Discurso durante a 167ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Concordância com a proposta do ex-Ministro Mendonça de Barros quanto à extinção do BNDES. Críticas ao acréscimo de 28% nos gastos com a propaganda oficial do Governo Federal, previsto no Orçamento da União para 2001.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. BANCOS.:
  • Concordância com a proposta do ex-Ministro Mendonça de Barros quanto à extinção do BNDES. Críticas ao acréscimo de 28% nos gastos com a propaganda oficial do Governo Federal, previsto no Orçamento da União para 2001.
Publicação
Publicação no DSF de 05/12/2000 - Página 24191
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. BANCOS.
Indexação
  • PARTICIPAÇÃO, ORADOR, REUNIÃO, PROCURADOR, PROMOTOR, MUNICIPIO, FOZ DO IGUAÇU (PR), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), MOBILIZAÇÃO, COMBATE, CORRUPÇÃO.
  • APOIO, SUGESTÃO, MENDONÇA DE BARROS, EX MINISTRO, MINISTERIO DAS COMUNICAÇÕES (MC), EXTINÇÃO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES).
  • ANALISE, ATUAÇÃO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), CONTRIBUIÇÃO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA.
  • ANALISE, AMPLIAÇÃO, INVESTIMENTO, PUBLICIDADE, SISTEMA, CAPITALISMO, SUPERIORIDADE, COMPARAÇÃO, DESPESA, GUERRA, TENTATIVA, CONTROLE, CRISE, REGISTRO, AUMENTO, GASTOS PUBLICOS, BRASIL, PROPAGANDA, SETOR PUBLICO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


           O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, livre do meu inferno zodiacal, encontro-me, hoje, em estado de graça. Realmente, foi um final de semana muito especial o que passei em Foz do Iguaçu abraçando cento e sessenta jovens inteligentes, bem-humorados, cônscios de que estão prestando ao País um serviço positivo, integrados que estão nessa grande luta contra a corrupção, contra os desvios e desmandos de nossa sociedade. Houve discursos maravilhosos proferidos por cidadãos íntegros, inconsúlteis, lá trocando idéias e enriquecendo-nos a todos.

           Não poderia, então, ter outro humor hoje senão este, que me foi inoculado pelos jovens procuradores e promotores - 160 deles - que não sei por que, por unanimidade, lembraram o meu nome para comparecer àquela reunião.

           Pois bem, também fiquei surpreso, em certo sentido - o que não deixa de ser para mim uma satisfação - ao perceber que o ex-Ministro Mendonça de Barros agora resolveu fazer aquilo que há 16 anos pelo menos proponho: delenda BNDES. E o Ministro Mendonça de Barros, que tão bem conhece aquela instituição - que considero perversa, pervertida desde a origem -, propõe o fim do BNDES e chega à conclusão de que realmente é preciso exterminá-lo. E eu nunca pensei na minha vida, ao longo de 20 anos de tentativas que acreditava inúteis, em exterminar esse mal - o BNDES, que sempre viveu de retirar recursos. De 1953 em diante, quando foi fundado, retirava um adicional do Imposto de Renda e o inoculava nas gorduras para ampliar a adiposidade e a má distribuição de renda no País. Ultimamente, sabemos que são recursos do FAT, são recursos dos trabalhadores e outros que vêm de fora, aumentando nossa dívida externa. Esses recursos são repassados a preço de banana para a elite brasileira, para tentar sustentar bancos quebrados e para os maiores despautérios que se possa praticar com o apoio de uma estrutura decadente.

           Gostaria também de aproveitar esta segunda-feira para fazer algumas reflexões sobre um fenômeno bastante interessante. O mundo capitalista já escolheu, há muito tempo, sua prioridade. A prioridade não é aquilo que se pensa: saúde, educação, segurança e blablablá e nhenhenhém.

           Não é a boca nem a boa vontade de cabeças mais ou menos bem estruturadas que determinam as nossas prioridades. A prioridade não está na cabeça e nas intenções. De boas intenções o caminho do inferno está recoberto. Devemos perguntar ao mundo capitalista qual é a sua prioridade, aquilo que realmente se faz utilizando um maior percentual de recursos da humanidade. Será que o capitalismo realmente dá prioridade à vida, à saúde e à cultura? Para fingir que suas prioridades são humanas, superiores e dignas, o capitalismo tem que gastar bilhões em publicidade, para tentar tapar com peneira furada o sol que ilumina o seu caminho e que tenta lançar luzes sobre as sombras, os desvios, os enganos e as ideologias.

