Discurso durante a 168ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a "Sexta Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança de Clima - CoP-6".

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Considerações sobre a "Sexta Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança de Clima - CoP-6".
Publicação
Publicação no DSF de 06/12/2000 - Página 24331
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • ANALISE, IMPORTANCIA, CONFERENCIA INTERNACIONAL, CLIMA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, PAISES BAIXOS, DECISÃO, REGULAMENTAÇÃO, DIRETRIZ, IMPLEMENTAÇÃO, PROJETO, DESENVOLVIMENTO, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, ESPECIFICAÇÃO, CONTROLE, EMISSÃO, GAS CARBONICO, COMENTARIO, POSIÇÃO, POLITICA EXTERNA, BRASIL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste 13 de novembro será aberto na cidade de Haia, na Holanda, um evento da maior importância para todos que se preocupam com a questão do aquecimento global e da redução da camada de ozônio: a Sexta Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança de Clima - CoP-6, que estará negociando a regulamentação do Protocolo de Kyoto, adotado em 1997.

            Representantes de cerca de 180 países estarão reunidos até o dia 24 deste mês, por iniciativa da Organização das Nações Unidas, discutindo e tomando decisões sobre regulamentos e diretrizes para a implementação dos Mecanismos propostos na reunião ocorrida há 3 anos, no Japão: o comércio de emissões, a implementação conjunta e os Mecanismos de Desenvolvimento Limpo - MDL.

            Desde o início dos anos 90, o tema da mudança global do clima, suas causas e conseqüências, vem mobilizando mais e mais atenções e tornando-se foco das preocupações de governos e sociedades do mundo inteiro por se tratar de uma grave ameaça para toda a humanidade.

            Sem dúvida, essa inquietação com as mudanças climáticas resultantes do aumento da concentração na atmosfera dos chamados gases de efeito estufa, em conseqüência da ação humana, foi determinante para se chegar à negociação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.

            A Convenção-Quadro foi negociada no Rio de Janeiro, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - a Eco-92, e é um marco das relações internacionais, fruto do esforço conjunto de países ricos e pobres, conscientes da necessidade imperiosa de reduzir as emissões desses gases e da responsabilidade planetária da execução dessa tarefa urgente. 

            Considero extremamente oportuno que o Poder Legislativo brasileiro volte, neste momento, suas atenções para a CoP-6, a sexta reunião das partes, considerada o mais importante fórum sobre mudanças climáticas, desde 1997, e se manifeste sobre essa questão. É com esse objetivo que ocupo, agora, a tribuna do Senado Federal.

            Srªs. e Srs. Senadores, a Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima é o corolário de uma série de conferências internacionais que preconizavam a necessidade da existência de um tratado mundial que permitisse o enfrentamento conjunto da questão do aquecimento global, que vem aumentando por causa da maior atividade industrial, agrícola e de transporte, principalmente devido ao uso de combustíveis fósseis.

            O aquecimento global, conseqüência da elevação da temperatura média terrestre, é causado sobretudo pelo aumento, na atmosfera, da concentração dos três principais gases de efeito estufa: o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4 ) e o óxido nitroso (N2O). Eles aprisionam o calor solar, impedindo que a radiação da superfície terrestre seja liberada de volta ao espaço, e estão colocando em perigo o delicado balanço de temperatura que torna o nosso meio ambiente habitável.

            A Convenção considera a atmosfera um recurso comum aos seres humanos, parte do “patrimônio da humanidade”, e tenta assegurar que todos os sacrifícios feitos para a proteção desse recurso sejam compartilhados de forma justa entre os países, de acordo com suas “responsabilidades comuns, mas diferenciadas, e respectivas capacidades e condições sociais e econômicas.”

            O reconhecimento desse “princípio da responsabilidade comum, porém diferenciada, entre os países” sem dúvida faz recair sobre os países industrializados - que respondem por mais de três quartos das emissões de gases de efeito estufa - a maior quota de responsabilidade na luta contra a mudança do clima e o maior ônus da conta a ser paga.

