Discurso durante a 170ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao centenário de nascimento do ex-deputado e ex-senador Gustavo Capanema.

Autor
Francelino Pereira (PFL - Partido da Frente Liberal/MG)
Nome completo: Francelino Pereira dos Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao centenário de nascimento do ex-deputado e ex-senador Gustavo Capanema.
Publicação
Publicação no DSF de 08/12/2000 - Página 24459
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, GUSTAVO CAPANEMA, EX-DEPUTADO, EX SENADOR, ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, POLITICA, PAIS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL - MG. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Senador Antonio Carlos Magalhães, Srªs e Srs. Senadores, Sr. Senador Murilo Badaró, que aqui representa o Governador do nosso Estado, Itamar Franco, Srs. Deputados, Srª e Srs. Senadores, aceitem, desde logo, a emoção do meu abraço, meus caros Gustavo Afonso Capanema Filho e sua esposa, Ana Luiza de Castro Capanema, filho e nora do grande e saudoso político, intelectual e humanista Gustavo Capanema. A emoção do meu abraço aos netos de Gustavo Capanema: Gustavo Capanema Júnior, Eduardo de Castro Capanema, Luciana de Castro Capanema e Pio Capanema Guerra. O meu abraço de amor e carinho a Maria Massot Capanema, companheira de todos os instantes de Gustavo Capanema, à filha do casal, Maria da Glória Capanema, e à neta Maria Eduarda Capanema Guerra Galvão. As duas permanecem ao lado de Maria Massot Capanema, no Rio de Janeiro, a quem o Senado da República envia os melhores votos de plena saúde, paz e felicidade. E agora, com a mesma emoção, o meu abraço de afeto, admiração e respeito a Gustavo Afonso Capanema Filho, que desde julho deste ano participa amorosamente das homenagens que o povo e as mais expressivas personalidades e instituições brasileiras vêm prestando à memória de seu saudoso pai, Gustavo Capanema, no centenário do seu nascimento. É, sem dúvida nenhuma, o administrador da glória de Gustavo Capanema. Nenhum filho o excede no amor e na admiração ao pai.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ele veio de Onça, a Onça do Pitangui. A casa pequenina, uma porta de entrada e cinco janelas. Onça era um distrito de Pitangui, que comecei a visitar ainda nos anos 50 e sempre fui vê-la depois, já emancipada, a cidade de Onça do Pitangui, seu nome atual. Seus mineradores e seus bandeirantes desciam o rio à cata de diamantes e fizeram fortunas. Conheço ambas as cidades em sua inteireza, suas ruas, suas praças, seus prédios públicos, suas escolas, seu fastígio e as oscilações da economia da região, seus espaços urbanos, rurais e humanos. Sempre convivi com o seu povo, os seus líderes, os seus prefeitos, os seus vereadores, homens e mulheres que conservam o orgulho de nascer e viver em Onça e em Pitangui.

            Ajudei-os no Governo de Minas. Sempre os representei na Câmara dos Deputados e no Senado da República. Eles são fortes, tenazes e vencedores. Não se abatem jamais. Mas a glória maior que eu desejava, desde quando fiz de Minas a minha terra, era conhecer o chão, o ponto de partida, a casa pequenina, de uma porta de entrada, cinco janelas, onde nasceu, lá no Onça, Gustavo Capanema. A glória maior foi conhecer a pátria de Capanema, que hoje se constitui das cidades de Onça do Pitangui e Pitangui. Logo fui a Pitangui e sempre volto lá para ver o retrato da parede - mas como dói! - de Gustavo Capanema, professor da Escola Normal, Vereador e Presidente da Câmara Municipal e advogado militante.

            Quando nasceu, na cama pequenina, ninguém imaginava o seu destino. Nascer, viver e morrer na Onça e em Pitangui é uma glória. Mas a glória suprema foi, por esses enlevos da vida, amar Maria Massot Capanema, que viera do Rio Grande do Sul, de Porto Alegre, para fazer a felicidade de um casal elegante. Ela, um esplendor de pessoa, filha de Maria Bonita, ela também bonita como mais ninguém. Ele, o porte, ao mesmo tempo formal, ameno e elegante.

