Discurso durante a 165ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Retrospectiva das lutas travadas pelas mulheres contra o preconceito e a discriminação no mundo ocidental, iniciadas da década de 60. Análise da ascensão feminina na vida social, política, jurídica e econômica do Brasil.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FEMINISMO.:
  • Retrospectiva das lutas travadas pelas mulheres contra o preconceito e a discriminação no mundo ocidental, iniciadas da década de 60. Análise da ascensão feminina na vida social, política, jurídica e econômica do Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 01/12/2000 - Página 23654
Assunto
Outros > FEMINISMO.
Indexação
  • HISTORIA, LUTA, FEMINISMO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO SEXUAL, RESULTADO, MELHORIA, SITUAÇÃO, MULHER, PARTE, MUNDO.
  • REGISTRO, DADOS, COMISSÃO ECONOMICA PARA A AMERICA LATINA (CEPAL), AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, MULHER, MERCADO DE TRABALHO, AMERICA LATINA, BRASIL.
  • REGISTRO, DADOS, CASAMENTO, EDUCAÇÃO, ATIVIDADE POLITICA, MULHER, BRASIL, HOMENAGEM, NOMEAÇÃO, ELLEN GRACIE NORTHFLEET, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF).

  SENADO FEDERAL SF -

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            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no início dos anos sessenta, principalmente no mundo ocidental, as mulheres decidiram iniciar uma grande luta contra o preconceito e contra todas as formas de discriminação que lhes eram impostas e que faziam parte da normalidade social e das relações de poder naquela época.

            Nos dias de hoje, se fizermos um retrospecto da história dessas lutas que foram travadas de maneira paciente e corajosa, nas ruas, nos locais de trabalho, nas escolas, no lar, enfim, em todos os espaços da vida social, constatamos que os avanços foram fantásticos. Portanto, nesses quarenta anos de persistência, as mulheres do Ocidente conseguiram se impor pela determinação e pela competência. Forçaram o aparecimento de uma nova história e conseguiram colocar por terra valores anacrônicos estabelecidos pelos homens e que serviam unicamente para reproduzir o seu poder de dominação.

            Todavia, após esses quarenta anos, e apesar desses avanços enormes que derrubaram grandes muralhas em toda uma estrutura de dominação milenar, ainda restam muitos grilhões a serem rompidos. Certamente, nesse novo século que começará daqui a alguns dias, inúmeras batalhas decisivas ainda serão travadas. É preciso que elas se verifiquem porque, só assim, a construção da longa estrada da cidadania, do respeito, da igualdade dos direitos, do fim da miséria e do fim da violência terá condições de ser concluída.

            Lamentavelmente, essas importantes vitórias não significaram os mesmos resultados em todos os continentes. Foi no mundo ocidental onde ocorreu uma verdadeira reviravolta nos costumes e onde as mulheres conseguiram realmente firmar posições de igualdade com os homens e realizar conquistas de grandes dimensões.

            Nas outras partes do mundo, ou seja, nos regimes orientais autoritários, e, nesse caso, podemos citar a China; em sociedades tradicionais, fortemente compartimentadas e profundamente desiguais, como a Índia; em quase toda a África e em todo o mundo muçulmano, as mulheres têm lutado bravamente pelos seus direitos, mas continuam, até hoje, subjugadas pelo machismo, pelo conservadorismo, pelo autoritarismo e por princípios religiosos extremamente radicais, como no Irã.

            Dessa maneira, para termos uma idéia das gigantescas dificuldades que a maioria das mulheres enfrentam em quase todas as regiões do mundo, basta lembrar que apenas dois países, China e Índia juntos, somam quase 2,5 bilhões de habitantes, ou seja, mais de um terço da população da terra, cuja metade é de mulheres.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em todo o continente americano as mulheres lutaram e continuam lutando pelos seus direitos. Nesse sentido, com o fim das ditaduras militares nos diversos países, e com o restabelecimento da democracia, que já dura quase vinte anos em quase toda a América, o avanço dessa luta foi extremamente marcante. Como bom exemplo, ao cabo desses vinte anos, a taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho latino-americano já ultrapassou 50%.

            Assim, em seis países da região estudados pela Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), cobrindo um período entre 1979 e 1996, a taxa de crescimento do emprego feminino superou 4,5%. Na Argentina e no Uruguai, a taxa foi mais modesta e ficou em 2,5%. Todavia, no México e no Brasil, elas foram mais elevadas e atingiram respectivamente, 6,7% e 5,1%. Na Bolívia e na Costa Rica, o crescimento foi igualmente importante. No primeiro caso, tivemos um percentual de 7,19%, e no segundo, 6,08%.

            De acordo com as conclusões desse levantamento, de uma maneira geral, sobretudo nos últimos quinze anos, a participação da mulher no mercado de trabalho na América Latina registrou altas taxas de crescimento, mesmo nos países de menor dinamismo econômico. Além disso, nos países onde existe uma melhor organização social, como é o caso do Uruguai, e um desenvolvimento econômico mais intenso e mais sofisticado, como é o caso do Brasil e da Argentina, a participação da mulher já é maior do que a dos homens no mercado urbano de trabalho como veremos a seguir quando nos referirmos ao caso brasileiro.

            Em nosso País, apesar de existir ainda muita discriminação contra a mulher, não podemos desconhecer que nas duas últimas décadas, os valores conservadores, que eram dominantes em nossa sociedade, foram obrigados a ceder espaços cada vez maiores para os novos ideais considerados progressistas e de vanguarda. Inegavelmente, as mulheres foram um dos atores sociais mais importantes a contribuir de maneira determinante para a modificação desses princípios ultrapassados. Até hoje, elas continuam na linha de frente em defesa de bandeiras cada vez mais modernas e atuais.

