Discurso durante a 166ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre o Dia Mundial de Luta contra a AIDS.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Reflexões sobre o Dia Mundial de Luta contra a AIDS.
Publicação
Publicação no DSF de 02/12/2000 - Página 24122
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, DIA INTERNACIONAL, COMBATE, PREVENÇÃO, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS).
  • ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, EMPENHO, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO ESTRANGEIRO, INVESTIMENTO, POLITICA, PREVENÇÃO, TENTATIVA, REDUÇÃO, INCIDENCIA, DOENÇA TRANSMISSIVEL, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o surgimento da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, há cerca de duas décadas, causou reações extremas de medo ou de descaso, de desespero ou de preconceito. Hoje, ainda que a Aids continue a representar um grande e grave problema social, devemos considerar que já há um quadro diferente em nosso País.

            Não se trata de um otimismo injustificado e até mesmo irresponsável, que poderia levar a um abrandamento do compromisso do Estado, ou da sociedade como um todo, com a difusão das práticas de prevenção. Se há alguma evolução positiva, ela se deve à seriedade com que instituições e pessoas envolvidas têm enfrentado o problema da Aids. Muito mais, entretanto, é necessário fazer, em diversas frentes, que vão da pesquisa científica ao acompanhamento psicológico dos portadores do vírus HIV.

            O dia 1º de dezembro foi instituído como o Dia Mundial de Luta contra a Aids. No último mês do século XX, como está a situação dessa doença em todo o mundo?

            Há sinais evidentes de que, nos países desenvolvidos, a propagação da Aids está retrocedendo a níveis menos alarmantes. O envolvimento ativo do Estado e da sociedade civil nas campanhas de prevenção vem resultando, nesses países, em, ao menos, algum decréscimo do número de novas contaminações com o HIV.

            Além disso, tanto as pessoas contaminadas com o vírus, mas que não desenvolveram a doença, como aquelas que de fato adquiriram a síndrome de imunodeficiência, contam com perspectivas de sobrevivência e de vida muito mais favoráveis. Isso vale tanto para os habitantes dos países desenvolvidos como para qualquer pessoa que tenha acesso aos medicamentos indicados. Já estamos longe do tempo em que um exame positivo de HIV era encarado como uma sentença de morte. Os coquetéis de remédios empregados atualmente permitem uma atitude muito diferente por parte dos pacientes, que já podem, em muitos casos, levar uma vida quase normal.

            Se o quadro dos países desenvolvidos permite um certo otimismo cauteloso, o mesmo não se pode dizer de grande parte dos países em desenvolvimento. Em situação muitíssimo delicada, para não dizermos simplesmente dramática, estão os países da África Meridional. A doença da Aids, que ali se originou, representa hoje em dia uma inegável calamidade pública. Nesses países, a taxa de contaminação pelo HIV, entre adultos de 15 a 49 anos, já ultrapassou os 10%, chegando a mais de 25% em alguns deles. Estima-se que 24,5 milhões de pessoas sejam portadoras do vírus na África subsaariana, o que corresponde a 70% do total mundial. Em função das mortes causadas pela Aids nos mesmos países, nada menos que doze milhões de crianças ficaram órfãs.

            Não há dúvida de que o continente africano requer apoio efetivo e substancial dos países desenvolvidos e dos demais que possam ajudar. Nós brasileiros, que temos vínculos tão profundos com a África, não podemos deixar de contribuir para que nossos irmãos do outro lado do oceano superem tal calamidade. Os efeitos devastadores da epidemia compreendem também uma séria desestruturação nas economias nacionais. Um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que, nos próximos 20 anos, países como África do Sul, Botsuana e Zimbábue terão, em decorrência da propagação da Aids, seu crescimento econômico reduzido em três quartos. A ajuda de outros países pode consistir em redução dos preços ou em doação dos medicamentos, no apoio técnico ou financeiro aos programas de combate à doença e até mesmo em medidas de âmbito mais amplo, como o perdão das dívidas externas. O que não se pode admitir é a omissão da comunidade internacional.

            Vejamos, agora, um pouco mais de perto a situação em nosso País. Não há dúvida, Srªs. e Srs. Senadores, de que muita coisa melhorou em relação ao período inicial de maior disseminação do vírus, marcado por desinformação e preconceito em torno da doença. Como já se disse, o vírus HIV, ao contrário dos seres humanos, não discrimina sexo, cor, idade ou nacionalidade. A caracterização da Aids como "a doença do outro", predominante entendido este como o homossexual masculino ou o usuário de droga injetável, não apenas reforçou uma atitude preconceituosa ou desumana para com o portador do vírus. Essa atitude foi também responsável por muitas contaminações que podiam ser evitadas se as pessoas entendessem que estavam realmente sujeitas ao risco de contrair o vírus. O conceito mesmo de grupo de risco deve ser repensado, ao considerarmos que, no Brasil atual, a Aids se dissemina mais entre as mulheres e entre as pessoas de renda mais baixa.