            Ao voltar de Belo Horizonte, onde se formou advogado na minha Faculdade de Direito de Minas Gerais e conviveu, inclusive, no Bar do Ponto, na Rua da Bahia, com os jovens intelectuais, jornalistas e escritores brasileiros, do porte de Carlos Drummond de Andrade, Abgar Renault, Dario de Almeida Magalhães, João Alphonsus, Alberto Campos, Mário Casasanta, todos os chamados vintanistas, ou seja, da geração dos anos 20, Capanema já era outro. Onça e Pitangui logo perceberam. A notícia correu e, quando menos se esperava, Capanema chegava ao Palácio da Liberdade, integrando o Governo de Olegário Maciel, a quem sucederia interinamente.

            Todo homem público deseja governar o seu Estado. Quem não deseja a honra, o desafio e a história de governar Minas? O Palácio da Liberdade simboliza o destino dos homens. Eu também o desejava e cheguei lá, desempenhando um dos melhores governos de Minas, no julgamento dos mineiros. A voz de Capanema sempre ressoou em meu pensamento. Militante do meu destino, estou aqui, na tribuna que Gustavo Capanema tanto honrou, com o dever de também honrá-la.

            Ah, não vou deixar de dizer. Cheguei a Minas em 1944, em plena ditadura Vargas. Na rua da Bahia, à porta do Grande Hotel, onde se hospedavam os grandes homens públicos de Minas, inclusive Gustavo Capanema e Virgílio de Melo Franco, enfrentamos a cavalaria montada, que protegia a ditadura e queria, de todas as formas, que o interventor então nomeado, Noraldino Lima, assumisse o governo do Estado. O Manifesto dos Mineiros era nossa bandeira. E não desejávamos ver de perto ninguém do Governo Vargas, embalados pela pregação de Milton Campos, Pedro Aleixo, Alberto Deodato e, no Rio, Carlos Lacerda, este a voz mais candente da rebelião libertária. Aos poucos, sobretudo depois da queda de Getúlio, o nome sempre lembrado entre os mineiros ilustres era o de Gustavo Capanema. Solidário a Vargas, não se envolvia nos acontecimentos dramáticos e até sangrentos da ditadura, mas se utilizava dos poderes de que dispunha no regime de exceção e do apoio que sempre recebeu do Presidente Vargas para promover a revolução cultural no País. Atraiu jovens artistas que, anos depois, se transformariam em gênios da arquitetura, da pintura, da escultura e do urbanismo, como Niemeyer, Portinari, Lúcio Costa, Bruno Giorgio, Burle Marx, Celso Antônio e muitos outros.

            Sem o Palácio da Cultura, sede do Ministério da Educação e Saúde, vanguarda da moderna arquitetura mundial, riscado por Le Corbusier e construído pela pertinácia de Gustavo Capanema, não haveria, anos depois, o conjunto da Pampulha, o novo cartão postal de Belo Horizonte dos tempos de JK, e hoje, para falar “drumonianamente”, o nosso destroçado amor; não haveria Brasília e talvez não existissem as grandes obras de Niemeyer, que engrandecem muitas cidades do mundo. Mas Capanema foi além. Mobilizou o mineiro Rodrigo de Melo Franco Andrade, a quem deu a incumbência de elaborar o projeto de criação do Serviço do Patrimônio Histórico Nacional, salvando da degradação, do abandono e da destruição as cidades históricas do País, a começar pela nossa Ouro Preto, de onde saíram os libertadores do Brasil. Não há, Sr. Presidente, tempo suficiente para descrever, mesmo sucintamente, a história de vida de Gustavo Capanema. Porém, tive a honra de ter tido com ele uma longa convivência. Não posso deixar de priorizar, nestas minhas palavras, alguns episódios em que nos envolvemos.

            Ao aproximar-se a convenção partidária para a indicação dos candidatos a Governador de Minas, senadores e deputados federais e estaduais, em 1978, vim a Brasília. A agenda era uma só. No apartamento de Gustavo Capanema, lembrei-lhe que a idéia da eleição de senador pelo processo indireto fundara-se no exemplo de sua vida pública, dos líderes qualificados pela cultura, pela honradez e pela elevação da personalidade. Capanema, chamando-me sempre de Governador, observou que, em um século, apenas 25 mineiros, e eu um deles, alcançaram o Governo de Minas, no Palácio da Liberdade. “Lá estive interinamente - disse-me -, por designação do Presidente Getúlio Vargas, e procurei honrar o nosso Estado”.

