Discurso durante a 165ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM AO CENTENARIO DE NASCIMENTO DO EX-SENADOR MILTON CAMPOS.

Autor
Arlindo Porto (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/MG)
Nome completo: Arlindo Porto Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AO CENTENARIO DE NASCIMENTO DO EX-SENADOR MILTON CAMPOS.
Publicação
Publicação no DSF de 01/12/2000 - Página 23487
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, MILTON CAMPOS, EX-DEPUTADO, EX GOVERNADOR, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), EX MINISTRO, EX SENADOR, ELOGIO, VIDA PUBLICA, DEFESA, DEMOCRACIA.

O SR. ARLINDO PORTO (PTB - MG. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente desta sessão, Senador Carlos Patrocínio, Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Carlos Mário Velloso, professor Raul Machado Horta, representando a família de Milton Campos nesta Mesa, Exmº Sr. ex-Senador Jarbas Passarinho, Presidente da Fundação Milton Campos, Srªs e Srs. Senadores, Sr. Ministro do Tribunal de Contas da União, Ministro Humberto Souto, Sr. ex-Senador por Minas Gerais Murilo Badaró, ex-Presidente do Tribunal de Contas da União, o mineiro Homero Santos, demais autoridades, familiares e amigos de Milton Campos, mineiros, minhas senhoras, meus senhores, todo o País, especialmente a comunidade mineira, comemora no corrente ano o centenário do nascimento de Milton Soares Campos, um dos maiores expoentes do pensamento liberal brasileiro. Há pouco, em Belo Horizonte, realizaram-se conferências, debates e concursos literários evocando a vida e a obra do grande e inesquecível jurista, político e parlamentar, numa oportuna iniciativa patrocinada pelo Instituto dos Advogados de Minas Gerais e promovida por várias entidades culturais. E são centenas os artigos publicados retratando o perfil desse extraordinário Governador de Minas, que antecedeu Juscelino Kubitscheck no Palácio da Liberdade - Milton, um udenista histórico, e JK, um pessedista autêntico.

Justamente considerando uma das grandes expressões nacionais, Milton Campos, nascido em 16 de agosto de 1900, na cidade de Ponte Nova, na nossa Minas Gerais, viveu época de tormentos na história do País - marcada pela instabilidade política conseqüente de morte, demissão, impedimento ou deposição de presidentes, além de intervenções militares e crises sistemáticas dos sistemas de governo -, até seu desaparecimento, em 16 de janeiro de 1972. Em tal cenário, avultava uma personalidade amena, mas nada frágil, respeitada pelo saber, pelos atributos morais, pelo equilíbrio nas decisões, pela obsessão do dever e pelo tratamento de homem simples que a todos encantava.

Relator-Geral da Constituinte estadual de 1935, Constituinte em 1946, Deputado Federal de 1955 a 1959, Governador entre 1947 e 1951, Senador de 1958 a 1966, Ministro da Justiça de abril de 1964 a outubro de 1965, ele marcou a sua vida política pelo respeito aos adversários e por adotar a lei - sempre! - como limite de sua ação.

Tancredo Neves, que foi líder da oposição na Assembléia Legislativa de Minas Gerais quando Milton Campos era Governador do Estado, dizia que Milton portava-se “como um magistrado” no Palácio da Liberdade. “Considero-o uma página da nossa história”, dizia, ao declarar que “homens de tal porte enobrecem um país, dão sentido positivo à sua cultura e se tornam modelos que, espontaneamente, se expõem às gerações que os vierem suceder”.

Tancredo, que chegou ao Senado Federal quando Milton Campos já estava reeleito para um segundo mandato, dizia que Milton honrava o cargo de Senador por Minas Gerais e destacou seu ex-colega e amigo como “símbolo da democracia que foi uma das razões de sua vida pública”.

Liberal e modelo de ser humano e de político, Milton nunca perdeu a sua condição de homem simples do interior, mesmo quando andou pelos tapetes de palácios e experimentou a glória da consagração popular e o respeito de dignitários. Certa vez, numa reunião com correligionários seus, na sua Ponte Nova, foi questionado publicamente por um cabo eleitoral: “por que o senhor perdeu a eleição, Dr. Milton?”. Sem se abalar, ele respondeu na maior simplicidade: “foi porque o adversário teve mais votos, meu filho”.

Notável homem público, de linha liberal democrata, ardente defensor, portanto, do Estado de Direito, Milton, muito jovem, alinhou-se à campanha civilista de Rui Barbosa e, depois, aos revolucionários de 1930, quando era ainda Advogado-Geral do Estado. Apoiou a Revolução de 1930, mas tornou-se oposição à ditadura do Estado Novo, decretado por Getúlio Vargas, e foi um dos 92 subscritores do Manifesto dos Mineiros. Constituinte eleito em 1945, coube-lhe, em grande parte, a redação do capítulo da Carta Magna relacionado aos direitos e garantias individuais.

