Discurso durante a 170ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao centenário de nascimento do ex-deputado e ex-senador Gustavo Capanema.

Autor
José Alencar (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MG)
Nome completo: José Alencar Gomes da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao centenário de nascimento do ex-deputado e ex-senador Gustavo Capanema.
Aparteantes
Lúcio Alcântara.
Publicação
Publicação no DSF de 08/12/2000 - Página 24464
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, GUSTAVO CAPANEMA, EX-DEPUTADO, EX SENADOR, ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, POLITICA, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), PAIS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. JOSÉ ALENCAR (PMDB - MG. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente; Srªs e Srs. Senadores; ilustre Dr. Gustavo Afonso Capanema Filho; Exmª Srª Ana Luíza de Castro Capanema, em nome do casal, quero cumprimentar a todos os ilustres familiares de nosso homenageado; caríssimo e eminente amigo, Senador Murilo Badaró, autor de uma das mais ricas biografias de Gustavo Capanema, aqui presente e representando a Academia Mineira de Letras e S. Exª o Governador Itamar Franco; meus caros amigos - filhos do Presidente Vivaldi Moreira - Pedro Moreira, que está aqui presente, e também José Maria Moreira, Diretor-Geral da Imprensa Oficial de Minas Gerais; demais autoridades que participam desta sessão.

            O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB - CE) - Permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. JOSÉ ALENCAR (PMDB - MG) - Ouço V. Exª com prazer.

            O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB - CE) - Senador José Alencar, por favor, não tome como impertinente o meu aparte. Nos termos do Regimento, uma vez que estou inscrito para falar, levando em conta a demora do início da sessão e o fato de que tenho que me ausentar para tomar o avião, gostaria de pedir que o discurso que eu leria fosse transcrito nos Anais da Casa. No entanto, não posso deixar de dizer que tive a oportunidade de fazer um discurso de homenagem a Gustavo Capanema em sessão solene realizada no prédio do Ministério da Educação, que ele mandou construir. Falei como membro do Conselho Deliberativo do Iphan, também obra de Capanema. Ali tive o ensejo de traçar justamente o perfil desse grande político, desse grande brasileiro. A manhã é de Minas, mas não deve ser só de Minas. O legado e as realizações de Capanema são muito grandes, tornando-o patrimônio do Brasil. Então, por mais que os mineiros se orgulhem desse nome, era preciso que alguém mais, além de Minas, também se manifestasse aqui neste momento. Eu iria me ater, no meu pronunciamento, ao Capanema político, ao Capanema Deputado, ao Capanema Senador. Eu iria fazer uma referência especial a um grande discurso, a um dos maiores discursos parlamentares que ele teve oportunidade de fazer, que foi aquele proferido justamente por ocasião da morte do Presidente Getúlio Vargas. O discurso é grande não só no conteúdo, mas, sobretudo, na forma como ele se colocou naquele momento de grande agitação, de grande inquietação popular. Por último, para não prejudicar o discurso de V. Exª, que me cedeu, com muita lhaneza, esse pequeno tempo, eu só queria ler, entre os aforismos, as máximas, de Gustavo Capanema - a que se referiu o Senador Francelino Pereira, modesto, que publicou, quando Governador de Minas, esse livro -, o trecho que trata do que Capanema chamou de técnica política: “A regra da técnica política é não ter regra. Tal processo convirá num caso, não servirá noutro caso. A audácia, por exemplo. Nem sempre a sorte ajuda os audaciosos. A audácia, não raro, os desaponta, muitas vezes os perde, em muitas situações, porém, é o processo que conduz à vitória”. Capanema foi um audacioso, tendo sido um homem comedido, um homem prudente. É curioso assinalar que, quando o Presidente Vargas assumiu o poder no Brasil, antes de Capanema houve três Ministros da Educação, em pouco tempo: Francisco Campos, Washington Pires e Belisário Penna. E Capanema, que sucedeu a esses três, ficou até o fim do período Vargas como um dos Ministros que realizou uma das obras de que todos nós, brasileiros, devemos nos orgulhar. Muito obrigado pela gentileza de V. Exª. Só assim me permitiu dar esta modesta participação nesta homenagem que se presta hoje a um grande homem, que conheci no fim da vida. Meu pai era Senador. Eventualmente, eu vinha a Brasília e, de longe, tinha oportunidade de admirar aquela grande figura que Minas Gerais deu ao Brasil. Muito obrigado. (Palmas)

