamo dá uma busca por aí, se nós encontra o teu marido, se tu tiver mentindo para nóis, eu vou pegar esse revólve aqui...” Ele tinha um revólve na mão. “Vou pegar esse revólve e você vai chupar esse revólve até o cano ficar vermelho”, apontando e colocando o cano do revólver na boca da Srª Adelina. Aí eu disse: “Não, eu não tô mentindo. Meu marido não tá”. E ele disse: Também sabemos que cês tem revólve”. E eu disse: “Não, revólve nós num tem. Eu sou contra violência, nunca aceitei arma de fogo dentro de casa”. Então, ele disse: “Então a senhora vai lá no acampamento da senhora, nós vamo junto e vamo revistá lá. Se nós encontrarmos revólve ou seu marido, a senhora vai se arrepender amargamente de ter mentido para nós”. Aí eu fui com ele até lá, aí ele pegou e revirou tudo, sabe, bagunçou tudo, roupa, jogava tudo no chão, né, pisava, daí ele viu que não achou revólve e disse: “Pois é, como o teu marido não tá, vou fazer que nem vocês fazem, vocês chegam na fazenda, o fazendeiro não tá, cês viram dono da fazenda. Agora, nós ficamo aqui, o teu marido num tá, nós podemo sê dono de tu, nós podemo fazer com tu o que bem quisé, estuprá...” E ele foi indo pro meu lado, assim, um daquele da GOE, foi bem pertinho de mim, e aí quando ele chegou perto de mim, disse: “Podemos estuprá, porque teu marido não tá, agora nós podemo sê dono da senhora...” Daí, quando ele chegou bem pertinho de mim, eu comecei a tremer e chorar, nê, e ele falou: Ah, agora cês tem medo, quando é pra vocês virem aqui para ocupar terra alheia, daí vocês não têm medo, agora que tá com medo? Teu marido não é homem, não, teu marido é um rato”. Eles diziam pra mim, né. E esse meu pequenino chorava de fome e eles não deixava eu fazer mamadeira, eles chegaram lá por volta de uma hora, uma hora e pouco da manhã, esse meu menino foi comer só às 3h da tarde, ele chorava, pedia para a mamá, daí eu pedi para eles bem calma pra ver se eles deixavam eu fazer mama, eles falaram assim: “Nós não vamo deixá fazer mamá, não. Cada vez que nós viemo fazêr um despejo, nós sempre passamo a mão na cabeça de vocês, por isso vocês sempre voltam, só que a tua cara...” ele falou para mim, “...a tua cara tá bem marcada, se um dia nós voltá e encontrá tua cara em outra terra, tu não vai tê mais tempo de se arrepender, não”, ele falou para mim. Foi assim a tortura, e continuou a noite inteira. Eles falaram prá mim que ia soltar eu na divisa de Santa Catarina, na beirada do asfalto, com mais as duas crianças, e eu falava prá eles então deixá eu na cidade mais próxima, e eles falaram: “Não, porque, se nós deixá aí na Querência, daqui um pouco, amanhã ou depois, tu tá ocupando outras áreas”. Eles ficaram com a idéia, sempre dizendo prá mim, até às 9 horas da manhã, que eles iam me soltá no asfalto, na beira do asfalto. Eu tenho uma menina de dez anos, tá apavorada, ela nem consegue estudá direito, ela sempre fala pra mim: “Ô, mãe, como é que mandava eu pedir sempre quando tivesse em perigo, auxílio prá polícia... Viu, mãe, ainda bem que eu nunca precisei da polícia, porque, se eu precisasse da polícia, já tinha acontecido isso que aconteceu com nós hoje” (...)