Candidato oposicionista, elegeu-se Governador de Minas em janeiro de 1947; integrou os quadros da União Democrática Nacional - UDN, organização partidária pela qual foi candidato a Vice-Presidente da República em 1955, e que deixaria, em 1965, para ingressar na Aliança Renovadora Nacional - Arena, agremiação em que permaneceria até o encerramento de sua edificante trajetória política. Lembro frase de seu discurso de posse que expõe seu estilo: “O Governo que ora se inicia procurará ser modesto, como convém à República, e austero, como é do gosto dos mineiros”.

Pertencendo a uma geração de homens dotados da vocação mineira para o exercício da atividade política, soube combinar, como nenhum outro, “o senso grave da ordem com o sentimento da liberdade”, conforme a correta avaliação dos historiadores, para exaltar a sua liderança tanto nos momentos da conciliação como da revolta. Milton foi um homem justo, um juiz acima de tudo. Em seu Compromisso Democrático, editado pela Secretaria de Educação de Minas Gerais, dizia Milton: “Sem a liberdade cairemos na opressão política. Sem a igualdade consolidaremos a opressão econômica. Num e noutro caso estará esquecida a pessoa humana e a democracia falhará em sua missão”.

A esse propósito, há de ser mencionado que Milton Campos, várias vezes lembrado para compor o quadro de ministros da Suprema Corte, foi eleito, em 1958, para ocupar uma das cadeiras da representação de Minas nesta Casa, vindo a obter a reeleição em 1966, destacando-se sobretudo pela defesa das reformas agrária e política e pelo voto favorável, com ressalvas, à aprovação da Carta Magna de 1967, que considerava “um passo decisivo no sentido da normalidade constitucional”.

Deixando de comparecer à sessão do Congresso Nacional destinada à eleição do Presidente da República em 1969, que viria a ser o General Emílio Médici, ocupou a tribuna deste Senado Federal para consignar as razões de sua ausência e defender a classe política, naquele que é considerado, sem dúvida, um clássico em meio aos pronunciamentos que mais enriquecem os Anais desta Câmara Alta.

Disse ele que, “por meio da abstenção, quis significar minha divergência com o processo adotado pela cúpula dirigente para resolver a crise que desnecessariamente se criara. Nada tinha a alegar contra os nomes propostos ao partido e ao Congresso Nacional, que são chefes respeitados nas Forças Armadas e, portanto, dignos do respeito dos concidadãos. Mas por que se lançou mão de um processo inédito, quando a Constituição, nesse particular bem fundada na tradição republicana e na natureza das coisas, previa o processo certo e prudente?”

Lembrando que, segundo a Constituição, “substitui o Presidente, em caso de impedimento, e sucede-lhe, no de vaga, o Vice-Presidente”, indagou por que, então, complicar e transformar em crise problema tão simples e de solução natural tão claramente prevista? A naturalidade é boa conselheira para as soluções políticas. Pode ser até imperativa”.

Explicitou Milton que a naturalidade, em termos de convivência nacional, se traduz pelo princípio de legalidade, ou seja, a humilde submissão à lei. Só ela evita a insegurança e a instabilidade, substituindo as soluções subjetivas, tantas vezes caprichosas e arbitrárias como é da condição humana, pela objetividade da norma, instituída em benefício da tranqüilidade e da dignidade da convivência entre os homens”.

Daí concluir, acerca do histórico episódio, que “nada há a objetar contra a renovação. Mas é perigoso promovê-la de cima para baixo, porque então dela não participa o povo e a inspiração democrática fica esquecida, transformando a elite política que todas as nações civilizadas procuram aprimorar em burocracia politicamente irresponsável”.

           Abgar Renault, que serviu ao Governo de Milton Campos em Minas Gerais, descreveu-o como aquele que, “sob uma aparência simples, esconde extrema complexidade; sob a modéstia, acolhe-se a segurança do próprio valor, isenta de qualquer orgulho vão; sob a aparência de tender sempre a concordar, está sempre em guarda uma resistência tanto mais firme quanto mais parca de palavras, ante qualquer ameaça de ataque à zona inexpugnável de sua consciência; entre o fácil sorriso humano, que a todos recebe com igualdade espontânea, e o terreno de acesso à intimidade, uma faixa neutra veda a entrada aos que tentam violá-la; sob a frieza e sob o ar de distância, a bondade militante e a capacidade de comover-se intensamente diante dos males alheios, sem prantos públicos; acima da pressão das necessidades imediatas, o desdém incoercível para com os bens materiais; sob a inteligência do cético radical, a luz do homem que crê em Deus e guarda no coração as indulgências mais completas para todas as formas de erros, falhas, ridículos e misérias do mesquinho animal humano”.

           José Bento Teixeira de Salles, que conviveu de perto com Milton Campos, ressaltou, na Academia Mineira de Letras que “ele exerceu o sacerdócio permanente da pregação democrática, ‘tendo sintetizado’ a formação moral e a coerência ideológica que caracterizam a estrutura mental do mineiro ilustre”.