            O Brasil é o país com maior número de contaminações notificadas na América Latina, ficando em terceiro lugar em todo o mundo. O número de doentes de Aids registrados, de 1980 a 1999, foi de 180 mil pessoas, das quais pouco mais da metade veio a falecer. A estimativa do total de pessoas atualmente infectadas com o HIV em nosso País é de 530 mil. O número de casos de infecção notificados começa a mostrar sinais de decréscimo, enquanto o número de óbitos vem caindo sucessiva e consistentemente, desde os 10.500 de 1995 até os 7.700 óbitos de todo o biênio 1998-99.

            Esses resultados não são suficientes para gerar qualquer tipo de euforia, mas podem ser caracterizados como positivos. Refletem alguns acertos da política estatal e das ações da sociedade civil, que têm sua origem em uma consciência da imensa gravidade da doença a ser combatida.

            Até mesmo o Partido dos Trabalhadores, por meio do Deputado Eduardo Jorge, reconheceu méritos no programa de tratamento e prevenção da Aids pelo Governo Federal, o qual se tornou, de fato, uma referência internacional. A política de prevenção baseia-se não apenas na propaganda do uso de preservativos, através dos meios de comunicação, mas em uma série de outras ações, que vão da distribuição ampla de preservativos a projetos voltados para atender a grupos mais vulneráveis ao risco de infecção, como a população indígena e profissionais do sexo.

            O esclarecimento das crianças e jovens sobre o assunto, feito nas próprias escolas, é outra ação que, não dependendo exclusiva ou principalmente do Governo Federal, merece ser destacada como decisiva. Cabe, aliás, enfatizar que a parceria dos três níveis de governo e de organizações não-governamentais é imprescindível para otimizar a eficácia das ações preventivas.

            Um dos maiores desafios atuais das campanhas é o de obter o convencimento das pessoas de baixo poder aquisitivo e menor nível de instrução e informação. Muitas vezes é o preconceito que leva ao descarte da medida mais eficiente e imprescindível de prevenção - qual seja, o uso do preservativo, ou camisinha, nas relações sexuais.

            Outro avanço significativo na atuação do Estado contra a Aids consiste na política de tratamento dos doentes e portadores do vírus. Aqui, o grande marco foi a aprovação da Lei nº 9.313, de 1996, que determinou a obrigatoriedade de fornecimento gratuito, pelo Sistema Único de Saúde, de toda a medicação necessária ao tratamento dos doentes de Aids e dos portadores de HIV.

            O poder Executivo vem desempenhando de modo louvável o seu papel, comprando e distribuindo o coquetel de medicamentos, conforme lista renovada periodicamente. Os gastos do Ministério da Saúde com esses medicamentos vem aumentando aceleradamente: dos R$ 352 milhões de 1998, passou-se aos R$ 615 milhões de 1999, devendo ser gasto um total de R$ 831 milhões no presente ano. Nosso País já produz sete dos doze anti-retrovirais que compõem atualmente o coquetel. Os medicamentos aqui produzidos tiveram uma redução de 70% nos custos, durante os últimos cinco anos, enquanto para os importados, responsáveis por 80% dos custos, a redução foi de apenas 9%. É muito auspicioso, portanto, que mais 3 medicamentos do coquetel estejam sendo, em breve, produzidos no Brasil.

            Devem ser salientados, Sr. Presidente, os esforços empenhados em diminuir a contaminação dos bebês nascidos de mães portadoras de vírus. Em 1996, quando se iniciou no Brasil uma terapêutica preventiva com as grávidas soropositivas, baseada principalmente na administração da droga AZT, o índice de contaminação era de cerca de 40% dos bebês. Hoje, apresentamos uma taxa de contaminação de 4 a 5%, comparável àquelas dos países europeus.

            Embora apresentem uma crescente eficácia, as drogas anti-HIV não afastam a possibilidade de óbito ou de seqüelas muito graves por causa da imunodeficiência. Em alguns casos, os portadores de HIV têm desenvolvido variedades do vírus imunes aos tratamentos conhecidos. Pesquisas mostram que os pacientes mais indisciplinados em sua terapia - que são, freqüentemente, os de menor escolaridade - estão mais propensos a desenvolver os vírus resistentes. Tal fato reforça a preocupação com a tendência crescente de contaminação entre a população mais carente.

            A luta do Brasil e de toda a humanidade contra a Aids está muito longe de ser ganha. O número de pessoas contaminadas com o HIV, em nosso País, e que podem desenvolver a doença nos próximos anos, é, como já vimos, muito grande. Em contraposição, os avanços da ciência, o compromisso do Estado e a rede de solidariedade em torno dos doentes vêm aumentando suas perspectivas de uma vida normal e infundindo-lhes novo ânimo.

            Nosso desafio maior, no entanto, é ainda o da diminuição drástica dos índices de contaminação. Para isso, são necessários e imprescindíveis um grande empenho da sociedade como um todo e a conscientização de cada um de nós.

            Muito obrigado.


            Modelo15/18/242:37



Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/12/2000 - Página 24122