            Agora, no mundo, a propaganda ultrapassou as despesas de guerra. Até 1989 - não há dúvida - as despesas de guerra e os desmandos e desperdícios espaciais foram a prioridade da economia capitalista. A partir do último ano, percebemos que a publicidade consegue ultrapassar as despesas de guerra. Interessante isso! As despesas de guerra, que sempre absorveram a maior parte dos recursos do mundo, tanto durante a guerra quente, quanto durante as décadas de guerra fria, de acordo com Lord John Maynard Keynes, são essenciais e necessárias para que o capitalismo se sustente. A auto-sustentação do capitalismo, de acordo com Lord Keynes, só pode ser obtida por meio da guerra e das guerras, das 344 guerras deflagradas entre 1770 e 1974, de acordo com o livro intitulado O Desafio das Guerras, pág. 18, ou com as 76 guerras a que se refere Eric Hobsbawn, num período bem mais curto do que aquele tomado por Carrière e Bouthoul no livro agora citado.

            O capitalismo não vive, nunca viveu e não pode sobreviver sem guerra. O processo produtivo tem que ter como contrapartida o processo consumptivo. As coisas são produzidas para serem destruídas pelo consumo. Se grande parte da humanidade não tem poder de compra, não pode consumir e usufruir dessa produção fantasticamente eficiente, capitalista - perceberam vários pensadores no campo da economia, o primeiro deles talvez tenha sido Thomas Robert Malthus, a quem Lord Keynes chamou, num artigo produzido nos anos vinte, de o primeiro dos economistas de Cambridge.

            Malthus passou a ser ignorado e marginalizado pelo pensamento oficial, porque tinha de se aproximar da verdade, essa verdade que o capitalismo não suporta. Segundo Robert Malthus, a felicidade humana é incompatível com o capitalismo. “Quando lanço meus olhos pelo mundo e vejo o desemprego, imensas forças produtivas desempregadas e pergunto por que, só posso responder que isso se deve à insuficiência de demanda”, que, para ele, era insuficiência de consumo.

            O processo é produtivo-consumptivo. Tem de ser consumido aquilo que foi produzido para que haja uma reprodução, e até uma reprodução em escala superior.

            Vejamos o que o Ministro Pedro Malan disse: “Ele está pirado”. Palavras do Ministro Pedro Malan. Quem é que está pirado? O Sr. Mendonça de Barros. O ex-Ministro Mendonça de Barros está pirado - disse o Ministro Malan.

            Ambos têm razão. Já falei, inúmeras vezes, que o que existe é o que consta deste livro aqui. Falta leitura. É preciso ver o que foi escrito aqui, em 1973. Há esquizofrenia neste sistema. Todos têm razão. O governo é esquizofrênico. Já li em Freud por que é esquizofrênico. Quando a realidade se torna adusta, quando as condições produzidas pelo trabalho humano, diz Freud, no Totem Tabu, então a consciência desta realidade de crise, de depressão, de opressão, de uma realidade em que as 358 pessoas mais ricas do mundo têm a mesma renda de 1,8 bilhão de seres humanos, com esse desemprego inédito no mundo, com as máquinas e sua eficiência dispensando mão-de-obra. Quanto maior for o investimento, isso a década de 1920 demonstrou - desemprego de 16% na Suécia e na Noruega e de apenas 4% nos Estados Unidos - o volume de investimentos, capaz de manter 4% de desempregados nos Estados Unidos, foi de tamanha monta que provocou, em 1929, a grande crise de excesso de capital, de sobre-acumulação, como reconhece o próprio Lord Keynes. Então, se no nosso momento histórico de pobreza dos anos 40, dos anos 50 e ainda persiste esse problema em amplas áreas do território nacional, se o nosso problema é falta de capital, o problema do capitalismo vem a ser de excesso de capital, de crise de sobre-acumulação. A primeira crise desse tipo aconteceu em 1870, no continente europeu, e em 1873, na Inglaterra.

            As cabeças paulistanas - mas não bandeirantes, apenas paulistanas - aí estão arrecadando dinheiro, produzindo investimentos e mais investimentos, inclusive os eficientíssimos investimentos eleitorais, que transformam os votos em mercadoria e as consciências em algo flexível. A flexibilização da consciência antecede a essa flexibilização da economia escancarada.

