Discurso durante a 171ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Manifesto de entidades civis em repúdio às ameaças de morte sofridas pelo governador acreano Jorge Viana. Elogios ao trabalho realizado pela Oficina Escola de Luteria da Amazônia, que oferecem aos jovens a oportunidade de aprenderem a arte de restauração de instrumentos musicais e noções de ecologia.

Autor
Júlio Eduardo (PV - Partido Verde/AC)
Nome completo: Júlio Eduardo Gomes Pereira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA SOCIAL.:
  • Manifesto de entidades civis em repúdio às ameaças de morte sofridas pelo governador acreano Jorge Viana. Elogios ao trabalho realizado pela Oficina Escola de Luteria da Amazônia, que oferecem aos jovens a oportunidade de aprenderem a arte de restauração de instrumentos musicais e noções de ecologia.
Aparteantes
José Jorge.
Publicação
Publicação no DSF de 12/12/2000 - Página 24683
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • INCLUSÃO, PRONUNCIAMENTO, ORADOR, MANIFESTO, SOCIEDADE CIVIL, PAIS, REPUDIO, AMEAÇA, JORGE VIANA, GOVERNADOR, ESTADO DO ACRE (AC).
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, OFICINA, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, MUNICIPIO, MANAUS (AM), ESTADO DO AMAZONAS (AM), OFERECIMENTO, JUVENTUDE, OPORTUNIDADE, TRABALHO, RESTAURAÇÃO, INSTRUMENTO MUSICAL, APRENDIZAGEM, EDUCAÇÃO MUSICAL, ECOLOGIA, IDENTIFICAÇÃO, ESPECIE, FLORESTA AMAZONICA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. JÚLIO EDUARDO (Bloco/PV - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Senadores, coincidentemente próximo às datas em que celebramos o nascimento de Chico Mendes e refletimos sobre sua trágica morte, ainda repercutem notícias relacionadas às ameaças de morte ao Governador acreano Jorge Viana e sua família.

            Em contrapartida à iniciativa de alguns de seus opositores, que tentam anular a gravidade dessas ameaças, o Governador recebeu a solidariedade da sociedade civil organizada, por meio de um manifesto que alerta a população para as reais possibilidades de se concretizarem tais ameaças.

            No manifesto, as organizações sociais destacam que, após viver um dos períodos mais nefastos de sua história política, o Acre tem na gestão de Jorge Viana uma experiência de desenvolvimento baseada na exploração sustentável e diversificada dos recursos da floresta e na promoção do bem-estar das populações extrativistas e urbanas. O manifesto adverte ainda para o fato de que, em 1992, o então Governador eleito, Edmundo Pinto, foi assassinado em um hotel paulista, abrindo espaço para que se instalasse no poder o grupo a que pertence o ex-Deputado Hildebrando Pascoal.

            Por fim, as instituições signatárias do documento conclamam a sociedade brasileira a manifestar seu apoio ao Governador do Acre e o repúdio a mais esta tentativa de abrir com sangue caminhos para o retorno da barbárie e do retrocesso à política acreana.

            Assinado por 25 organizações da sociedade civil, o manifesto foi enviado aos Ministros da Justiça e Meio Ambiente, à Casa Civil, à Presidência da República, à Assembléia Legislativa do Acre e aos Parlamentares Federais acreanos.

            Na semana passada, cumprindo intensa agenda em Brasília e em São Paulo, o Governador Jorge Viana participou de audiência com o Ministro Pedro Parente, acompanhado por alguns representantes políticos do Acre, para tratar das indispensáveis medidas que cabem ao Executivo Federal providenciar, no sentido de garantir a sua segurança.

            Em São Paulo, concedeu entrevista a um numeroso grupo de cientistas sociais e comunicadores, no Instituto Socioambiental, resultando em matéria jornalística que está disponível, via internet, no site do ISA.

            Gostaria, por isso mesmo, Sr. Presidente, que o manifesto das organizações sociais e a matéria sobre a entrevista que mencionei fossem dados como lidos e publicados como parte deste pronunciamento.

            Sr. Presidente, meus ilustres Pares, solidariedade é, portanto, tema da reflexão que proponho hoje. E, para além do espírito solidário do homem público que é Jorge Viana e do gesto solidário que lhe manifestam organizações de boa parte da sociedade civil brasileira, gostaria de deter-me numa celebração a mais uma conquista do povo da Amazônia, um exemplo de ação socioambiental sustentável, que se firma na criatividade e na mais pungente solidariedade: trata-se da Oficina Escola de Lutheria da Amazônia.