            A poucos dias do início do terceiro milênio, convém registrar que as mulheres não param de ocupar novos espaços e já estão conseguindo afastar os homens de posições de liderança até bem pouco consideradas como inexpugnáveis.

            É significativo dizer que as taxas de crescimento do emprego em nossa economia, relativas a homens e mulheres, mostram hoje uma franca superioridade feminina. Se tomarmos por exemplo, o período entre 1979 e 1996, a que já fizemos referência, enquanto a taxa do emprego total crescia 3,87% e a dos homens 3,15%, a taxa relativa às mulheres, como já vimos, era de 5,1%.

            Por outro lado, ainda fazendo referência ao estudo da Cepal, por volta dos anos 60, as mulheres representavam apenas 18% do mercado de trabalho brasileiro. Entretanto, nos dias de hoje, essa participação já é de quase 50%. Segundo a Cepal, o número de mulheres no mercado de trabalho brasileiro corresponde à população total da Argentina, que é de 35 milhões de habitantes.

            Outra revelação importante refere-se ao emprego total nas áreas urbanas. Observando dados da revista Conjuntura Econômica, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), referentes a 1979, a participação dos homens no emprego total nas áreas urbanas era de 66,5%. Em contrapartida, em 1996, esse percentual havia caído para 59,5%. Por outro lado, no que se refere à posição das mulheres, a sua participação passou de 33,5% para 40,5% no mesmo período. É importante ressaltar que, em 1970, as mulheres representavam apenas 20% do mercado de trabalho brasileiro.

            Outra questão, que merece consideração, e que serve para ampliar ainda mais a nossa visão sobre as importantes mudanças verificadas nos últimos vinte anos na composição do mercado de trabalho brasileiro, diz respeito ao crescente desinteresse das mulheres pelo casamento oficial e tradicional. Nesse particular, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o percentual de mulheres entre 15 e 50 anos que preferiam viver uma relação informal com os seus parceiros, passou de 6,6% em 1979, para 15,4% em 1996. Por outro lado, entre 1985 e 1995, o número de famílias chefiadas por mulheres que trabalhavam, passou de 18% para 23%.

            A partir desses dados que acabamos de observar, não existe qualquer dúvida de que as mulheres brasileiras estão cada vez mais independentes. A prioridade maior para elas passou a ser a luta por maior qualificação profissional, a conquista de mais espaço no mercado de trabalho, a corrida por melhores salários, e a busca por cargos de maior destaque, ao invés de ficarem contando estrelas ou continuarem sonhando com um “príncipe encantado” como era muito comum no tempo dos nossos pais. A propósito, segundo dados da revista Conjuntura Econômica de janeiro de 1997, no decênio compreendido entre 1986 e 1995, o total de casamentos realizados no Brasil caiu de um milhão para apenas 750 mil. Por sua vez, entre 1993 e 1998, acompanhando a mesma tendência da queda dos casamentos, o número de separações cresceu 25%, registrando um total de quase 90 mil, segundo os dados do Registro Civil da época.

            A ascensão das mulheres na vida social e econômica do País, em total igualdade com os homens e em posições muitas vezes mais importantes, justifica-se também pelo avanço da escolaridade conquistado nessas últimas duas décadas. Atualmente, enquanto os homens que completaram o segundo grau representam 14% da população total, as mulheres com o mesmo nível de instrução já atingiram os 17%.

            Em São Paulo, as mulheres já ocupam mais da metade das vagas da magistratura e no Estado do Rio a situação é a mesma. No mundo econômico e dos negócios e nos lugares mais proeminentes, lá estão as mulheres mostrando competência e esbanjando dinamismo.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as mulheres precisam agora estar mais presentes na vida política da Nação. A exemplo de nossa brilhante colega, Deputada Marta Suplicy, esposa do eminente Senador Eduardo Suplicy, e que conquistou uma vitória popular retumbante para a Prefeitura de uma das maiores cidades do mundo, outras mulheres de fibra precisam ocupar espaços semelhantes.

            Aqui nesta Casa temos algumas Senadoras, mas ainda são poucas em relação ao número de Senadores.

            No Supremo Tribunal Federal (STM), até a semana passada, território absoluto dos homens, uma brilhante juíza, Doutora Ellen Gracie Northfleet, honra o Brasil com a sua presença. Pela primeira vez na história, a Suprema Corte do nosso País abre suas portas e passa a ter entre os seus Ministros, uma eminente brasileira. Gostaria de aproveitar esta oportunidade para parabenizar o Presidente Fernando Henrique Cardoso pela acertada indicação e o Senado Federal que a aprovou por ampla maioria.

            A ascensão feminina no Brasil, em todas as instâncias da vida social, política, jurídica e econômica, prova definitivamente que a nossa sociedade é uma das mais abertas do mundo. Apesar de termos o sangue latino, somos, ao mesmo tempo, um povo aberto às mudanças e com uma incrível capacidade de adaptação.

            Contudo, e para além dessa imensa abertura que caracteriza a alma brasileira, ainda temos muito caminho a percorrer para derrubar barreiras incompreensíveis e preconceitos que ainda persistem. Nesse sentido, a cidadania que as mulheres estão conseguindo com muita luta deve igualmente ser estendida aos negros, aos índios, aos excluídos e a todas as minorias que ainda sofrem em nosso País. Quando atingirmos esse ponto, aí sim, seremos o exemplo de uma grande nação.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado.

 

            


            Modelo19/27/242:38



Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/12/2000 - Página 23654