            O SR. JOSÉ ALENCAR (PMDB - MG) - Eminente Senador Lúcio Alcântara, é tão grande o apreço que nós todos desta Casa temos para com V. Exª, e considerando o enriquecimento que V. Exª, eminente Senador do Estado do Ceará, traria a esta sessão solene de homenagem a Gustavo Capanema, que me permito abrir mão do meu tempo, convidando-o para ocupar a tribuna e proferir seu discurso, que irá, sem dúvida alguma, trazer à solenidade aquilo de que ela mais precisa, que é a voz do Ceará e do Senador Lúcio Alcântara.

            O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB - CE) - Muito obrigado, Senador José Alencar, mas declino do convite pelo fato de ter de cumprir compromissos inadiáveis.

            O SR. JOSÉ ALENCAR (PMDB - MG) - Então, o aparte de V. Exª fica incorporado ao meu pronunciamento. Nós, mineiros, levamos a V. Exª o nosso abraço de agradecimento pela belíssima intervenção.

            Excelentíssimas autoridades e Srs. Deputados aqui presentes, Srªs e Srs. Senadores, minhas senhoras e meus senhores, tenho plena consciência do privilégio e da responsabilidade que me estão sendo conferidos nesta sessão magna do Senado dedicada a exaltar a memória de Gustavo Capanema.

            Esse digno compatriota marcou, com brilho incomum, a sua altamente significativa passagem pela vida pública. Capanema foi, sem sombra de dúvida, um dos vultos mais representativos da inteligência brasileira. No centenário de seu nascimento, não poderia deixar de ser relembrada, por conseguinte, a estupenda atuação que cumpriu no cenário cultural.

            Foi um político raro, um homem de notável saber. Notabilizou-se, também, como administrador diligente e criativo. Nessa condição, deixou, por onde passou, marcas inapagáveis de operosidade.

            O panteão de qualquer país, mais do que em monumentos, livros e placas, está instalado na memória popular.

            A memória das ruas brasileiras envolve, em terno respeito, solene gratidão e muita saudade, muitos nomes famosos e seus feitos extraordinários.

            Anchieta, Tiradentes, Aleijadinho, José Bonifácio, Santos Dumont, Osvaldo Cruz, Juscelino, para ficar apenas em alguns entre muitos outros exemplos, repousam na perenidade da lembrança popular pela contribuição dada, em suas respectivas áreas de atuação, à causa do bem-estar humano. Eles ajudaram na construção de um mundo melhor.

            Gustavo Capanema pertence, indiscutivelmente, a essa seleta galeria de figuras exponenciais. É, com inteira justiça, reverenciado por todos como padroeiro da educação no Brasil.

            Na verdade, Capanema é o primeiro nome que acode à citação quando se cogita designar alguém com serviços destacados à educação.

            Lembro-me, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de que, em certa ocasião, esteve visitando Ubá - cidade do interior do Minas Gerais, localizada na Zona da Mata -, a convite do saudoso Deputado Ozanan Coelho, S. Exª o Dr. Benedito Valadares. E lá, entre outras manifestações, teve a oportunidade de contar para todos nós uma passagem altamente significativa da vida desse grande brasileiro que foi Gustavo Capanema. Contava o Dr. Benedito Valadares que Getúlio Vargas lhe disse que precisava de um mineiro para o Ministério da Educação, mas que indicasse um mineiro que não pedisse nada, pois ele nada tinha para esse Ministério. Benedito Valadares pensou um pouco e disse: é o Capanema. E Gustavo Capanema foi então escolhido por Getúlio Vargas para Ministro da Educação. E o Brasil inteiro conhece a sua obra, que ficou registrada como a maior já realizada no campo da educação no País.

            À frente do Ministério da Educação, no Governo Vargas, deflagrou um processo de cunho nitidamente revolucionário, no melhor sentido. Plantou obra de dimensões ciclópicas. Essa obra, de conteúdo brasileiro, sem perder de vista o sentimento universal, irradiou-se, com impetuosidade e fulgor, por todos os setores da cultura.