            Formal e amavelmente, fiz-lhe o convite para candidatar-se a Senador por Minas Gerais. Um instante de silêncio e um cafezinho de Pitangui. “Agradeço-lhe, meu estimado Governador, mas não posso aceitar. Aceitaria, sim, com muita honra, se, daqui a oito anos eu tivesse a idade de hoje”. Não tive como insistir. Outro cafezinho, ao gosto dos mineiros, e, com extrema amabilidade, abraçamo-nos já à porta do elevador, eu, de volta a Minas, na expectativa de disputar, entre os candidatos inscritos, a indicação à convenção partidária. Gustavo Capanema aceitou, no início do meu Governo, o cargo de conselheiro do Banco de Crédito Real de Minas Gerais. Desempenhou suas funções com assiduidade e elevado espírito público, como sempre.

            Enquanto Governador de Minas, mas também antes e depois, com menor freqüência, visitava, no Rio de Janeiro, a casa de Afonso Arinos de Melo Franco e de Anah, sua esposa, na rua dona Mariana, no Botafogo. Foi sempre a casa das oposições, onde se conservava o doce hábito de conversar entre amigos e livros à mancheia. As inspirações vinham de Minas, de sua história apaixonante, do Império à República, mas o tema principal eram o Brasil e os feitos históricos pelos quais todos nós, de Minas Gerais, passamos com enlevo e profunda emoção. A leitura dos livros que Afonso desfolhava, aos meus olhos e aos olhos de Anah, era a fonte das nossas inspirações, chegando às vezes às madrugadas. Algumas vezes também participavam desses encontros seus dois filhos, meus amigos Afonso Arinos Filho, hoje membro da Academia Brasileira de Letras, e Francisco de Melo Franco, que também integra o porte e a cultura da família que tão bem se identifica com o sentimento de Minas e do Brasil. Uma das figuras mineiras que surgiam em nossas conversas era, quase sempre, Gustavo Capanema, que, ao longo de sua participação no Governo Getúlio Vargas, amainou, perante o País, o arbítrio da ditadura Vargas, contra a qual lutamos, inclusive na praça pública, desde os bancos acadêmicos em Belo Horizonte.

            As visitas ao apartamento de Gustavo Capanema, na rua Almirante Tamandaré, 22, no Rio de Janeiro, eram sempre marcadas pela emoção. Capanema já estava com a saúde abalada. Numa dessas visitas, eu já Governador de Minas, sobre a mesa mais de duas centenas de notas manuscritas, por certo extraídas de suas leituras, a mim exibidas amavelmente por Maria Capanema, sua companheira, sempre dedicada ao destino do grande homem público que Minas dera ao Brasil. A idéia da publicação, em livro, dessas notas nasceu desse nosso diálogo.

            Lembrei-me logo de que Abgar Renault, um dos primeiros amigos de Capanema, ainda no Bar do Ponto, em Belo Horizonte, na rua da Bahia, fora o autor do prefácio de Compromisso Democrático, obra depositária da doutrina e do ideário do ex-Governador de Minas, Milton Campos, que será logo mais publicado por esta Casa, na coleção dos Grandes Vultos do Senado da República. Levei as notas manuscritas e, pessoalmente, convidei o mestre Abgar Renault para selecioná-las visando à sua publicação. Pedi a Abgar que preparasse o prefácio, que imaginava seria mais uma página da sua lucidez e de seu talento. O livro, sob o título Pensamentos, que neste instante exibo, é sempre lido com enlevo por todos aqueles que conhecem a história de vida de Gustavo Capanema.

            Devo lembrar que a primeira seleção desses textos foi feita ainda no Rio de Janeiro pela filha Maria da Glória e pela sobrinha Maria José Capanema, nossas amigas, quando acertamos que cada pensamento teria um título, tal como foi publicado.

            A dor maior, Sr. Presidente, para não esquecer jamais, foi a de vê-lo sentado na cama, com a nossa ajuda, o livro, ainda em edição experimental, de iniciativa da imprensa oficial de Minas Gerais, entre as mãos trêmulas, a caneta também trêmula, uma comovente dedicatória em letras cambaleantes. As lágrimas na face sofrida. Por um instante, veio-me à memória o retrato de Capanema, rosto fino, calvície incipiente, na sala de recepção da Escola Normal de sua cidade natal, Pitangui, onde iniciou sua vida política, como vereador, e profissional, como professor e advogado.