            Nós nos encontramos num caos, que não pode ser transposto para a consciência, uma consciência que percebesse que estamos, há duas décadas perdidas, querendo subir e crescer numa ladeira ensaboada, com excesso de investimento; nós nos encontramos diante de uma crise de sobre-acumulação de capital, principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e sul do Brasil.

            Em relação, por exemplo, ao setor automobilístico, há capitais acumulados que permitem uma produção de R$70 milhões de capacidade instalada, e o setor só consegue produzir R$50 milhões; temos, portanto, uma capacidade ociosa e ficamos aqui brigando para hospedar montadoras falidas.

            Conseguiram levar para a Bahia a KIA, que produz a Besta. Quem é besta? O carro. Lamentavelmente, a produção da Besta, na Bahia, não chegou nem a ser inaugurada, a fábrica não produziu sequer uma unidade.

            A fábrica da Coréia do Sul havia prometido aplicar na sua indústria, na sua planta, os recursos correspondentes ao valor das importações que ela fazia. Importou, importou, importou, e não aplicou e não colocou lá nenhum tijolo. Continuamos sem aprender.

            Há três anos, um economista inglês escreveu sobre car crash ahead - “o desastre automobilístico está pela frente”. No entanto, não se trata daquele desastre de 1929, quando a produção de carros caiu, em dois anos, de cinco milhões e trezentas mil unidades para novecentas mil unidades, em 1931, e para setecentas mil apenas, quatorze anos depois, nos Estados Unidos. Essa é a eficiência do sistema capitalista, que ele demonstra quando entra numa fase de excesso de acumulação e sobreacumulação de capital.

            Lord Keynes disse que é necessário que as guerras venham para destruir. Diz ele: “Penso ser incompatível com a democracia capitalista que o governo eleve os seus gastos na escala suficiente para fazer a grande experiência que demonstraria a minha tese, exceto em condições de guerra”.

            Em outro trecho, na teoria geral, expressa: “Duvido que tenhamos conhecido um auge duradouro capaz de levar ao pleno emprego, exceto durante a guerra.” Só nesses momentos, devido à tecnologia capitalista ser altamente labor saving - poupadora de trabalho -, essa fantástica tecnologia atingiu um nível tão elevado, que os investimentos privados provocam necessariamente um elevadíssimo nível de desemprego - como o índice de 45%, na Alemanha, em 1933; e 25%, nos Estados Unidos, naquele mesmo período. Como reabsorver essa mão-de-obra? Só o Governo fazendo um equilíbrio orçamentário e aumentando a dívida pública - que atingiu 120% do PIB dos Estados Unidos, em 1945.

            Desse modo, se enxugarmos o Estado e demitirmos funcionários, estaremos sendo completamente loucos. O Sr. Pedro Malan tem razão ao afirmar que o Sr. Ministro Mendonça de Barros “pirou”. Não foi apenas ele. O Sr. Pedro Malan precisa olhar-se no espelho para ver mais um “pirado”.

            Não podendo enfrentar essa realidade nem sabendo como administrar a crise da dívida externa e das exportações, provocada pelo desequilíbrio constante no balanço de pagamentos, não conseguindo enfrentar a crise das finanças públicas, a falta de recursos que uma sociedade em crise não consegue passar para o Governo através de impostos, através da carga tributária elevada, os recursos necessários para que os governantes continuem a imitar Juscelino Kubitschek. É isso que todos eles gostariam de fazer. O ex-Presidente Sarney encomendou ao atual membro do Governo - convidado pela Prefeita Marta Suplicy, de São Paulo - um plano de metas para repetir Juscelino Kubitschek, num momento em que a dinâmica iniciada naquele momento por Juscelino estava conhecendo a sua crise completa.

            Então, não adianta essa conversa, não adiantam essas promessas de grandes investimentos, de “Pra frente, Brasil”, “Agora sim, Brasil”, “Levanta, Brasil”, “Não sei o quê, Brasil”. Não adianta nada disso. Só fica no nível da conversa e da mentira. E, não podendo mudar o mundo, quem muda são aqueles que não conseguem aprender o mundo com a cabeça, entender as várias crises que se superpõem na economia brasileira há muito tempo e que já a amarram por 20 anos. São duas décadas perdidas. E eles insistem em continuar a subir e a se elevar numa ladeira ensaboada em que escorregam sempre.