            Cumpriu, com inexcedível brilho e benfazeja obsessão, o seu destino como reformador do ensino, como incentivador sem igual das artes, num momento histórico decisivo.

            Capanema criou ainda, com demonstrações seguidas de audácia, por vezes não interpretadas corretamente em ambientes refratários a modificações, as condições essenciais para o surgimento da arquitetura, escultura e pintura de vanguarda que projetaram o Brasil, neste século, no cenário mundial.

            Foi, inquestionavelmente, um dos melhores Ministros da Educação de que o Brasil tem notícia. E foi também, sem designação formal, nosso primeiro grande Ministro da Cultura.

            A história desse homem pleno de talentos e dons tem início no começo do século, lá no arraial de Santana do Onça, município de Pitangui, Minas Gerais.

            Depois de concluir os cursos básicos e universitário em Belo Horizonte, Capanema retornou a sua terra natal, Pitangui. Passou a advogar e a lecionar. Ali deu os primeiros passos de uma fulgurante carreira política. Elegeu-se vereador à Câmara Municipal.

            Ocupou, mais tarde, os cargos de chefe de gabinete do Presidente Olegário Maciel e de Secretário do Interior. Atuou como interventor federal em Minas, quando da morte de Olegário Maciel. Antecedeu no posto a Benedito Valadares. Getúlio Vargas convocou-o para titular do Ministério da Educação e Saúde. Corria o ano de 1934. Capanema estava com 34 anos de idade. Levou em sua companhia, como chefe de gabinete, ninguém menos que o amigo Carlos Drummond de Andrade.

            Os doze anos de sua presença no Ministério sacudiram a educação e a cultura no Brasil. Assessorado por intelectuais de peso - todos eles reconhecidos também como homens de ação, de tendências e ideologias diferentes -, liderou-os ao jeito de uma confraria ecumênica. E fez chegar, a todos os rincões do País, propostas inovadoras que influíram decididamente nos rumos tomados, a partir dali, pela cultura brasileira.

            O edifício do Ministério da Educação construído por Capanema foi exaltado por todos que o conheciam em função das majestosas linhas arquitetônicas, tão diferentes de tudo quanto era conhecido na engenharia da época. Foi um marco divisor nos caminhos da Arquitetura. Inaugurou um estilo. Fez escola. Inspirou empreendimentos sem conta pelo País afora e até no exterior. Representou o ponto de partida reluzente de uma saga arquitetônica que acabaria por buscar seu momento de maior elevação e brilho, suscitando a admiração mundial, numa obra prodigiosa plantada no Planalto Central, chamada Brasília.

            Capanema, com suas idéias, com seus feitos, tem muito a ver com o que poderíamos chamar de Brasil Novo. Um Brasil que, ao ritmo da trepidante reforma educacional implantada, com seus infindáveis desdobramentos na seara cultural, cheia de vida e energia, brotou dos escombros da chamada República Velha.

            Capanema foi um advogado brilhante, um orador primoroso, um esteta da palavra. Integrou um grupo de intelectuais que fez história: Gabriel Passos, Carlos Drummond de Andrade, Abgar Renault, Murilo Mendes, Milton Campos, Tristão de Athayde, Pedro Nava, Emílio Moura, João Alphonsus, Cyro dos Anjos. Convocou, também, para ajudá-lo em seu trabalho de reformulação do ensino e da cultura brasileira, Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Manuel Bandeira, Augusto Meyer, Mário de Andrade, Rodrigo Melo Franco de Andrade, Villa-Lobos.

            O escritor Antônio Carlos Villaça aponta-o como “um mecenas lúcido” e chama a atenção para o seu “senso de povo”, narrando o seguinte episódio: “Capanema levou Villa-Lobos para o estádio do Vasco, nas primeiras grandes exibições do canto orfeônico da história do Brasil”.

            Quando deixou a Educação, Capanema foi eleito Deputado Federal. Isso ocorreu em 1945. Reeleito em 1950, assumiu a liderança da Maioria, no Governo Vargas. Em 1959, foi nomeado Ministro do Tribunal de Contas. Em novembro de 1970, Capanema elegeu-se Senador por Minas Gerais. Durante sua permanência no Senado, presidiu a Comissão de Educação e Cultura, de 1971 a 1973. A partir de 1975, ocupou a função de Vice-Presidente da Comissão de Constituição e Justiça.

