Discurso durante a 169ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre as propostas para o financiamento do reajuste do salário mínimo para valor próximo aos 100 dólares.

Autor
Wellington Roberto (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: José Wellington Roberto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA. POLITICA SALARIAL.:
  • Reflexão sobre as propostas para o financiamento do reajuste do salário mínimo para valor próximo aos 100 dólares.
Publicação
Publicação no DSF de 07/12/2000 - Página 24430
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA. POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, PROGRAMA, RENDA MINIMA, AUTORIA, EDUARDO SUPLICY, SENADOR, ELOGIO, PROPOSTA, ANTONIO CARLOS MAGALHÃES, PRESIDENTE, SENADO, CRIAÇÃO, FUNDO ESPECIAL, COMBATE, POBREZA, MISERIA.
  • CRITICA, PROPOSTA, EXTINÇÃO, ISENÇÃO FISCAL, IMPOSTO DE RENDA, TRIBUTAÇÃO, FUNDOS, PENSÃO PREVIDENCIARIA, OBJETIVO, FINANCIAMENTO, REAJUSTE, SALARIO MINIMO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. WELLINGTON ROBERTO (PMDB - PB) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em meio aos embates do Orçamento Geral da União, o País viu prosperar uma importante discussão a respeito da necessidade de aumento mais expressivo para o salário mínimo. O valor inicialmente proposto ao Orçamento era de 5% ou pouco mais. O clamor público o rejeitou e voltou-se a falar num valor mínimo de 100 dólares.

            O debate começou nesta Casa. Diversos Senadores se manifestaram a respeito, apresentando propostas concretas. Cito entre outros os Senadores Antonio Carlos Magalhães, Eduardo Suplicy e Pedro Simon, me penitenciando desde já pelas omissões.

            O Senador Suplicy é autor de proposta de renda mínima, que, se não erradica a miséria, ao menos poupa a vida de milhões de seres humanos despojados de tudo. O Senador Antonio Carlos Magalhães concebeu o Fundo de Erradicação da Pobreza.

            Não quero aqui analisar o mérito dessas propostas, mas apenas registrar que elas indicam que há um movimento, extremamente positivo, na elite dirigente deste País, no sentido de começar a atender às demandas sociais da população brasileira. E esse movimento originou-se aqui, no Senado. Em função dessa origem, o governo federal, que antes mostrava-se irredutível quanto a essas questões, postas sempre sob a rigidez de uma política monetária incontrastável, admitiu rever o Orçamento da União e reavaliar o salário mínimo.

            Até aí, porém, estamos ainda no plano das boas intenções. Semana passada, o presidente da República, em entrevista no exterior, declarou que aceita aumentar o mínimo, mas pediu aos políticos que indicassem as fontes de custeio.

            A partir daí, começaram a circular idéias, umas apócrifas, outras com autoria assumida. Uma delas sugeria retirar os recursos para o aumento do salário mínimo do Fundo de Erradicação da Pobreza. Do ponto de vista contábil, pode ser até uma boa idéia. Do ponto de vista moral, porém, não o é. Seria tirar dos miseráveis para dar aos pobres, algo assim como um Robin Hood às avessas.

            Outra proposta amplamente publicada pela mídia, mencionava a adoção de uma alíquota única ¾ uns dizem que seria de 10% outros de 7,7% ¾ para o Imposto de Renda e o fim das deduções fiscais, incluindo despesas com filhos, médicos e educação. Teria a idéia origem na própria Receita Federal, mais especificamente em seu Secretário Everardo Maciel.

            Sem desconhecer as qualificações do ilustre Secretário e sua vasta experiência no setor, confesso que me senti assustado com a proposta, que o jornalista Élio Gáspari classificou de “canibalismo fiscal”. E já que o citei sirvo-me de seus comentários para resumir os efeitos de tal proposta. Diz ele:

            “Noves fora a inconstitucionalidade, uma coisa dessas teria um efeito escandalosamente oposto. Cobraria mais de quem ganha menos. Estabeleceria um ponto neutro na faixa das pessoas que ganham entre R$ 2.500 e R$ 3.000 por mês. Acima daí, seria a farra geral.”

            E o jornalista dá dois exemplos extremos, calculados com uma alíquota de 7,7%:

            “No andar de baixo, quem ganha R$ 1.500 por mês, tem um dependente na escola privada e gasta R$ 200 no plano de saúde, paga hoje R$ 40 de Imposto de Renda. Unificada a alíquota e terminadas as deduções, esse mesmo sujeito pagará R$ 554.”

            “No andar de cima, o cidadão que ganha dez vezes mais, tem dois filhos na escola privada e paga R$ 500 de plano de saúde, paga hoje R$ 41.500. Pagará R$ 13 mil.”

            A conclusão do jornalista é a mesma do tributarista Ary Oswaldo Mattos Filho, publicada pelo Estado de S.Paulo no último dia 28. Diz o tributarista:

            “Com a alíquota única de 7,7%, quem ganha até R$ 900 hoje não paga Imposto de Renda e passa a pagar R$ 69,30. Quem ganha R$ 1.000 paga hoje R$ 15 e vai pagar R$ 77. Quem ganha R$ 10 mil paga R$ 2.225 e passará a pagar R$ 770”.

            Por aí se vê que a alíquota unificada do Imposto de Renda tira dos remediados para dar aos pobres, assim como o saque ao Fundo de Erradicação da Pobreza tiraria dos miseráveis para dar aos pobres.