            Finalmente, o Presidente, quando Senador, o que disse? Disse: “É impossível pagar a dívida externa e equilibrar o Orçamento”, página 242 do livro chamado As idéias e seu lugar.

            De onde vem o dinheiro para pagar o salário mínimo? Se os orçamentos são equilibrados, se os 36 bilhões de superávit primário não podem ser usados, de onde vem o dinheiro? É óbvio que agora não vem mais de lugar nenhum, não pode mais vir, porque sempre veio dos trabalhadores.

            Enquanto no Japão os trabalhadores recebem 71% da renda nacional, no Brasil, os trabalhadores recebiam, antes da era FHC, 48%, e agora, com a social democracia instalada, 37% apenas. Promessa não adianta. Blá-blá-blá só desmoraliza político. O que devia servir de âncora era a palavra dada, era o fio de cabelo que devia ser a grande âncora. Âncoras mentirosas, âncoras podres, âncoras enferrujadas e carcomidas.

            Pois bem, meu tempo acabou. Eu gostaria apenas de me referir a este fato: quando a crise se aprofunda, a solução de cada um individualmente, de cada empresário, de cada comerciante, é aumentar a despesa com propaganda, para ver se salva seus fregueses, para ver se recupera seu mercado. É por isso que o mundo e o Brasil se transformaram no paraíso da publicidade e da propaganda. Esses gastos desesperados com a publicidade e a propaganda são mais um sintoma da crise. É essa propaganda, essa publicidade que penetra nas novelas, porque a própria novela já é um veículo de publicidade ou para o Sílvio Santos, ou SBT, ou para a Globo etc.

            Numa sociedade em que o sexo é reprimido, a sociedade se utiliza da repressão e da insatisfação sexual para vender mais seus produtos, suas mercadorias. Nas novelas, é óbvio que o sexo tem que estar presente, e nós aqui falamos na nossa moralidade abstrata. Se o sexo virou mercadoria - os motéis, as revistas de sexo -, numa sociedade repressora do sexo, é evidente que a propaganda e a publicidade tinham, têm, devem, fazem muito bem, para vender mais mercadoria, porque esse é o seu objetivo, o seu fim, utilizar crianças. A pedofilia se amplia nesse mercado e a nudez e o sexo estão aí, excitando os consumidores, que são reprimidos por dois lados: pela velha moral - que Erhenfels, citado por Freud, chama de moral sexual cultural - e pela moral sexual natural, que se opõe à primeira. Desse modo, há essa moralidade repressora, que já foi muito mais repressora há três ou quatro décadas, mas continua sendo repressora. Na Suécia, o antiético, o amoral, o imoral é a violência, e não o sexo.

            Para terminar, o Governo gastou 28% - este é o número que a D. Marta Salomão publica hoje na Folha de S. Paulo. Então, houve um aumento de 28% nos gastos da União para 2001 em propaganda oficial. O Governo em crise, tal como os botequins, as padarias e tudo o mais, também recorre ao incremento da propaganda, da publicidade. E o Governo não precisa usar esses recursos. Existe um artista, que disse que é artista, o qual o Glauber Rocha convidou para fazer um filme e que continua como artista, porque o Presidente da República é um artista. Diz ele: “Um artista no Palácio da Alvorada!” Assim, é ele que está na telinha, fazendo a propaganda de si mesmo e de seu governo. É óbvio que não há solução dessa maneira. Nada se resolve assim. O autismo, o narcisismo e a esquizofrenia são resultantes desse processo.

            Sr. Presidente, para concluir, lembro que o fundador do neoliberalismo - esse que anda por aí - é um alemão chamado Gössen, que disse que havia desvendado as leis fundamentais que presidem o convívio humano e formulou três leis chamadas de “Leis Fantásticas”. Publicou seu livro, quase todos encalharam. Esse é o fundador do neoliberalismo. Diante da decepção, ele, que escrevera que era Ptolomeu, que era Galileu, e ninguém comprou, ninguém deu atenção ao seu livro neoliberal, suicidou-se, tendo ateado fogo em sua obra. Obviamente também é um esquizofrênico, do qual derivou a esquizofrenia neoliberal que veio logo depois do acontecido.

            Pedro Malan tem toda a razão: “Mendonça de Barros ‘pirou’”. Mendonça de Barros tem toda a razão: “Pedro Malan também ‘pirou’”. Todos têm razão, mas eles não sabem o que é esquizofrenia. E nós sofremos as conseqüências.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo15/4/244:21



Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/12/2000 - Página 24191