            Numerosos impasses e conflitos de interesses entre países desenvolvidos e em desenvolvimento precisaram ser dirimidos no decorrer do processo de elaboração do texto desse ato internacional, até que fosse adotado, finalmente, o consagrado princípio da precaução, segundo o qual atividades capazes de causar danos graves ou irreversíveis ao meio ambiente podem ser restringidas, ou até mesmo proibidas, até que sejam conhecidos efetivamente seus efeitos.

            Sr. Presidente, o texto da Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima deu ênfase aos custos humanos e socioeconômicos da degradação ambiental e à inviabilidade dessas questões serem resolvidas por decisões unilaterais de cada país. Insistiu para o fato de que o caráter “planetário” das mudanças climáticas torna imperativa a cooperação entre as nações e o engajamento delas na busca de soluções em escala mundial, que contribuam efetivamente para restringir a emissão de gases de efeito estufa presentes na atmosfera.

            Essa ênfase vem possibilitando, nos últimos anos, não só uma crescente cooperação internacional para interromper ou reverter o processo de degradação, mas também a aceitação do compartilhamento do ônus da luta contra o aquecimento global.

            Metas, prazos e compromissos efetivos para a redução dos gases de efeito estufa não foram estabelecidos num primeiro momento, para facilitar as negociações. Ficaram aguardando posterior resolução em protocolos e acordos específicos.

            A questão é tão polêmica que somente ao final da terceira das cinco Conferências das Partes da Convenção do Clima até hoje realizadas chegou-se a um protocolo que contivesse medidas concretas, embora tímidas, passíveis de conter a produção e a emissão dos gases de efeito estufa. Dela resultou o Protocolo de Kyoto, assinado pelo governo brasileiro em 29 de abril de 1998, cuja regulamentação será um dos principais objetivos da iminente reunião de Haia.

            Srªs. e Srs. Senadores, a importância do Protocolo de Kyoto é inconteste. Ele mantém o princípio da responsabilidade diferenciada e estabelece metas obrigatórias para a redução global das emissões de gases. Segundo seu texto, os países industrializados, constantes do Anexo I da Convenção, devem reduzir em 5,2% as emissões de dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa, tendo como parâmetro os níveis de 1990, em cada país. Essa medida, porém, não é imediata, valendo para o período de 2008 a 2012.

            Cumpre destacar que as metas de redução fixadas nesse Protocolo são consideradas insuficientes por cientistas e ambientalistas de renome. De Kyoto para cá, registra-se, até mesmo um crescimento das emissões, sobretudo de CO2, em virtude da queima de combustíveis fósseis, fruto do aumento da atividade industrial, agrícola e de transporte, em todo o mundo.

            Sabe-se, por exemplo, que, entre 1990 e 1996, os EUA aumentaram suas emissões em 13%, e hoje são responsáveis por um quarto de todo o CO2 emitido no planeta. Estima-se até que o aumento das emissões desse gás na atmosfera terrestre poderia ter sido bem maior. Só não o foi em função da crise econômica da Ásia e da acelerada decadência econômica da Rússia e dos países do Leste europeu.

            Sr. Presidente, o Protocolo de Kyoto é, sem dúvida, um documento-chave. As regras para a implementação de seus “três mecanismos” - implementação conjunta, mecanismo de desenvolvimento limpo e comércio de emissões, são essenciais para aumentar a flexibilidade e reduzir os custos totais de redução de emissões, e precisam efetivamente ser estabelecidas no decorrer da CoP-6, que ora se inicia.

            A implementação conjunta (joint implementation) prevê a possibilidade de que países industrializados (do Anexo I do Protocolo) recebam unidades de emissão reduzida (UER) quando ajudarem a desenvolver projetos que restrinjam a emissão líquida em outros países industrializados, de forma a suplementar suas ações domésticas. 

            O mecanismo de desenvolvimento limpo - MDL (Clean Development Mechanism - CMD) permite aos países industrializados financiar projetos de redução de emissão em países em desenvolvimento, como forma de cumprir parte de seus compromissos, e receber créditos por essa redução.