            Mas o Gustavo Capanema daquele inesquecível e dolorido instante de despedida parecia, sublimado, emergir de um quadro de Portinari, seu amigo devotado desde os tempos do Palácio da Cultura, hoje Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro, por decreto do Presidente José Sarney e do seu Ministro da Educação, Marco Maciel.

            O tempo dos homens públicos é nenhum. Há o tempo de ler nos sonhos da juventude e o tempo de ler no silêncio do ostracismo. Capanema usou os dois. No poder ou no Parlamento, em plena atividade, o tempo de ler e de estudar em profundidade é quase nenhum. As nossas atividades são extremamente absorventes. A prioridade é corresponder, no exercício da vida pública, aos anseios e às inconformidades do povo livre mas desassistido. O desafio da democracia não nos perdoa a deserção, a indiferença, a apatia, nem mesmo a neutralidade diante dos problemas do povo. Ninguém pode ficar indiferente ou neutro, sobretudo diante da pobreza e da miséria que ainda hoje infestam este País.

            Mas, no ostracismo, Capanema leu muito para suportar o silêncio reinante. Estudou muito e ficou ainda mais sereno, a dignidade em pessoa. Gustavo Capanema, desde Onça, a sua pequena Onça do Pitangui, no Governo de Minas, no Ministério da Educação e Saúde, no Congresso Nacional, nos fóruns internacionais, sem jamais esquecer a Minas do seu amor e de sua identidade cultural, foi, a um só tempo, o intelectual, o humanista e o político de renome. E não há como ler sem vocação e sem aprendizado. Ler apenas, tão-somente, para deleite. Há os que lêem prazerosamente. Melhor mesmo é ler para viver, como se expressa Gustave Flaubert, em carta a Mademoiselle de Chantepie, em junho de 1857. E para viver intensamente, mergulhado no saber, é preciso escrever.

            Tanto mais que o desejo de ler, como dizia Virgínia Woolf, em Sir Thomas Browne, é capaz de análise. E como está no livro Uma História da Leitura, de Alberto Mangel, “o ato de ler pressupõe e simultaneamente cria uma liberdade”. A liberdade de Gustavo Capanema, que ele exerceu plenamente na democracia, e, com sabedoria, na ditadura, veio da leitura, do entendimento, da lucidez e da coragem de sua vida moral e intelectual. Escreveu pouco, mas, no plano intelectual e das obras culturais, tornou-se imortal, por todo o infinito.

            As eleições proporcionais de 1962, em meu Estado, trouxeram, mais uma vez, grande polêmica, com repercussão em todo o País. Um só candidato, Sebastião Paes de Almeida, obteve votação suficiente para eleger vários parlamentares em sua legenda, inclusive Gustavo Capanema, homem público de formação cultural e humana, conhecido e respeitado em todo o País. Sabia-se que Sebastião Paes de Almeida estava preparando a sua candidatura ao Governo de Minas em 1965. O momento, em plena Revolução de 64, era de combate tenaz à corrupção.

            Os nomes de Sebastião Paes de Almeida e de Gustavo Capanema refletiam situações opostas. O primeiro dispondo de largos recursos financeiros, e o segundo enfrentando as agruras da pobreza, desde a sua juventude em Pitangui, em Minas. Mas exercendo a vida pública com grande destaque nos Poderes Executivo e Legislativo. Capanema nasceu pobre e morreu pobre. A candidatura de Sebastião, registrada na Justiça Eleitoral de Minas, foi submetida ao Tribunal Superior Eleitoral. Ele era uma figura incômoda. Estávamos ali perto do TSE, na Esplanada dos Ministérios. A tudo assistimos. Afinal, acreditávamos - talvez, ingenuamente, eu também acreditasse - que o provimento do recurso faria desaparecer da face da terra brasileira a corrupção nas campanhas eleitorais, das quais participo desde a campanha de Milton Campos ao Governo de Minas, em 1946, até os dias de hoje.

            No TSE, avultava a figura de Nelson Hungria, que fora Ministro do Supremo Tribunal Federal, criminalista famoso, ali desempenhando a penosa tarefa de defender o seu constituinte. A dramaticidade do silêncio resultava também da presença de Hungria, que, a nosso ver, não se podia confundir com a figura de Paes de Almeida. Lembramo-nos bem: as mãos alçadas, o porte heráldico, a respeitabilidade de seu nome impunham aos presentes, defensores e acusadores, um clima de ansiedade e de tragédia.

