Discurso durante a 165ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM AO CENTENARIO DE NASCIMENTO DO EX-SENADOR MILTON CAMPOS.

Autor
José Alencar (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MG)
Nome completo: José Alencar Gomes da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AO CENTENARIO DE NASCIMENTO DO EX-SENADOR MILTON CAMPOS.
Publicação
Publicação no DSF de 01/12/2000 - Página 23490
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, MILTON CAMPOS, EX-DEPUTADO, EX GOVERNADOR, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), EX MINISTRO, EX SENADOR, ELOGIO, VIDA PUBLICA, DEFESA, DEMOCRACIA.

O SR. JOSÉ ALENCAR (PMDB - MG. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Carlos Patrocínio, ilustre Dr. Carlos Mário Velloso, Presidente do Supremo Tribunal Federal, ilustre Professor Raul Machado Horta, Presidente de Honra da comissão designada para as comemorações do centenário do Dr. Milton Campos. Quero também cumprimentar a sua esposa, Exª Srª Regina Campos Horta, aqui presente; eminente Senador Jarbas Passarinho, Presidente da Fundação Milton Campos; ilustre coestaduano Dr. Humberto Souto, Presidente do Tribunal de Contas da União; eminente amigo Senador Murilo Badaró, aqui representando a Academia Mineira de Letras; ilustre Ministro Homero Santos, do Tribunal de Contas da União; eminente Dr. Reginaldo Oscar de Castro, da OAB; meritíssimo Juiz do Tribunal de Alçada; nosso velho amigo, Dr. Delmival de Almeida Campos; Srªs e Srs. Senadores, Srªs e Srs. Deputados, excelentíssimas autoridades aqui presentes, minhas senhoras e meus senhores, é realmente excepcional a honra que me cabe de estar nesta tribuna, neste instante em que passam por aqui grandes oradores, que retratam alguns traços da biografia desse eminente homem público, desse grande brasileiro deste século, que foi o Dr. Milton Campos.

Quando eu era menino, lembro-me bem de meu pai, que era um admirador dele, ensinando-nos e mostrando-nos o Manifesto dos Mineiros, firmado por ele e provavelmente também redigido por ele.

Ainda criança em Miraí, havia lá um grande homem público daquela pequena cidade. Seu nome era Henrique Alves Pereira. Era médico e chefe político. E o Dr. Milton Campos era candidato a Governador de Minas. Cada um de nós, os meninos, recebemos um pincel e um balde com cal para que pintássemos alguns muros da cidade naquela campanha pela candidatura Milton Campos. E ele deu uma frase para cada um de nós. A minha era: “Milton Campos, para a glória de Minas”.

E saí pela cidade. Quando achava uma porteira, pintava nela: “Milton Campos, para a glória de Minas”. De repente, chega um médico, o Dr. Abraão, que também foi Prefeito em Miraí, e me disse: “Ainda há espaço no muro; acrescente: ‘e do Brasil’”. Então, a frase seria: “Milton Campos, para a glória de Minas e do Brasil”.

Tirei do bolso a frase que me havia sido entregue pelo Dr. Henrique Alves Pereira e disse ao Dr. Abraão que eu tinha que escrever o que ele mandou. Então, ele falou grosso e me mandou acrescentar a expressão “e do Brasil”. Eu a acrescentei, mas, quando voltei, contei para o Dr. Henrique. E o Dr. Henrique disse assim: “Está certo, mas, por enquanto, o Dr. Milton Campos é candidato a Governador de Minas. No futuro, vamos escrever ‘Brasil’”.

Conto isso porque foi o meu primeiro contato de criança com a vida desse brasileiro de que todos nos orgulhamos. Mas não poderia deixar de trazer também um discurso escrito, que passarei a ler.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Parlamentares, autoridades aqui presentes, senhoras e senhores, ocupar esta tribuna de nobres tradições parlamentares em momento tão solene representa, para quem enxergue a política como dom vocacional, uma generosa recompensa da vida pública, dessas recompensas que jamais podem ser esquecidas.