            E por aí vai:

(...) Eu sei que não consigo mais esquecer esse dia na minha vida, meus filho era corajoso, ficava em casa sozinho, agora eles tão todos grudado em mim, meu filho tenho que levar no colégio, porque ele nunca vai mais sozinho, porque tem muito policial ainda na Querência, então ele não anda mais sozinho, se eles tão dentro de casa e alguém bate na porta, eles não abrem mais prá ninguém, nem que seja o pai deles batendo na porta. O meu marido não deve nada, tão a procura dele, ele não roubou, ele não matou, então por que não vão a procura de quem mata, né? Porque ele era um dos coordenadores da liderança ali, fizeram aquela noite de terror comigo, separaram eu das outras pessoas, não deixaram eu junto da outras mulher, deixaram eu sozinha lá no meu barraco que era longe, de vez em quando um policial diferente, vinha um, falava uma coisa, vinha outro, falava outra, meu Deus, eu não tinha feito nada prá eles fazerem o que fizeram comigo”.

            Governador Jaime Lerner, é para isso que a sua Polícia está agindo? Para agir com tal desrespeito às pessoas que não têm terra, que não têm patrimônio ou têm pouca renda e querem ter o direito de lavrar a terra e de continuar a realizar os assentamentos, formar cooperativas? É preciso que o Ministro José Gregori tome providências. Nesse momento, estamos observando que o Superintendente do Incra designado pelo Governo Federal, a mando do Governador do Estado do Paraná, está agindo de maneira insensível, completamente diferente de V. Exª, Senador Osmar Dias, quando era Secretário da Agricultura do Governador Roberto Requião, hoje Senador. V. Exª conseguiu agir dialogando com o MST, sempre procurando resolver as questões com diálogo, com o seu esforço e empenho pessoal, indo aos locais... Então é preciso que o Governo Federal observe ao Governador Jaime Lerner que esse tipo de procedimento só está manchando o Brasil no que diz respeito aos direitos dos cidadãos. Meus cumprimentos a V. Exª.

            O SR. OSMAR DIAS (PSDB - PR) - Obrigado, Senador Suplicy, pelo seu aparte. Eu só gostaria de fazer um comentário para reforçar a necessidade de o Governo Federal tomar providências e de o Ministro José Gregori assumir uma posição formal, pública, a respeito dessa questão que é grave.

            Aproveito a presença dos líderes do Movimento sem Terra para dizer: pelo amor de Deus, não façam mais ocupação de terra produtiva no Paraná e em nenhum Estado. Digo isso olhando para os líderes do Movimento, porque sou contra a ocupação das propriedades antes que seja emitido um laudo de que aquela é uma terra improdutiva. Se há necessidade de apressar a desapropriação de terras improdutivas, deve haver outro caminho, e nós podemos discutir isso com mais tempo.

            O Governador Jaime Lerner, em seu artigo, escreveu aqui: “Tudo indica que o MST prefere acobertar o assassino para lançar a culpa nos Governos estadual e federal. É, mais uma vez, o uso da técnica da vitimização com propósitos inconfessáveis”. Ora, essa é uma acusação ao MST e, por isso mesmo, o Ministro da Justiça, José Gregori, precisa intermediar essa questão entre o Governador Jaime Lerner e o MST. Não acredito que o MST esteja acobertando, porque me procuraram para que os Senadores Roberto Requião, Eduardo Suplicy, eu e outros Srs. Senadores, colaboremos no sentido de que a investigação vá a fundo porque me parece que já sabem até quem matou, mas querem, na verdade, o nome de quem mandou matar. Este é mais importante: o nome de quem mandou matar.

            O Sr. Roberto Requião (PMDB - PR) - V. Exª me permite um aparte?

            O SR. OSMAR DIAS (PSDB - PR) - Com prazer, ouço V. Exª.

