Pronunciamento de Alvaro Dias em 11/12/2000
Discurso durante a 171ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Questionamentos à subavalização dos preços mínimos para privatização de bancos estatais e aos benefícios fiscais gerados às instituições financeiras pelos ágios elevados oferecidos. Expectativa do Estado do Paraná de perder o controle acionário da Copel - Companhia de Eletricidade do Estado, para o Banco Itaú.
- Autor
- Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
- Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
PRIVATIZAÇÃO.:
- Questionamentos à subavalização dos preços mínimos para privatização de bancos estatais e aos benefícios fiscais gerados às instituições financeiras pelos ágios elevados oferecidos. Expectativa do Estado do Paraná de perder o controle acionário da Copel - Companhia de Eletricidade do Estado, para o Banco Itaú.
- Publicação
- Publicação no DSF de 12/12/2000 - Página 24681
- Assunto
- Outros > PRIVATIZAÇÃO.
- Indexação
-
- QUESTIONAMENTO, INFERIORIDADE, AVALIAÇÃO, PREÇO MINIMO, PRIVATIZAÇÃO, BANCO OFICIAL, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, BANCO DO ESTADO DE SÃO PAULO S/A (BANESPA), DIVERSIDADE, BENEFICIO FISCAL, FAVORECIMENTO, INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, RESULTADO, EXCESSO, AGIO, PAGAMENTO.
- CRITICA, FORMA, VENDA, BANCO DO ESTADO DE SÃO PAULO S/A (BANESPA), PREJUIZO, POVO, ESTADO DO PARANA (PR), POSSIBILIDADE, GOVERNO ESTADUAL, PERDA, CONTROLE ACIONARIO, COMPANHIA PARANAENSE DE ENERGIA ELETRICA (COPEL), FAVORECIMENTO, BANCO PARTICULAR.
- SOLICITAÇÃO, PEDRO MALAN, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), OPOSIÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA PARANAENSE DE ENERGIA ELETRICA (COPEL), IMPEDIMENTO, AGRAVAÇÃO, SITUAÇÃO, ESTADO DO PARANA (PR).
SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA |
O SR. ÁLVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, recentemente, fomos testemunhas da privatização, via leilões, de dois grandes bancos estatais: em 20 de novembro, o Banespa, Banco paulista que tinha passado a controle federal; e, anteriormente, em 18 de outubro, o Banestado, o Banco do Estado do Paraná, Banco do meu Estado, Banco do povo do Paraná.
São privatizações que sofreram relevante contestação quanto a sua oportunidade e, sobretudo, quanto a sua forma. No caso do Banespa, os que se opuseram à privatização conseguiram certamente demonstrar falhas na fixação do preço mínimo do leilão, isto é, o valor de negócio do Banco vendido.
No caso do Banestado, que conheço muito bem, a decisão de privatizar foi, para dizer o menos, inoportuna; mas os procedimentos adotados na privatização, como já expus em várias ocasiões desta tribuna, foram algo muito pior. As condições de privatização do Banestado, que aqui denunciei, armaram levianamente um péssimo negócio para o Paraná, dilapidaram o patrimônio público paranaense e exterminaram uma instituição que já prestou decisivos serviços ao desenvolvimento do Estado, e que muitos mais poderia prestar no futuro.
No entanto, Sr. Presidente, toda vez que se aponta para as falhas, as deficiências, ou mesmo os vícios insanáveis de certas privatizações, as autoridades por elas responsáveis costumam apontar para os altos ágios pagos pelos arrematadores como uma vantagem de tal monta para a sociedade e para o Erário público que por si lavaria todos os pecados denunciados pelos críticos.
Examinemos, pois, um pouco mais detidamente a questão do ágio; analisemos sua natureza e suas implicações. Posso adiantar que dessa análise revelam-se no ágio não só os mecanismos contábeis, financeiros e tributários legítimos, como também a arte da manipulação política e financeira, praticada em sutil parceria pelos governos que privatizam e pelas empresas que se habilitam a comprar as estatais.
De início, é preciso apontar para o fato muito simples de que quanto mais baixo o valor fixado para o lance mínimo no leilão, mais se facilita o surgimento de ágio aparentemente elevado. Existe aí um ato de pirotecnia política, de exibição de um pretenso ágio vultoso. E há interesse financeiro bem concreto na produção intencional de um ágio alto: beneficia-se o arrematante, com vantagens tributárias; e a empresa de consultoria que fixou o preço mínimo rebaixado, com honorários inchados.
A empresa que avaliou o Banestado foi o Banco Fator. Seu serviço foi remunerado em duas parcelas: uma fixa, e outra correspondente a um percentual sobre o ágio alcançado no leilão. Eis aí um belo incentivo à fixação de um preço mínimo subavaliado! Não é de admirar que o valor calculado para o Banestado tenha sido de apenas R$434 milhões, quando só a soma de seu patrimônio líquido com seus créditos tributários totaliza mais de R$2 bilhões.