Estamos incumbidos, ao lado de eminentes Colegas, de registrar o tributo da admiração e apreço do Senado e da Nação a uma figura exponencial da vida brasileira, a um cidadão dotado de sabedoria incomum, a alguém que exerceu sobre gerações inteiras, como comentou o poeta Carlos Drummond de Andrade, “um magistério espiritual que não se qualifica em palavras.”

Muito natural, por conseguinte, a perplexidade de que nos achamos possuídos, a atenção voltada para a magnitude da tarefa.

O fascínio mágico da desafiadora e honrosa missão impele-nos, nada obstante, a um exercício singelo de compartilhamento, por intermédio da palavra, da justa louvação que aqui se faz à vida e obra de Milton Soares Campos.

Nos momentos dedicados à coleta das informações necessárias a este pronunciamento, deparamo-nos com preciosa e instigante constatação. Tal constatação já terá, seguramente, excitado o espírito investigativo de historiadores e sociólogos. Estamos falando das singulares circunstâncias que tornam contemporâneas na crônica do tempo, no espaço territorial de uma mesma província brasileira, tantas personalidades fulgurantes. Nascidos em datas bem próximas, Milton Campos, Juscelino Kubitschek de Oliveira, Gustavo Capanema, José Maria Alkmin e Pedro Aleixo, mineiros ilustres, tiveram invulgar projeção em nossa história.

Atuaram politicamente em tempos de enorme efervescência social, tempos repletos de desafios, que exigiam muita criatividade. Influenciaram, com idéias e ações de vanguarda, a configuração política do Brasil neste século XX. Com idealismo, capacidade e patriotismo, muitas vezes em situações de antagonismo partidário, assumiram poderosas lideranças. A memória coletiva conserva, desses líderes de escol, lembranças imorredouras.

Deles, de todos eles, poder-se-ia ainda dizer que não deixaram de ser, também, “contemporâneos do futuro”, ou seja, membros dessa confraria seleta de seres predestinados, timoneiros da história, que sabem se orientar pelas estrelas para dar rumo ao navio.

Deixaram-nos como legado estupendo patrimônio em idéias e iniciativas. E deixaram também uma interrogação que pede resposta aos estudiosos dos fenômenos sociais que compõem a prodigiosa aventura humana.

Que misteriosos desígnios serão esses a influenciar o surgimento, numa mesma época, na altiva Província das Gerais, de homens tão especiais? De homens definitivamente comprometidos com a missão de inspirar o Brasil com exemplos refulgentes de verdadeiro apostolado cívico e humanístico?

Não há como resistir à tentação de relembrar, nesta hora, memorável pronunciamento do grande e saudoso tribuno Paulo Pinheiro Chagas. Pinheiro Chagas se ocupava da caracterização de tipos sociais marcantes que influíram na formação política do nosso povo. E tomou como paradigmas maiores Milton Campos e Juscelino. Assim falou: “Milton, uma hipótese, bela como um sonho; Juscelino, uma tese, rude como a realidade. Milton, um sentimento; Juscelino, um programa”.

Milton repetiria com Saint Just: "a República é a virtude"; Juscelino responderia com Robespierre: "a virtude é a ação". Ambos o fariam soberbos em sua própria dimensão de grandeza, concluímos nós.

É disso, Srs. Senadores, de que trata a biografia de Milton Campos, de um apostolado de irretocável conteúdo humanístico, de belos sonhos, de belas crenças, de belos sentimentos e exemplos, de política praticada com cristalina austeridade, nutrida nas melhores virtudes republicanas, na intrepidez e na crença humanística, de solene inquietação cívica, de ideais puros, com visão nacional e sentido de eternidade.

Uma frase, em 1950, desse homem sereno e resoluto, de espírito universal, ajuda a explicar de que forma ele soube construir sua empolgante lenda pessoal. Com a palavra Milton Campos: "Indague-se sempre de um homem com que se trata, onde nasceu, onde se formou e em que tempo - porque com estes dados se terá a chave da decifração da personalidade".

Foi mais do que um conceito. A receita dada encaixa-se admiravelmente em todos os lances de sua vida, ajudando-nos a decifrar sua rica personalidade.