            O Presidente da República, ao ser informado desses números, garantiu que não aprovaria nada que viesse a penalizar a classe média. E aí voltamos ao ponto de partida. Temos a intenção de aumentar o salário mínimo, mas não sabemos ainda como fazê-lo.

            A Folha de S. Paulo, em editorial do último dia 28, que a seguir lerei, admite mudanças no Imposto de Renda para custear o aumento do salário mínimo, mas questiona o fato de se pensar apenas nesse tributo. Propõe uma ampla reforma tributária.

            Leio o editorial por considerá-lo pertinente e bem a propósito da reflexão que esta Casa precisa fazer a respeito do desafio que nos propôs o Presidente, de indicar as fontes de custeio do mínimo.

            Abre aspas:

            “Há um ponto positivo na discussão sobre o valor que o salário mínimo terá a partir de maio próximo: em vez de ser feito na véspera da data de reajuste, o debate está sendo realizado com a discussão dom Orçamento de 2001.

            De declarações esparsas do presidente da República, mencionando estudos da Receita Federal, surgiu o que seria a forma de obter recursos para custear a elevação do mínimo para R$ 180: alterar o Imposto de Renda, acabando com as deduções dos gastos com saúde e educação; reduzir a faixa de alíquota zero de R$ 900 para R$ 500 mensais e adotar uma alíquota única.

            O problema é que a “proposta” tem por objetivo apenas elevar a arrecadação e facilitar a fiscalização, apresentando pontos contraditórios em termos de progressividade do IR, um princípio de justiça tributária consagrado na Constituição Federal.

            Em tese, o fim das deduções é desejável, pois elas são uma forma de regressividade ¾ ou seja, aqueles que ganham mais obtêm, por um mesmo gasto, maiores descontos. Os recursos isentados poderiam ser usados nos sistemas públicos de educação e saúde, em vez de subsidiar os privados. De resto, nas deduções reside um grande foco de sonegação.

            A redução do limite da alíquota nula para R$ 500, ainda raciocinando em tese, será válida porque esse é o valor aproximado da renda per capita brasileira. Como a progressividade tem por objetivo reduzir os efeitos da desigualdade de renda, é razoável que o limite de isenção do IR seja igual ao PIB per capita.

            Mas soa contraditória a adoção da alíquota única. Significaria reduzir a já precária progressividade do IR.

            De todo modo, seria casuísta atacar isoladamente o Imposto de Renda. Mais legítimo é fazê-lo dentro de um amplo projeto de reforma tributária. É lamentável que mais uma vez mudança nos impostos estejam sendo pretendidas para atender necessidades circunstanciais de recursos.

            Nesse contexto, reduzir a faixa de alíquota zero e terminar com as isenções é uma forma de punir a classe média assalariada, estrato social já sobrecarregado de IR.”

            Outra fonte de financiamento ao reajuste seriam os fundos de pensão. Defende-se que sejam taxados. Há porém respeitáveis argumentos em contrário. O jornal Estado de S.Paulo diz, em editorial, que “os fundos devem receber especial cuidado porque compram maciçamente títulos públicos, ajudando os governos a financiar gastos correntes e investimentos; porque aplicam maciçamente em ações e títulos de empresas, fortalecendo esse mercado e capitalizando as companhias; porque recebem pressões dos aposentados sobre os orçamentos públicos, pela complementação de suas rendas”.

            O pesquisador do Ipea, Francisco Eduardo Barreto de Oliveira, em artigo no mesmo jornal, publicado dia 30, sustenta esse mesmo ponto de vista. Afirma ele:

            “Tributar as aplicações dos fundos de pensão para cobrir o déficit adicional da Previdência oficial, em decorrência do aumento do salário mínimo para R$ 180, é como um agricultor que come grande parte das sementes em vez de plantá-las. Pode até ser que satisfaça sua fome de imediato, mas certamente a colheita futura será bastante menor”.

            E acrescenta:

            “O argumento de que os fundos de pensão são entes milionários com dinheiro sobrando e, portanto, deverão ser redirecionados para objetivos sociais é tão falacioso quanto antigo. Os recursos não estão sobrando: são os ativos dos fundos que garantem as futuras aposentadorias dos participantes. Observe-se ainda que, analisando a história da Previdência neste País, esse foi exatamente o argumento utilizado para depenar as reservas das caixas e dos institutos de aposentadoria e pensões, deixando-nos hoje à mercê do falido regime de repartição.”

            Como se vê, há muito o que debater, examinar, aprofundar, antes de decidir. E o tempo disponível é escasso.

            Outra proposta em circulação sugere que os recursos sejam buscados na cota do orçamento referente às emendas dos parlamentares. É uma boa idéia, muito embora esses recursos, que montam a R$ 1,6 bilhão, estejam bem aquém do necessário para o custeio do aumento pretendido.

            São essas, pois, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, as questões que achei por bem trazer ao debate e à reflexão desta Casa, que tem a responsabilidade de tê-las deflagrado e está sob a expectativa da Nação para que apresente soluções concretas. Apesar de todos os pesares louvo mais uma vez o empenho das classes dirigentes em dar prioridade à questão social, uma das dívidas morais mais antigas e proteladas da história deste País.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado.


            Modelo15/18/241:55



Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/12/2000 - Página 24430