Diante disso, reduz-se a importância do lance de compra vencedor, dado pelo Banco Itaú, que foi de R$1,625 bilhão. O ágio de cerca de R$1,2 bilhão sobre o preço mínimo traz, ademais, para o vencedor do leilão, extraordinárias vantagens em termos de isenção do Imposto de Renda. Perdão fiscal que onera não só os cofres da União, como também, indiretamente, os de Estados e Municípios, por via dos repasses constitucionais.
Vejamos a origem legal de tal isenção fiscal, bancada difusamente por toda sociedade. O direito de abater do lucro tributável o valor do ágil está no art. 7º da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997. Essa lei extensa, de muitas dezenas de artigos, surgiu pela conversão da Medida Provisória nº 1.602, de 14 de novembro de 1997. Portanto, medida provisória complexa, aprovada integralmente em prazo recorde, fenômeno raro e estranho.
Aquele art. 7º nada mais faz do que incluir o ágio nos casos de redução do lucro tributável já previstos pela legislação fiscal, estabelecida pelo Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1997. Isto é, durante 20 anos não se mexeu nesse detalhe da legislação fiscal. Em 1997, na véspera das grandes privatizações então previstas, altera-se subitamente a regra e inclui-se o montante do ágio como fazendo jus a essa grande vantagem.
É evidente que para provocar essa modificação se movimentaram, como parceiros numa dança, os interesses das empresas que queriam se candidatar a comprar estatais e a piscadela maliciosa de autoridades que queriam produzir imagem mais favorável às privatizações por meio de ágios espetaculares. É claro que uma vantagem fiscal tão importante incentiva o surgimento efetivo de ágios elevados.
Se bem que possa ser defendida a lógica contábil de considerar o ágio como despesa que deve fazer diminuir o lucro tributável, isto é, de ver o ágio como custo de um negócio em andamento e em operação, também é válida uma tese oposta: a de que o ágio deveria ser visto como produto social da venda de um ativo público. O ágio, portanto, deveria se transformar integralmente em benefício do erário público, e não se tornar vantagem fiscal para o comprador da estatal. Para se ter uma idéia dos valores envolvidos, formulamos uma hipótese muito simplificada, porém realista. O ágio formalizado na compra do Banestado foi de cerca de R$1,2 bilhão. Submetido a uma alíquota de 33%, o lucro tributável nos anos subseqüentes à privatização se reduzirá no valor do ágio, produzindo um perdão fiscal de R$400 milhões a favor do comprador, o Banco Itaú, e em desfavor dos cofres públicos. Portanto, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, R$400 milhões a favor do comprador.
No caso do Banespa, esse mesmo exemplo se aplica a números maiores ainda. O valor mínimo era R$1,850 bilhão. O lance vencedor, do Banco Santander, foi de R$7,050 bilhões, um ágio formal, portanto, de R$5,2 bilhões, produzindo um perdão de Imposto de Renda de cerca de R$1,7 bilhão.
Essas, Sr. Presidente, são as mágicas dos elevados ágios pagos na privatização desses dois bancos e de tantas outras empresas estatais. Os abatimentos do Imposto de Renda, aliados às baixas avaliações e a outras vantagens oferecidas aos compradores, levam a que certas empresas estatais sejam vendidas a preço vil, praticamente de graça. Politicamente, arma-se um quadro de falsas aparências, de venda supostamente vantajosa ao interesse público. A política de tudo privatizar açodadamente, inoportunamente, recorre ao auxílio de uma legislação “providencial” geradora de ágios adultos e altos. Quanto ao Banestado, nós, os três Senadores do Paraná, propusemos junto à Justiça Federal uma Ação Popular contra o Governo do Estado do Paraná, por promover, nos termos em que promoveu, a liquidação de uma estatal estratégica do Estado. Essa ação ainda será julgada quanto ao seu mérito.
Sr. Presidente, as condições de venda do Banestado foram nocivas ao povo do Paraná. Agora mesmo, estamos vendo um desastroso efeito dessa venda, provocado por sua amarração ao controle acionário da Copel, empresa de eletricidade do Estado. E o Senador Osmar Dias, por duas vezes, na última semana, compareceu a esta tribuna para denunciar este fato.
De fato, Sr. Presidente, no edital de venda, o Governo do Paraná comprometeu-se a pagar cerca de R$415 milhões ao comprador do Banestado, correspondentes a títulos precatórios - os famosos precatórios que haviam sido comprados pelo Banco e cuja a possibilidade de resgate é duvidosa. O pagamento deve ser efetivado até o último dia do corrente ano. O Governo do Estado deu em garantia desse pagamento ações da Copel equivalentes a 30% do seu capital. Esse passo insano do Governo do Paraná torna possível entregar o controle da Copel ao Banco Itaú, já que o Governo estadual não tem recursos em caixa para pagar pelos títulos e nem fez a devida provisão orçamentária.