            O comércio de emissões (emissions trading) possibilita que os países do Anexo I, com compromissos de redução de emissão, possam comercializar as unidades de emissão evitada em outros países, com o objetivo de incrementar a eficiência econômica na redução de emissões. Ou seja, um sistema global de compra e venda de emissões de carbono.

            Há imensos interesses em jogo. São, sem dúvida, muito grandes as expectativas de que os impasses políticos e econômicos possam começar a se desfazer nos próximos dias. Mas também são grandes as preocupações e os riscos. Os mecanismos de Kyoto estabelecem transformações importantes nos modos de produção e consumo e insistem na necessidade de harmonização das exigências sociais, dos imperativos de ordem econômica e das aspirações que fundamentam o ambicionado desenvolvimento sustentável.

            Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, as discussões que hoje se iniciam sobre a implementação e a aplicação dos acordos merecem toda a nossa atenção. Um dos destaques deverá ser o acalorado debate em torno do já mencionado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo - MDL, - que evoluiu a partir de uma proposta apresentada pelos negociadores brasileiros, em Kyoto. 

            Sem sombra de dúvida, o MDL é o único dos três mecanismos estabelecidos em Kyoto que permite a participação voluntária de países em desenvolvimento, cujo papel nas discussões é bem mais passivo que o dos países industrializados.

            Suas duas funções básicas são: ajudar os países do Anexo-I a cumprirem suas metas de redução de emissão e promover desenvolvimento sustentável nos países anfitriões do Terceiro Mundo.

            O MDL irá gerar unidades de “redução certificada de emissões - RCE”, originadas em projetos nos países em desenvolvimento, com as quais os países industrializados poderão contar para o cumprimento de seus compromissos de redução de emissão.

            É importante ressaltar que o MDL funciona como uma espécie de câmara de compensação de poluentes, Sr. Presidente. Por esse mecanismo, países industrializados poderão “comprar” quotas de poluição como contrapartida a investimentos em projetos de reflorestamento e outras iniciativas, inclusive de ordem energética, que tendam a reduzir o efeito estufa. 

            É preciso, porém, impedir que o MDL seja utilizado apenas como um meio para diminuir custos dos países industrializados na redução das emissões dos gases de efeito estufa. É indispensável que se defenda e se regulamente que esse mecanismo deve, sobretudo, carrear recursos que beneficiem os países mais pobres, propiciando a essas nações desenvolvimento social mais justo.

            Se todos os modelos climáticos demonstram que os efeitos mais brutais e mais devastadores do aquecimento global têm e terão conseqüências muito mais graves sobre as populações mais pobres do planeta, é preciso que haja uma liderança de peso, que defenda os interesses desses países, nas negociações de Haia.

            Srªs. e Srs. Senadores, o Brasil é um candidato natural a desempenhar esse papel e precisa manter-se na vanguarda das discussões. É quase unânime a opinião de que uma das questões mais polêmicas, nas próximas duas semanas, será a inclusão ou não de florestas já existentes, as chamadas “florestas em pé”, no MDL. A posição dos negociadores brasileiros em Haia é, em princípio, contrária à proposta de inclusão, enquanto o Ministério do Meio Ambiente é favorável a ela.

            Para o secretário-executivo da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, José Domingues Migueiz, “o MDL não deve ser visto como um mecanismo para conter desmatamentos ilegais e sim para reduzir a concentração de gases do efeito estufa”. Segundo ele, “os Estados Unidos são favoráveis à inclusão das florestas nativas porque suas florestas seqüestram 1,5 bilhão de toneladas de carbono por ano, mais do que eles terão de deixar de emitir, que é perto de 1 bilhão”. Pelo raciocínio, os EUA teriam um “troco” por poluir.

            Quanto aos projetos de reflorestamento, o Governo brasileiro os apóia, desde que o tempo de duração do programa sirva para que o país investidor ganhe tempo para desenvolver tecnologias limpas para deixar de emitir CO2 definitivamente.

