Discurso durante a 169ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise de estatísticas do Banco Mundial e da Organização das Nações Unidas, que demonstram a inexistência de políticas públicas brasileiras eficientes no combate à pobreza e miséria.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Análise de estatísticas do Banco Mundial e da Organização das Nações Unidas, que demonstram a inexistência de políticas públicas brasileiras eficientes no combate à pobreza e miséria.
Publicação
Publicação no DSF de 07/12/2000 - Página 24433
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, ESTATISTICA, BANCO MUNDIAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), COMPROVAÇÃO, INEFICACIA, GOVERNO FEDERAL, INVESTIMENTO, POLITICA, COMBATE, POBREZA, MISERIA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, INICIATIVA, GOVERNO FEDERAL, INVESTIMENTO, POLITICA SOCIAL, REDUÇÃO, POBREZA, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, CRIAÇÃO, EMPREGO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o objeto de reflexão que me leva, hoje, a ocupar a tribuna do Senado Federal é a ausência de políticas públicas eficientes contra a pobreza e a miséria. As estatísticas do Banco Mundial e das Organizações Unidas apontam, ano após ano, o agravamento do quadro brasileiro no que diz respeito ao quesito das condições de vida das camadas populares do País. Segundo o último relatório divulgado pela ONU, as disparidades estruturais entre a minoria mais rica e a maioria mais pobre se acirram em nosso continente. A América Latina só não perde para a África no registro de vítimas crônicas da fome no planeta.

            O Brasil, conforme os dados do mesmo relatório, posiciona-se na última colocação entre os países da América Latina. Embora tivesse, de 89 a 98, apresentado razoável progresso quanto ao decréscimo do número de famélicos, seu desempenho constitui um vexame frente aos resultados aferidos na Argentina, no Chile e no Uruguai, que ainda são considerados tímidos diante dos índices dos países centrais. Por isso mesmo, a própria FAO - Fundo para a Agricultura e a Alimentação - recomenda o perdão da dívida dos países em desenvolvimento. 

            Não é à toa que se está, de fato, aumentando a consciência de que o crescimento do emprego e a melhora da distribuição de renda só podem ser alcançados com políticas públicas abrangentes que fechem o abismo entre os mais ricos e os mais pobres e incluam os excluídos. Para tanto, não somente a esfera do poder público, mas também a sociedade civil deve organizar-se e mobilizar-se, na efetivação de uma atitude mais igualitária e democrática frente ao drama da pobreza. Em vez de buscar a reclusão e a fuga, as classes mais favorecidas deveriam envolver-se com mais convicção nos programas filantrópicos espalhados pelo País.

            Com esse espírito, o pensador Olavo de Carvalho redigiu, outro dia, um artigo extremamente interessante sobre a indiferença criminosa da classe média urbana brasileira, quando deparada com o fenômeno da pobreza e da fome. Para ele, há sempre uma quebra brutal de ética quando um motorista das largas avenidas de nossas metrópoles resolve enxotar um flanelinha, como se fosse um cachorro. Nada justifica tal barbaridade, nem mesmo a pretexto de seguir aquele velho ditado que dizia que “ajudar os pobres individualmente é alienação burguesa”.

            A favor da caridade individual, Olavo de Carvalho considera repugnante o modo como a solidariedade humana se converteu, draconianamente, em atividade burocrática. Isso se explica sobretudo na maneira como a classe média e nossas elites preferem, atualmente, exercer sua filantropia por meio de organizações não-governamentais e dos órgãos públicos. O raciocínio radical do colunista chega ao ponto de formular a seguinte declaração: “Há quem neste País tenha nojo da corrupção oficial. Pois eu tenho é medo da caridade oficial”.

            Apesar dos exageros, Olavo de Carvalho pretende, no fundo, comover os brasileiros pelo avesso do senso comum de nossa tardia modernidade. Em vez de dinheiro, prega prioritariamente o respeito dos mais abastados em direção aos menos, aos miseráveis, aos excluídos. Trata-se de uma mudança de mentalidade cultural e moral em relação aos seres destituídos de posse, de qualquer posse. Antes de tudo, o tratamento desrespeitoso do cidadão comum em relação ao pobre é uma questão de preconceito social. Não por acaso, proliferam nos mares da Internet dezenas de sítios virtualmente eletrônicos, destinados a arrecadar dinheiro para a causa da fome e da miséria no mundo inteiro. E como se passasse a vigorar, ironicamente, o seguinte lema: “pobre bom é pobre longe, de preferência virtual, nas páginas irreais da Internet.”

            Acontece que o Brasil não se pode dar ao luxo de mergulhar numa discussão tão elitista como esta. Se, de um lado, somos todos convocados individualmente a resolver os dramas da pobreza daquele que está a nossa frente, de outro, não podemos deixar de cobrar do Estado medidas mais comprometedoras com a erradicação imediata da fome e da miséria. Na verdade, é o silêncio criminoso das autoridades públicas que estimula o surgimento de dezenas de organizações não-governamentais na arena social brasileira. A julgar pelo recrudescimento dos índices que já registram a faixa de quase 60 milhões de pobres no País, não nos sobra outra alternativa senão o emprego automático de todas as formas de erradicação da fome e da miséria, quer seja no plano individual, quer seja o plano coletivo. 