           Recentemente, ao prefaciar o livro Milton Campos, o pensador Liberal, do também ex-Senador Murilo Badaró, com quase 500 páginas retratando a vida e a obra política daquele mineiro ilustre, editado sob os auspícios da Fundação Milton Campos, o ex-Senador sentenciou que o personagem da obra “não foi, apenas, um intelectual, um modelo de homem público, um liberal democrata. Foi um estadista, cujo exemplo é a nossa herança”. E o próprio autor do livro destaca que “Milton sempre foi fiel aos postulados liberais, manteve-se irredutível na defesa de seus princípios. É admirável a retilínea linha de coerência que preservou em todos os instantes de sua longa e fecunda vida pública”.

           Seguindo linha semelhante, quando aqui era lamentado o desaparecimento de Milton Campos, o Senador Nelson Carneiro considerou-o “o melhor de todos nós, porque foi humilde quando poderia ser vaidoso; compreensivo quando poderia ser arrogante; simples quando poderia ser fátuo; forte quando outros fraquejavam; constante num mundo de indecisões; e porque, havendo conhecido o poder, não se embriagou de suas tentações, nem dele se tornou escravo”.

           Austero e justo, em 1965, Ministro da Justiça do Governo Castello Branco, renunciou ao cargo e voltou à sua cadeira neste Senado Federal, ao constatar que o movimento militar ao qual dera apoio integral, desde 1964, se inclinava para o regime autoritário, deixando o respeito à lei em segundo plano e manchando a história jurídica do Brasil. Agigantou-se, mais uma vez, na defesa dos princípios constitucionais e, coerente, sofreu, nos anos seguintes quando viu amigos, companheiros de vida pública e parlamentar, jovens inflamados serem violentados em seus direitos individuais porque ousavam fazer oposição, pensar diferente, defender teses contrárias às do governo militar da época.

           A Câmara de Vereadores de sua terra natal, Ponte Nova, ao criar uma comenda para homenagear Milton Campos, destinando-a a personalidades que marcaram a sua vida com ações e obras de relevo, sustentou a iniciativa classificando o ex-governador, político e jurista com “uma pessoa íntegra e completa, ímpar”.

           Foi de sua autoria, em fevereiro de 1962, o Projeto de Lei que estabelecia uma revisão das normas jurídicas, econômicas e sociais relativas à propriedade da terra, destinadas a promover a reforma agrária, e também, em agosto do mesmo ano, do projeto que adotava o modelo de reforma agrária elaborado por grupo de trabalho constitucional, um ano antes, pelo Presidente Jânio Quadros, o qual presidira. Foi de Milton, também, o Projeto de Lei que propunha o aperfeiçoamento da organização federativa brasileira e das relações entre a União e os Estados, o PL 9/62.

           Nem tudo são flores para um senador: em setembro de 1962, a Câmara dos Deputados rejeitou e arquivou a proposta de Milton Campos que declarava de utilidade pública a SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (PLS nº 020/62), e o Senado Federal arquivou o PLS nº 38/60 que instituía os distritos eleitorais para a eleição de deputados. Quarenta anos depois, continuamos discutindo o voto distrital no Brasil.

           Com esses resumidos apontamentos, sem a mínima pretensão de conter a integralidade do que foram a vida e a obra de Milton Campos, plenas de elevadas virtudes e realizações, e seus históricos valores para Minas Gerais e para a Nação, por isso engrandecidas, desejamos tão-só adicionar a nossa participação nas homenagens que se vêm prestando à memória do inigualável político mineiro, também do jornalista, do tribuno, do professor, do jurista voltado para a defesa dos direitos humanos e o zelo das instituições políticas, nas comemorações que ora se processam pelo centenário de seu nascimento.

           Ao terminar, quero concordar com o então Senador Gustavo Capanema, também mineiro e também nascido em agosto de 1900, contemporâneo e brilhante como Milton Campos, ao considerar como o discurso mais importante de Milton o que ele fez em 7 de novembro de 1969, quando criticou os atos institucionais do Governo Militar, a quebra do respeito à Constituição Federal e a auto-escolha de uma Junta Militar Governativa para substituir o então Presidente Costa e Silva, impedido-se o Vice-Presidente da República Pedro Aleixo de sucedê-lo: “Só a lei evita a insegurança e a instabilidade, substituindo as soluções subjetivas, tantas vezes caprichosas e arbitrárias, como é da condição humana, pela objetividade da norma instituída em benefício da tranqüilidade e da dignidade da convivência entre os homens. Só assim se busca a estabilidade tão necessária à paz e ao desenvolvimento dos povos” - ressaltou Milton Campos.

           Era o que tínhamos a dizer sobre Milton Soares Campos, na esperança de que, no seu centenário, saibamos fazer justiça a esse brasileiro que marcou a nossa história com a sua vida exemplar e sintetizou o que é ser mineiro: religioso, conservador, cultivador das letras e das artes, poeta e literato, gostar de política e amar a liberdade, viver nas montanhas é ter vida interior.

           Muito obrigado! (Palmas!)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/12/2000 - Página 23487