Na infância, em Ponte Nova, Zona da Mata mineira, numa família modelar, de saudáveis hábitos, aberta às manifestações da cultura, absorveu o gosto pela política e pelas letras, e pelo Direito, seguindo as pegadas do pai, Francisco de Castro Rodrigues Campos, jurista conceituado que presidiu o Tribunal de Justiça de Minas.

Em Belo Horizonte, freqüentou rodas intelectuais célebres. Comparecia assiduamente às tertúlias literárias da Livraria Francisco Alves. Discutiu ali, entre temas apaixonantes, os rumos do chamado movimento modernista. O grupo de intelectuais a que pertenceu, onde pontificava nítida a sua credencial de liderança, era constituído, entre outros, de Emílio Moura, João Alphonsus, Abgar Renault, Pedro Nava, Mário Casassanta, Martins de Almeida, Carlos Drumond de Andrade. Esse mesmo Carlos Drumond de Andrade, gênio poético da raça, de quem recolhemos ainda esta outra lapidar proclamação: “Milton Campos é o homem que todos gostaríamos de ser”.

É interessante observar como fica fácil, na elaboração do panegírico de Milton, identificar uma espécie de unanimidade nacional no louvor ao seu comportamento ético e valor cultural e político. Dele, por exemplo, disse Tristão de Athayde: “Imagem viva do grande político”. Petrônio Portella classificou-o de “Um santo homem”. Para Ruy Santos, outro Senador que deixou marcas de tirocínio parlamentar nesta augusta Casa, ele foi “um homem ápice”. O saudoso Senador Nelson Carneiro não deixou por menos, ao qualificá-lo como “o melhor de todos nós”.

            Com todos eles, faz coro o ex-Senador por Minas, Murilo Badaró, aqui presente, autor de esplêndida biografia sobre o grande brasileiro. Murilo Badaró expressa, com fervorosa convicção, que “Milton Campos foi o maior homem público do Brasil”.

Na fala de outros Senadores, conforme recordado pelo jornalista e advogado Orlando Vaz, vamos buscar outros eloqüentes indícios das culminâncias alcançadas por Milton Campos no reconhecimento nacional. Para Ney Braga, ele foi “um homem ante o qual a natureza se curvava”. Para Gustavo Capanema, Milton “tinha muitos traços do modo de ser de Jesus Cristo”.

            Toda essa volumosa e incomparável coletânea de depoimentos enaltecedores da personalidade de Milton Campos é fruto das lições de vida que ele, num jeito apostólico, cuidou de espalhar ao longo de sua jornada terrena. Em 1922, colou grau como bacharel em Direito, tendo sido o orador da turma. Atuou por pouco tempo como promotor. Passou a advogar em Belo Horizonte. Ocupou, por breve espaço, o cargo de Advogado-Geral do Estado. Foi relator-geral dos trabalhos da Comissão que elaborou o anteprojeto da Constituição Mineira de 1935. Presidiu, na administração Valadares, a Comissão que tratou de questões de limites entre Minas e São Paulo.

Opositor do Estado Novo, foi um dos redatores e signatários do memorável “Manifesto dos Mineiros”, lançado em outubro de 1943. O documento trouxe-lhe a exoneração do cargo de advogado da Caixa Econômica Federal, função que só pôde retomar dez anos depois. Com a queda do Estado Novo, foi eleito para a Assembléia Constituinte.

Mais tarde, em 1947, concorreu ao Governo de Minas pela antiga UDN, deixando na administração estadual marcas inapagáveis de operosidade e probidade. Voltou à Câmara dos Deputados em 1954. Disputou a Vice-Presidência na chapa Juarez Távora. Concorreu à Vice-Presidência da República na chapa de Jânio Quadros. Existem registros de que sua candidatura teria sido “cristianizada” em função de uma estratégia política de bastidores. A manobra contemplava inesperada preferência por João Goulart, seu contendor na chapa liderada por Lott.

Milton Campos foi Senador por Minas em 1958. Em 1964, Castello Branco convidou-o para ser Ministro da Justiça. Discordando da edição do Ato Institucional nº 2, demitiu-se, retornando às atividades privadas. Faleceu em janeiro de 1972, em plena vigência do Ato Institucional nº 5. Seu desaparecimento causou forte emoção e motivou manifestações sem conta. Antigos adversários, ao exaltarem suas virtudes cívicas e arraigadas convicções democráticas em pronunciamentos emocionantes, colocaram-nas em confronto com as medidas arbitrárias e as violações dos direitos humanos daquele momento trevoso.