Para realçar o fato, leio notícia publicada no Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro:
Itaú ganha a Copel?
O controle acionário da Companhia Paranaense de Energia Elétrica, Copel, está na iminência de cair no colo do Banco Itaú. A advertência foi feita ontem pelo Governador Jaime Lerner ao Ministro Pedro Malan, em dramático telefonema. A questão é complicada, como todas as operações que decorreram do escândalo dos precatórios. Por conta da privatização do Banestado, o Governo do Paraná deu em garantia ao Banco Itaú ações da Copel. Essas ações correspondem ao controle acionário que o Paraná detém na empresa, algo em torno de R$415milhões. O agoniado Lerner explicou a Malan que essa caução corresponde aos títulos que o Banestado possui em Carteira, emitidos por Alagoas, Santa Catarina e Pernambuco, mais alguns Municípios, e que esses títulos passaram à propriedade do Estado, no processo de saneamento pré-privatização.
Ou seja, o Governo do Estado do Paraná assumiu a responsabilidade pelos títulos podres, denunciados como tal na CPI dos Precatórios.
Continua a notícia:
Se o Estado não conseguir recursos de R$200milhões para quitar seu débito até 31 de dezembro, perderá a Copel para o Itaú.(...)O Secretário Estadual da Fazenda do Paraná, Ingo Huppert” - também Presidente da Copel - “entretanto, não vê risco algum, porque o Estado está em negociações para receber os títulos. Porém, o Procurador-Geral Joel Coimbra entende que é praticamente impossível receber dos Estados os créditos paranaenses.
Sr. Presidente, diz o advogado Fernando Orotavo: “Não há justificativa para um parecer tão simples colocar em risco o Paraná de perder sua companhia energética, considerada a mais rentável do País.(...) Esse parecer terá de reconhecer que o valor fixado em contrato é direito adquirido do Estado de Alagoas. Está para ser dado há mais de mês e meio”.
É bom lembrar também, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que, valorizando a Copel como empresa de energia elétrica, ela é detentora, entre outras, de ações da Compagás, é controladora também da Sanepar, Sercontel e outras empresas públicas. Portanto, o próprio Governador, que não admitia antes e que rechaçava as críticas feitas desta tribuna assacadas contra os procedimentos adotados pelo Governo Estadual, agora reconhece dramaticamente, angustiado, a perspectiva de o Estado do Paraná perder para o Itaú R$415 milhões em ações da Copel, o que implicaria certamente na perda do controle acionário por parte do Governo do Paraná.
Sr. Presidente, cabe desta tribuna também, antes de concluir o enfoque sobre esta relação Banco Itaú, Governo do Paraná e Copel, alertar o Ministro Pedro Malan, ou fazer um apelo a S. Exª, para que evite agora a privatização da Copel, essa extraordinária empresa de energia elétrica, prestes a ser privatizada pelo Governo Estadual. Ainda há tempo, já que não se salvou o Banco do Estado do Paraná, de se salvar a Copel, empresa de energia elétrica de competência e eficiência comprovadas.
Um desastre monumental ameaça o Paraná. A Copel integra a geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. Tem 18 usinas em operação, totalizando 4.545 megawatts, 6.500 quilômetros de linhas de transmissão e 150 mil quilômetros de linhas de distribuição. Um processo desastrado de privatização está a provocar, numa espécie de ação em cadeia malévola, um desastre dentro do desastre.
Sr. Presidente, em vista dessas considerações e levados em conta os fatos aqui expostos, creio que é chegada a hora de esta Casa impor algum limite e estabelecer algumas condicionantes a processos de privatização que, como se evidencia, fogem ao controle dos seus perpetradores, aprendizes de feiticeiros que estão provocando graves prejuízos à sociedade brasileira. O Senado pode e deve debater essa questão, e contemplar iniciativas legislativas que possam submeter a privatização à, no mínimo, obediência ao bom senso e ao interesse público.
A propósito, Sr. Presidente, lembro que sou o autor de um projeto de lei que institui o plebiscito para a privatização de empresas públicas consideradas estratégicas, entre elas as empresas de energia elétrica e de saneamento, e as empresas de água e esgoto. É uma forma de suscitar o debate nesta Casa, já que, indiscutivelmente, muitas dessas empresas já foram privatizadas e o projeto chega com atraso. Através da discussão de um projeto como esse, poderíamos, pelo menos, debater com maior profundidade esta questão, da maior importância para o futuro do nosso País, já que se trata de empresas fundamentais não só para o processo de desenvolvimento econômico, mas sobretudo para a melhoria das condições de vida da população. São empresas imprescindíveis, sujeitas a procedimentos administrativos no mínimo irresponsáveis, que as levam ao setor privado quase como se fossem presentes de casamento real - aliás, um presente com o chapéu alheio, uma cortesia com o chapéu alheio, da parte de algumas autoridades governamentais que não respeitam as aspirações da sociedade.
Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Senadores.
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