            Sr. Presidente, a atualidade do tema que me traz à tribuna desta Casa, neste momento, é patente. Nenhum de nós ignora o quanto é preocupante e incontestável a realidade do aquecimento do Planeta Terra nos dias de hoje. Recentemente, durante a realização do Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, uma pesquisa feita com a nata do empresariado mundial apontou a mudança climática como um dos maiores desafios que pairam sobre o mundo, no século XXI. 

            Segundo o estudo “Aquecimento Global e a Ocorrência de Condições Climáticas Extremas”, que divulga pesquisas realizadas por cientistas ligados ao Fundo Mundial para a Natureza (WWF) e lançado no último dia 9 em todo o mundo, o aumento da temperatura do planeta vai provocar um número cada vez maior de desastres naturais, intensificando os problemas que vêm ocorrendo nos últimos anos.

            Relatórios de especialistas em evolução do clima divulgam prognósticos de que mantidos os padrões vigentes de emissão até o ano 2100, o aquecimento da Terra poderia subir entre 1 e 3,5 graus centígrados em relação aos valores registrados em 1990, acusando, no espaço de apenas 100 anos, um ritmo bastante superior ao mensurado ao longo do século XX.

            Em conseqüência, uma cadeia de eventos devastadores poderia ocorrer: elevação do nível dos mares, ameaçando regiões costeiras e grandes deltas; degelo das calotas polares; mudanças nos padrões pluviométricos; secas mais intensas; inundações mais brutais; aumento da desertificação; deslocamento de áreas agricultáveis e alteração nos índices de produtividade; maior incidência de determinados tipos de doenças, e outros.

            Há estudos mostrando que o aquecimento global que impede que o calor da Terra se propague no espaço, está elevando a temperatura e reduzindo a massa das geleiras da Antártida, do Hemisfério Norte e da Cordilheira dos Andes.

            Diante de prognósticos tão sombrios e do caráter global das mudanças climáticas, impõe-se a urgência de um esforço verdadeiramente coletivo para a efetiva adoção de medidas para controlar a emissão dos gases de efeito estufa e agiganta-se a importância das negociações que terão lugar em Haia, nos próximos dias. 

            São grandes as expectativas de que a CoP-6 consiga resultados que permitam a implementação dos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo, privilegiando os projetos e as tecnologias mais eficazes para permitir um desenvolvimento duradouro dos países mais pobres.

            As questões a serem discutidas são polêmicas. Estão em jogo argumentos técnicos e políticos.

            O Presidente Fernando Henrique Cardoso, no dia 9 deste mês, ao participar da primeira reunião do Fórum Nacional de Mudanças Climáticas, nesta capital, disse que o Brasil precisa avançar na discussão sobre incluir ou não florestas no MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) "e quais as conseqüências de (tomar) isso em consideração para o equilíbrio geral das responsabilidades entre Norte e Sul”. Ao que parece, ao final do encontro, triunfou, na posição brasileira, a noção discutível de que a utilização de florestas nativas no MDL resultaria numa renúncia da soberania do País sobre a Amazônia.

            As controvérsias são grandes. Questiona-se se a preservação manejada também não seria proveitosa para nosso País, sobretudo quando se pode obter investimentos com ela, mediante o comércio de carbono, a um preço estimado entre US$15 e US$25 a tonelada emitida.

            Srªs. e Srs. Senadores, muito ainda haveria a ser dito sobre esse tema tão atual e palpitante, mas certamente não faltarão oportunidades de fazê-lo, nas próximas semanas. Ao concluir meu pronunciamento, gostaria de manifestar minha esperança de que o encontro de Haia renda frutos palpáveis e efetivos para o controle das emissões de gases de efeito estufa na atmosfera terrestre.

            Às vésperas do Terceiro Milênio, amplia-se a consciência de que vivemos um tempo novo, que exige o exercício de uma “cidadania planetária”. Os países participantes da Sexta Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima, em Haia, têm a responsabilidade de velar para que as atividades realizadas em seus territórios não causem prejuízos ambientais que ultrapassem suas fronteiras. Só assim se poderá preservar o Planeta Terra e a vida das gerações futuras.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.

 

            


            Modelo15/18/242:13



Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/12/2000 - Página 24331