            O Sr. Roberto Requião (PMDB - PR) - Nobre Senador Osmar Dias, a Srª Adelina Ventura Nunes foi vítima de uma violência policial em 07 de maio de 1999. E essa violência policial foi relatada pela Srª Adelina na presença do Ministro da Justiça, José Gregori. O Chefe da Polícia do Paraná, o Secretário de Segurança, naquela ocasião, declarou que a Srª Adelina era uma mulher simples, que tinha sido enviada pelo MST para contar mentira sobre o Paraná. Já naquela ocasião, a Polícia procurava o seu marido, o Sebastião de Maia. O Sebastião foi assassinado quando saía da Fazenda Água da Prata, para a qual já havia um decreto de desapropriação do Governo Federal. Para acelerar o processo de assentamento e de reforma agrária, essa fazenda tinha sido ocupada por 39 famílias. O Sebastião havia acompanhado os agricultores que ocupavam aquela área e, às 6 horas e 30 minutos, quando se retirava da fazenda, ele foi tocaiado. Recebeu um tiro de calibre 12, com chumbo Zerobuc, que o pessoal do noroeste chama de cabeça-de-macaco. É um chumbo que carrega uma arma para matar; são 9 grãos num cartucho calibre 12 e não tem outro destino. E ele foi atirado por um indivíduo que saiu da beira da estrada, à distância de 3 a 4 metros. Recebeu um tiro na cabeça. Seu companheiro, que também foi alvejado, recebeu, de raspão, um tiro na cabeça e se fingiu de morto. O assassino já foi identificado, é um cidadão da região, conhecido pelo nome de Carneiro. A Polícia fecha os olhos, o inquérito não avança, e o assassino nem sequer foi preso, procurado ou citado. A Polícia do Paraná não funciona nesse caso. As ameaças à Srª Adelina foram feitas pela Polícia Militar: ameaça de estupro, de violência, numa intimidação que durou horas. O Sebastião estava marcado para morrer. A primeira agressão foi feita pela Polícia Militar; a segunda, mortal e definitiva, por um pistoleiro de aluguel. É um caso dramático! Mas é preciso que o Brasil inteiro que nos assiste na TV Senado entenda que o MST salvou essa região do Paraná. O noroeste está perdendo população há anos. Existem Municípios onde a população praticamente desapareceu; em outros, está pela metade. Mas no Município de Querência, onde esses assentamentos se efetivaram, e que nós tivemos a oportunidade de no Governo apoiá-los, a população aumenta, e a renda se multiplica. É a única forma que se encontrou de uma maneira quase espontânea, com a contribuição do MST, de manter viva a economia da região. A produção de arroz de sequeiro nessas ocupações de Querência bateu recordes nacionais; a população aumenta e a economia se multiplica. E a resposta que os latifundiários, a UDR, os conservadores encontram para impedir o progresso, decorrente da utilização produtiva da terra, é o cartucho carregado com grãos de chumbo Zerobuc, com 9 grãos de cabeça-de-macaco: é o assassinato. E o Governo se mantém na absoluta insensibilidade. O Governador Lerner tenta desmentir as acusações do Frei Betto na Folha de S.Paulo. Mas o papel aceita tudo. Como diz o atual Secretário das Comunicações do Paraná, Rafael Greca: “Hoje é uma notícia; amanhã é embrulho de peixe”. Mas a verdade tem que prevalecer. E nós, Senador Osmar Dias, temos que usar da tribuna do Senado, utilizar esse esquema magnífico de comunicação nacional, colocado à nossa disposição, para estabelecer o contraponto. Em Querência do Norte, o MST só merece elogios. Deixemos de lado as críticas a um movimento que, dada a sua dimensão de hoje, vez por outra foge do controle e comete um ou outro excesso sempre pequenos em relação à importância do movimento e à pressão necessária e indispensável para a reforma agrária. Em Querência do Norte, o MST merece elogios e os merece no Brasil inteiro. Mas não é mais possível que se ignore o drama de uma mulher como a Srª Adelina Ventura Nunes, que hoje, na tribuna de honra do Senado, traz o seu testemunho. Lamentavelmente, o Regimento Interno do Senado da República não permite que seja levado ao ar. Mas eu, na condição de Senador - e tenho certeza que somando essa minha intenção à intenção dos Senadores presentes neste plenário -, solicito ao nosso serviço de comunicação que entreviste a Srª Adelina, colocando no ar, fora do horário da sessão plenária, o seu depoimento. Assim, ela poderá expor o seu drama, que é o drama de todos os trabalhadores sem emprego e sem terra, num país que já não se incomoda com a agricultura. Há dez anos, Adelina...