Sua trajetória pela vida pública foi de intensa luminosidade, pela palavra sábia e pela fecundidade nas ações. Seus feitos conferiram-lhe o privilégio de poder afirmar que “venturoso é aquele que, ao fim de cada dia, como em todos os instantes da vida, encontra repouso na paz da consciência”.

Falou-se, há pouco, do jeito de ser nazareno de Milton Campos. Isso conduz, numa associação de idéias, à rememoração de frases e gestos seus, cheios de simbolismo, que podem ser interpretados como verdadeiras parábolas.

A história do trem pagador é emblemática. A afirmação de autoridade - com um toque poético - pôs a descoberto, por inteiro, sua aguçada sensibilidade social.

Outro episódio impecável, inserido na mesma linha conceitual, transcorrido também durante sua passagem pelo Governo de Minas, foi narrado recentemente pelo jornalista José Mendonça. Ele ouviu o relato de Edgar da Mata Machado, então chefe de gabinete do ex-Governador.

Milton Campos, fumante inveterado, nos instantes inaugurais de sua presença no Palácio da Liberdade, tirou dinheiro do bolso e recomendou ao colaborador que mandasse buscar-lhe cigarros. Foi-lhe observado que o gabinete dispunha de recursos para despesas de pronto pagamento, mas o cidadão Milton Campos retrucou: “Absolutamente. Não vou permitir que o Tesouro do Estado custeie o meu vício.”

Há uma passagem aqui no Congresso Nacional, em que um dos Parlamentares teria apresentado um projeto de lei que reduzia ou isentava os impostos de importação de automóveis. Naquele tempo, os automóveis todos eram importados e os impostos praticamente duplicavam o preço dos veículos. As pessoas precisavam colher assinaturas de apoio ao projeto e pediram a uma senhora que fosse ao Dr. Milton Campos para solicitar sua assinatura. S. Exª olhou o documento e disse que já tinha automóvel. Ela argumentou dizendo que o documento visava à redução da alíquota de importação para todos os Parlamentares. S. Exa repetiu que já possuía automóvel. Ela insistiu que ele poderia ter outro automóvel. Nesse ponto, ele retrucou que na casa dele havia apenas uma garagem para um carro apenas.

Então, havia a preocupação de S. Exa em não fazer nenhuma crítica à decisão da Casa no tocante à redução do imposto de importação dos automóveis. Todavia, ele não concordou em participar da iniciativa.

            São coisas pequenas mas que marcam a personalidade deste grande brasileiro a quem todos aqui estamos levando a nossa saudade, a nossa homenagem e o nosso respeito.

Ele reagiria, ainda, do mesmo modo, polida mas vigorosamente, definindo posturas e fixando exemplos, em muitas outras oportunidades.

Como ocorreu na orientação dada a um auxiliar para que devolvesse “cestas de natal” enviadas por fornecedores do Estado: “Escreva a quem mandou cesta um cartão de agradecimento e de retribuição dos votos, mas devolva o brinde. Porque o Governo não pode aceitar presentes de seus fornecedores”.

Este o homem.

O que vem narrado não passa de uma amostra pálida do inesgotável manancial das cintilantes informações a seu respeito. Jurista consagrado, intelectual sintonizado com os valores culturais e os clamores sociais de seu tempo, Milton Campos demonstrou repetitivamente que a ação política para ser fecunda bebe inspirações na ética, no apego a princípios morais, na fidelidade democrática, no sentimento de mundo que habita as ruas.

Está aí explicado o fato de haver conseguido escalar, na acidentada paisagem política, a altitude himalaiana em que sua memória se vê hoje de permanente veneração.

Neste Milton Campos, com perfil e vocação de magistrado e de apóstolo, a esperança brasileira costuma ir buscar, em momentos cruciais, lenitivo e orientação.

A celebração do centenário de seu nascimento deixa tão pujante verdade claramente estampada na consciência nacional.

Muito obrigado.

(Palmas)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/12/2000 - Página 23490