            No discurso de despedida parlamentar, em 1978, anotou, com emoção, num pronunciamento antológico, que o momento mais difícil de sua vida pública tinha sido a morte trágica de Getúlio Vargas, “que se atirou naquele gesto dramático para evitar a desonra”, conforme sublinhou.

            A maioria de seus trabalhos publicados é constituída de discursos proferidos ao longo de sua carreira política. Entre outros títulos, podem ser lembrados: Os grandes dias do Brasil Novo, com a colaboração de Francisco Campos e João Marques dos Reis, de 1939; A educação e a saúde no decênio getuliano, lançado em 1941; Algumas notas documentárias sobre o projeto da Constituição, de 1946; Panorama da educação nacional, de 1957; e Discursos e outros escritos, de 1980.

            Murilo Badaró, ex-Senador por Minas, autor de uma esplêndida biografia de Capanema, reporta-se a um lance edificante, pelo qual se pode bem avaliar o perfil humanista do grande brasileiro. O episódio retratado foi vivido na tribuna da Câmara dos Deputados naqueles momentos tormentosos que se seguiram ao atentado contra o jornalista Carlos Lacerda na rua Toneleros, Rio de Janeiro. Conta Murilo Badaró: “Notem o que é um grande homem: no dia 6 de agosto, depois de enfrentar os golpes de toda natureza que lhe assestavam, na tribuna, os deputados de oposição a Vargas, rebatendo-os como um espadachim, golpe a golpe, com rasgos de inteligência e talento, Capanema teve uma palavra para Carlos Lacerda, exatamente após o atentado: ‘O Sr. Carlos Lacerda merece o meu maior respeito na sua vida e na sua liberdade. Justamente porque ele é esse tenaz lutador; justamente porque ele toma essa atitude tão dura e corajosa, apesar de, muitas vezes, tão injustas contra os valores e as pessoas que estou defendendo; justamente por isso é que merece, diária e constantemente, o meu mais escrupuloso respeito à sua liberdade e à sua vida’”.

            O Direito, a Política, as Letras e as Artes estiveram presentes, de modo substancioso, na formação e orientação de vida de Gustavo Capanema. Mas o grande humanista e intelectual sabia não poder prescindir também do saber derivado da espiritualidade. A mensagem cristã teve influência decisiva nas atividades a que se consagrou. Ele viveu com intensidade as lições provindas desta mensagem. Deu conta disso, de forma exuberante, nos escritos e nos discursos. Manteve ligações estreitas, identificando-se nas idéias, com o Dr. Alceu Amoroso Lima e com o Padre Leonel Franca, vozes atualizadas e respeitadas na difusão da linha conceitual do pensamento cristão contemporâneo.

            Deste compatriota ilustre, que tantos benefícios espalhou à sua volta, sobram registros sem conta a serem relembrados e que jamais poderiam ser esgotados num simples discurso, ou numa sucessão de discursos ao longo de uma sessão solene, reservada para reverenciar-lhe a augusta memória.

            Reconhecido como homem público dos mais cultos e mais bem aquinhoados em dons na história brasileira, dele permanecem vivas e palpitantes, além das obras que falam de seu incomum poder empreendedor, os ensinamentos irretocáveis que transmitiu às gerações.

            “A educação e a cultura” - disse - “precisam, em todo o mundo, dar maior profundidade à preparação técnica dos estudantes e trabalhadores manuais e intelectuais de todas as categorias e porfiar no sentido da formação do humanismo. E, sem abandonar, em cada povo, as experiências das passadas gerações, expressas nos seus grandes clássicos, deve-se procurar conquistar uma idéia nova de humana universalidade.” E, em arremate magistral: “No fundo da idéia de humanismo, reside o fundamental princípio da liberdade, liberdade dos povos e dos homens. E esse princípio, sempre em perigo, não pode deixar de ser, para todas as instituições de educação e cultura do mundo, uma preocupação de caráter permanente”.

            Assim falava e agia Gustavo Capanema, apóstolo moderno da educação no Brasil.

            Muito obrigado. (Palmas.)

 

            


            Modelo112/18/242:45



Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/12/2000 - Página 24464