            O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - Nobre Senador Roberto Requião, gostaria de pedir a compreensão de V. Exª, já que ainda há oradores inscritos.

            O Sr. Roberto Requião (PMDB - PR)- Encerrarei, rapidamente. Mas, quero, da Mesa, diante de uma situação como essa do MST e do assassinato do esposo de Adelina, o mínimo de compreensão, a compreensão que é manifestada a todos os Senadores nas mais diversas ocasiões. Solicito ao Serviço de Rádio e Televisão do Senado que dê oportunidade à Adelina para, por meio de nossos meios de comunicação, mostrar a verdade, relatar o seu drama e esse lado exraordinariamente positivo do MST, que é a produção na terra. Ao mesmo tempo, ela poderá falar, na totalidade, da violência policial e da utilização de jagunços, para conter um movimento social, que seguramente não será contido, porque o Brasil precisa do MST. Tenho dito repetidas vezes, Sr. Presidente, que o Governo Federal deveria aplaudir o MST, que organiza os marginalizados e com a sua pressão viabiliza a aceleração de uma tímida reforma agrária. Não fosse o MST, os despossuídos e marginalizados estariam assaltando armazéns nas estradas, completamente incontroláveis. O MST dá um sentido de organização à miséria provocada pelo neoliberalismo no Brasil e auxilia o Governo, paradoxalmente, na contenção de uma desordem absoluta. O MST não é desordem; é a ordem, é a produção, é o progresso, é justiça social. Obrigado, Senador Osmar Dias, pelo aparte.

            O SR. OSMAR DIAS (PSDB - PR) - Muito obrigado pelo aparte, Senador Roberto Requião.

            Gostaria de fazer um reparo porque disse que levamos 425 mil famílias para Querência do Norte. É evidente que se trata de 425 famílias, mesmo porque não caberia tanta gente naquela região. Então, deixo claro que eu quis dizer que levamos, sobre os caminhões, 425 famílias para o assentamento do Pontal do Tigre.

            Antes de encerrar, vou ouvir ainda a Senadora Heloísa Helena, com a compreensão do Senador Carlos Wilson, que é o próximo orador e que está atento a esse fato grave ocorrido no Paraná. Peço permissão à Mesa para conceder um aparte rápido à Senadora Heloísa Helena.

            O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - A Mesa concede-lhe apenas um minuto para que V. Exª ouça o aparte da Senadora Heloísa Helena, até por consideração ao Senador Ricardo Santos, que desde ontem espera para fazer um discurso.