            Demonstrou na tribuna que Paes de Almeida apenas colaborara com algumas entidades de filantropia, não mais do que doze entidades ou Municípios. Hungria argumentava: “Minas tem, hoje, mais de setecentos Municípios. Ora, senhores, como poderia meu cliente ser acusado de corrupção se apenas ajudara poucas cidades? Minas não é uma só, são muitas, como dizia Guimarães Rosa”, lembrado por Nelson Hungria. E levantando os braços e a voz, mais ainda, proferiu a frase que ficou no imaginário de Minas e dos mineiros: “Dizem que o mundo é grande, mas Minas é muito mais.” Nada mais precisaria ser dito. Inviabilizada a candidatura de Paes de Almeida, a convenção partidária indicou Israel Pinheiro, filho de João Pinheiro, presidente de Minas, que presidira a Companhia Vale do Rio Doce e construíra Brasília, e pai de Israel Pinheiro Filho, homem de espírito público que cultiva a história de Minas e honrou o meu Governo. Israel Pinheiro realizou um governo de conciliação política, moldado nas normas de convivência e de reputação moral na vida pública. Capanema foi o grande defensor da candidatura de Israel Pinheiro, que, a seu exemplo, ajustava-se à tradição republicana de Minas Gerais. Capanema a tudo acompanhou ao meu lado, como meu consultor e conselheiro.

            Uma lembrança que se eterniza: em 1962, Brasília era bem menos do que é hoje. Tinha apenas dois anos. Chegamos à nova Capital. Muitos de nós, pela primeira vez. Inclusive este orador. O Hotel Nacional, movimentadíssimo. Lá nos hospedamos, vários parlamentares e suas famílias. Entre outros, Gustavo Capanema, sua esposa, Maria Massot Capanema, e a filha, Maria da Glória. Do Nordeste, o novo parlamentar, José Carlos Guerra, do Recife. A confraternização vivencial acontecia ali e nos aproximou. De um momento para outro, o namoro de Maria da Glória, de origem mineira, com o homem público do Recife, José Carlos Guerra, meu amigo, cujo filho Pio está aqui entre nós. A mãe, Maria Capanema, e sua filha, Maria da Glória, dois sonhos de pessoas, encantadoras e belas. Dessa convivência, sob os céus do Planalto Central, desenvolveu-se e aprofundou-se nossa amizade, minha e de Capanema. Hoje, está aqui, no meio de nós, não a Maria da Glória, que permanece em Brasília, ao lado de sua mãe, mas Pio Capanema Guerra, economista e empresário, o primeiro filho, que representa o pai, nosso bom amigo desde os tempos do Hotel Nacional, José Carlos Guerra. Da família apenas não comparece Maria Eduarda Capanema Galvão, advogada, que é casada com o cirurgião plástico de renome, Mário Galvão.

            Corria o ano de 1968, dolorosamente gravado na memória de todos nós. Era o segundo dos meus quatro mandatos na Câmara dos Deputados. Ao meu lado, já exercendo o sexto mandato de Deputado Federal, aos sessenta e oito anos, Gustavo Capanema, que se tornara nosso amigo e, quase sempre, nosso confidente.

            A sua experiência na vida pública, iniciada trinta e oito anos antes, era referência nacional. Os parlamentares, sobretudo os mais jovens, buscavam em Capanema orientação e conselhos para as grandes questões nacionais e para os debates no plenário e nas comissões. A Comissão de Constituição e Justiça tornara-se, naquele ano, o cenário das grandes controvérsias. A maior delas decorreu do pedido de concessão de licença para o Supremo Tribunal Federal processar o jovem deputado e também jornalista Márcio Moreira Alves, hoje um dos melhores textos do jornalismo político.

            Lá estávamos, atentos a todos os lances do grave episódio que envolveu a opinião pública e a mídia nacional, com repercussão no exterior. O discurso proferido por Marcito desagradou a ordem vigente. Presidia a Comissão de Justiça o bravo parlamentar Djalma Marinho, empenhado, em todos os instantes do seu mandato, em preservar a legalidade democrática. No auge dos debates, a frase famosa: “Ao rei tudo, menos a honra”. Nossos nomes fervilhavam no noticiário, em todos os recantos do País. O apelo, candente, para que o povo dissesse não ao Governo.