            Agora, não podemos descuidar-nos do campo político, pois é aqui que as iniciativas em larga escala são tomadas. Historicamente, nossas elites nunca permitiram uma maior intervenção do Estado no combate aos males sociais, inequivocadamente provocados pela vergonhosa desigualdade no processo de distribuição da renda nacional entre as camadas populacionais do Brasil. Da colonização à escravatura, da independência ao capitalismo tardio, a exclusão de largo contingente nacional dos benefícios da política econômica tem imprimido uma marca inexoravelmente fascista ao nosso modelo de convivência social.

            Às vésperas do novo milênio, o Brasil parece despertar para o problema, mediante o surgimento de uma saraivada de propostas que se destinam a encarar a questão da pobreza, da fome, da exclusão e da distribuição de renda. Isto é, está sendo derrotado politicamente o projeto historicamente conservador que prega, hipocritamente, o enfoque governamental nas políticas sociais, mas, na realidade, pratica a desorganização da economia, do Estado e dos direitos trabalhistas e sociais, a pretexto da liberal eficiência. Como bem alertou uma eminente economista, do crédito à seguridade social, das políticas públicas correntes às reformas sociais, o que se necessita é dilatar os horizontes das políticas e democratizá-las e não criar de forma acintosa cidadãos de segunda classe, ou excluídos permanentes.

            Sem dúvida, como bem percebeu o perspicaz Frei Betto em recente artigo: “O Brasil merece perder o título de campeão mundial de desigualdade social” . Na verdade, vozes do mundo inteiro convergem para algo que já deveria ter sido há muito tempo lugar-comum. O renomado economista norte-americano Rudiger Dornbusch afirmou recentemente que, nos Estados Unidos, a nova economia não aboliu a pobreza em meio à riqueza. No entanto, em que pese o fato de que os ricos estejam-se tornando mais ricos, muito mais, os grupos de baixa renda também vêm ganhando terreno. Seu avanço, contudo, é decepcionante quando comparado à economia como um todo. E ainda mais decepcionante quando comparado à situação dos 20% - ou mesmo dos 40% - mais ricos entre os americanos.

            Segundo ainda Dornbusch, cada vez mais americanos estão começando a identificar como a principal causa da desigualdade em seu país a educação, e não o sistema econômico. Pode ser que tenham razão. Mas escolas de má qualidade não são conseqüência de orçamentos educacionais insuficientes. Elas refletem uma incapacidade de alcançar resultados por meio de projetos pedagógicos.

            No Brasil, o colunista Vinícius Torres Freire, da Folha de S.Paulo, publicou arguto artigo em que discerne quais são as causas da falha de nossas políticas públicas direcionadas ao domínio social. Aproveitando a carona das recentes discussões sobre elevação do salário mínimo, argumenta que, em primeiro lugar, entre os aposentados que recebem o salário mínimo da Previdência, uns 10 milhões, dois terços são de gente do campo. Mas os 20% mais pobres do campo são os que menos têm idosos e aposentados na família.

            Em seguida, dispara que, se, na área rural, o dinheiro do aumento das pensões da Previdência fosse gasto em programas tipo bolsa-escola, haveria menos fome e menos crianças sem instrução. Na seqüência, alerta que, sim, o salário mínimo reduz a pobreza, pois, na verdade, a aposentadoria rural passou a pagar o mínimo aos agricultores pobres, graças à Constituição de 88. De resto, quando o mínimo aumenta, cresce a renda mesmo a dos sem-carteira de trabalho, os mais pobres entre os que trabalham no Brasil.

            Como penúltimo ponto, recorda que quem ganha até dois salários mínimos gasta 28% de seu dinheiro em impostos. Quem ganha mais de 30 mínimos contribui com 18%. Daí se infere que a renda do capital paga menos imposto que renda do trabalho. Nessa linha, passariam menos fome se essas relações fossem corrigidas. Para concluir, considere-se que centenas de municípios miseráveis e inviáveis foram criados na última década, com o único objetivo de pegar dinheiro do Fundo de Participação dos Municípios. O tal Fundo e a Previdência são a maior fonte de renda de muita cidade do Norte-Nordeste. Mas, como já se apurou, o dinheiro do fundo acaba na mão dos menos pobres dos lugares pobres.

            Ora, diante do exposto, algo bem transparente parece brilhar em nossas consciências contemporâneas: a solução para o problema da exclusão depende menos de forças externas do que da própria capacidade brasileira de assumir a face trágica do fenômeno. Do Estado deve-se exigir políticas públicas verdadeiramente honestas e eficazes no combate às mazelas estruturais de nossa secular desigualdade de renda. Da sociedade e dos indivíduos pertencentes às camadas mais favorecidas, esperam-se atitudes e ações humanamente mais fraternas, solidárias e respeitosas diante da fragilidade dos menos assistidos.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado.


            Modelo15/24/247:37



Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/12/2000 - Página 24433