            A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Osmar Dias, quero saudar V. Exª pelo pronunciamento, assim como os aparteantes Senador Roberto Requião e Senador Suplicy. Ao ler a entrevista de Adelina, O Senador Eduardo Suplicy reproduziu a dor e o sofrimento não apenas de uma mulher e dos seus filhos, mas de centenas de outras pessoas cujos familiares já foram assassinados. É de fundamental importância que fique registrado na Casa que nunca foram mortos tantos trabalhadores rurais como a partir de 1995; nunca se assassinou tão covardemente trabalhadores rurais ligados à Comissão Pastoral da Terra, ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, aos movimentos sociais. A situação do Paraná é mais grave porque desde 1995 já foram registrados 16 assassinatos, 31 tentativas de assassinatos, 7 torturas, 322 feridos e 470 prisões em 130 ações de despejo. É importante que a Casa registre também que o Ministro da Reforma Agrária e o Ministro da Justiça têm total conhecimento do caso. Já acompanhamos o Movimento Sem Terra em várias outras audiências com o Governo Federal, chorando pelos mortos no campo, pedindo socorro para que não matassem outros. Na última audiência, essas mesmas pessoas que estão aqui falavam da gravidade do problema, chorando os mortos e pedindo providências para que não se matasse mais. Mais um foi morto. O Governo Federal conhece a estrutura do Incra do Paraná e também a da Polícia Federal, no Paraná, que estão a serviço de um Governo estadual corrupto, covarde; eles estão executando uma ação planejada do Governo do Estado a serviço de milícias e do latifúndio. Portanto, eu não poderia deixar de apoiar o pronunciamento de V. Exª e de todos os Senadores do Paraná. O Bloco da Oposição, que conta com o apoio dos Senadores do Paraná, apresentou um requerimento para que o Ministro Raul Jungmann esteja aqui presente. É de fundamental importância acelerar o processo de desapropriação no Estado do Paraná. Também é de fundamental importância que o Governador do Estado venha aqui, porque se é grave o assassinato, a covardia, mais grave ainda é o exemplo de impunidade que se consolida. A impunidade, por sua vez, fortalece esse tipo de atitude em outros Estados. Portanto, quero parabenizar V. Exª pelo pronunciamento.

            O SR. OSMAR DIAS (PSDB - PR) - Muito obrigado, Senadora Heloísa, pelo seu aparte.

            Sr. Presidente, encerro dizendo que o Paraná é um Estado de produtores rurais sérios, trabalhadores, que querem suas propriedades protegidas para continuarem produzindo em paz. Nenhum produtor rural do Paraná defende a violência para que essa defesa seja feita. Os produtores rurais do Paraná querem ordem, paz e tranqüilidade. Em nome deles, quero aqui fazer alguns apelos. Ao MST: vamos abolir de vez a prática da ocupação de propriedades produtivas. Mesmo que elas tenham sido feitas de forma equivocada pelo próprio MST, vamos evitar ocupar uma propriedade antes que o laudo de desapropriação tenha sido emitido. Ao Governo do Paraná: pare de dizer pela imprensa o que não está acontecendo no Paraná e faça, pelo menos, o que cabe ao Governo do Paraná fazer, ou seja, restabelecer a paz no campo do meu Estado, que tem o orgulho de ter a agricultura mais moderna e produtiva do país e não pode conviver com esse estado de violência implantado e sem qualquer atitude mais séria por parte do Governador. Ao Governo Federal faço um apelo no sentido de que tome providências em relação às denúncias aqui feitas e também em relação à promessa que não foi cumprida até agora e libere os recursos para o plantio da safra de verão para os agricultores tradicionais, aqueles que estão na sua propriedade há longos anos e esperam o dinheiro do financiamento e também para os assentamentos, que, até agora, não viram a cor do dinheiro.

            Em Querência do Norte, por exemplo, onde essa morte ocorreu, no ano passado, 10 milhões foram repassados pelo Governo Federal para o plantio da safra de verão. Este ano, até agora, nenhum centavo chegou lá. Será que isso também não acirra os ânimos e leva à violência?

            É preciso que o Governo Federal tome providências, mas é preciso que o Governo do Paraná, por intermédio do Governador Jaime Lerner, comece a dizer a verdade à população e a enfrentar os problemas que cabe ao seu Governo resolver; enfrentar de verdade os problemas porque até agora o Governador, quando tem um problema para resolver, viaja para Nova Iorque; quando tem outro problema para resolver, viaja para Paris. Não enfrenta os problemas e deixa a população nesse estado de intranqüilidade que estamos vivendo.

            Nós, os produtores rurais, precisamos de paz para trabalhar. O MST, que é um movimento legítimo, vai ouvir-me sempre chamar a atenção quando os excessos forem praticados, mas também sempre terá o meu apoio às suas reivindicações quando elas trilharem o caminho da legitimidade e da justiça.

            Muito obrigado pela tolerância, Sr. Presidente.


            Modelo111/26/249:11



Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/12/2000 - Página 23643