            Na Comissão de Justiça, entre os debates, um telefonema do Presidente Costa e Silva, do Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, de onde comandava os entendimentos para a concessão da licença. A questão era de vida ou morte. Vários parlamentares foram chamados ao Rio. Lembrei-me logo do mestre Gustavo Capanema. E, como não poderia deixar de ser, fomos, já aconselhados por Capanema, ao encontro do Presidente do nosso Partido, o destemido Senador Daniel Krieger: “Não, não faltem ao convite do Presidente Costa e Silva. Eu também participo das mesmas preocupações. Mas nenhum de nós pode faltar ao chamado do Presidente do nosso País”.

            No Rio, a caminho do Palácio das Laranjeiras, no Palácio do Itamaraty, conversamos com o Ministro das Relações Exteriores, Magalhães Pinto. “Sua posição é histórica”, disse-me ele. Minutos depois, encontramo-nos no Palácio das Laranjeiras. Apenas um leve cumprimento. Logo, na ante-sala do gabinete presidencial, cumprimentamos o nosso Presidente, Djalma Marinho. Em seguida, frente a frente com o Presidente, a conversa objetiva e cavalheiresca. Costa e Silva afirmou: “O Deputado Gustavo Capanema, na manhã de hoje, disse-me que o pedido de licença do Supremo é inconstitucional. Mas quero ver o outro lado do papel, e necessito de seu apoio”. “Não, Presidente”, respondi-lhe, “não tenho como mudar o voto. A Nação o conhece pelo intenso noticiário. Conto com a solidariedade de Minas”.

            “Mas” - acrescentou o Presidente - “o Líder da maioria, Deputado Geraldo Freire, também mineiro, comunicou-me hoje que dispõe de maioria para conceder a licença. Não, Presidente. O nosso Líder, Geraldo Freire, é um dos homens públicos mais recatados da Câmara dos Deputado. Mas nós, que temos posição diversa, percebemos claramente a inviabilidade da aprovação da licença.

            Presidente, o Deputado Djalma Marinho vai falar-lhe em seguida; permita-me sugerir que a votação seja transferida para a próxima sessão legislativa que se avizinha. Passaríamos, Presidente, um Natal em paz. Djalma Marinho volta a Brasília com a missão de viabilizar a fórmula sugerida. Porém, aqui chegando, o quadro era outro. O Ministro da Justiça, Gama e Silva, assumira o confronto.

            De todos esses entendimentos, demos notícia às principais lideranças, especialmente a Gustavo Capanema e a Daniel Krieger. E Capanema, anos depois, dizia-me que - para citar apenas dois mineiros - Aureliano Chaves, então Vice-Presidente da República, e Francelino Pereira, já designado Governador de Minas, defenderam a inviabilidade do mandato parlamentar.

            A Câmara, em noite tensa, nega a licença. O resultado, a História registra. Conforta-me, Sr. Presidente, ter participado, já no Governo Geisel, na Presidência Nacional do Partido, ao lado de Petrônio Portella e Marco Maciel, do processo de distensão política que resultou na revogação da legislação de exceção e da retomada da democracia em nosso País. Nossa convivência com Gustavo Capanema, nos bons e nos maus momentos, na alegria e na tristeza, foi longa e proveitosa. Foi um conselheiro no momento mais difícil da minha vida.

            Vale lembrar aqui, Sr. Presidente, para terminar, a primorosa biografia de autoria do Senador Murilo Badaró, por nós escolhido para esta Casa, em convenção partidária, em face da não aceitação do glorioso homem de Minas Gerais, Gustavo Capanema. É com as palavras finais do saudoso Capanema, inscritas em seu livro Pensamentos, por nós editado, resumo de toda uma longa existência, humilde, mas altiva, a serviço da democracia, da política, da cultura e do humanismo, que encerro meu discurso: “Na carreira política, o que mais importa não são as alturas alcançadas, mas o caminho percorrido. Nesta regra se reflete a palavra de Jesus Cristo: ‘Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida’.”

            Muito obrigado. (Palmas)

 

            


            Modelo15/5/244:03



Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/12/2000 - Página 24459