            A Oficina Escola de Lutheria da Amazônia se constitui em oportunidade concreta para jovens de 14 a 21 anos, de comunidades carentes, aprenderem a arte e a ciência da Lutheria fina, voltada à fabricação de violões, violas e cavaquinhos. Ainda mais, complementa a formação desses jovens com educação musical, noções de ecologia e identificação de espécies florestais da Amazônia, enquanto os transforma em finos restauradores de instrumentos musicais.

            Não bastasse o próprio feito, mais ainda importa o como se desenvolve essa experiência magnífica, gerada nos corações e mentes de homens e mulheres de boa vontade da nossa sempre generosa Amazônia.

            Sediada na periferia de Manaus, a Oficina Escola realiza suas atividades há 2 anos e 8 meses, dirigida por Luthier Rubens Gomes - natural do Estado do Amapá, com 17 anos de experiência na fabricação de instrumentos musicais e pesquisa com as espécies florestais da Amazônia. Entre outras atividades, “Rubão” - como é carinhosamente apelidado por aqueles que o cercam - foi professor do Centro de Artes da Universidade do Amazonas e trabalhou com crianças e adolescentes em Rio Branco, no Acre.

            A Oficia Escola de Lutheria da Amazônia forma, neste ano, oito alunos no curso básico de lutheria, a sua primeira turma de formandos, incorporando a consciência socioambiental ao mundo da lutheria, numa iniciativa inédita na América Latina.

            Na construção dos instrumentos com os seus alunos, aquela escola dá prioridade ao uso de madeira de origem certificada, de acordo com os princípios e critérios do FSC, que é o conselho internacional para o manejo florestal. Aliás, essa prática possibilitou à escola o status de primeira escola de lutheria no mundo a conquistar o Selo Verde. Utilizam-se também madeiras oriundas da construção civil e de móveis antigos, ou ainda material de árvores mortas recolhidas nas florestas, pastagens e campos abandonados há mais de dez anos.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a cidade de Manaus encontra-se no centro da Amazônia, a principal reserva florestal do planeta e, como tal, potencialmente o principal fornecedor de matérias-primas para fabricação de artefatos de madeira no próximo século. A zona leste de Manaus, onde se desenvolvem atividades da escola de lutheria, tem 60% de sua população constituída de cidadãos desempregados ou em atividades de subemprego. Das famílias da região, 68% ganham menos de dois salários mínimos e 94% das pessoas têm, no máximo, o 1º grau completo. Os sistemas de água, luz e transporte são precários, obsoletos, clandestinos e insuficientes, sendo uma das regiões de maior índice de violência de Manaus, área de alto risco para crianças e adolescentes.

            E é para contribuir na transformação desse quadro tão adverso que a Oficina Escola está instalada naquela região. Trabalha ali com 60 adolescentes, membros de famílias de baixa renda, integrados à escola regular e que dispõem de pelos menos 8 horas semanais para as suas atividades na Oficina Escola de Lutheria. Mas há também os alunos dos cursos para Produção de Pequenos Objetos de Madeira em Marchetaria, numa ação de extensão que se desenvolve no Município de Boa Vista do Ramos, atendendo 200 ribeirinhos e outras comunidades do interior do Estado do Amazonas. Esse trabalho já resultou na criação da Associação dos Artesãos de Boa Vista do Ramos, na recente implantação da Linha de Produção Comunitária de Pequenos Objetos de Madeira em Marchetaria e na conquista do Selo Verde.

            O Sr. José Jorge (PFL - PE) - V. Exª permite-me um aparte?

            O SR. JÚLIO EDUARDO (Bloco/PV - AC) - Ouço com prazer o qualificado aparte de V. Exª.

            O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu gostaria de aproveitar esta oportunidade para dizer da importância do tema que o Senador Júlio Eduardo traz ao nosso conhecimento. Fui por duas vezes Secretário de Educação do meu Estado, Pernambuco, e acredito que todo o Brasil deveria conhecer iniciativas como essa, de abrir uma escola com visão ecológica, aproveitando os recursos naturais do local - a madeira, por exemplo, no caso da Amazônia. Creio que V. Exª acerta quando nos traz, não só a nós Senadores, mas ao País inteiro, pela TV Senado e pela mídia, essa informação e esse detalhamento, porque isso poderá incentivar outras regiões a imitarem o exemplo. Muitas vezes, apenas uma pessoa com vocação efetiva inicia determinado projeto, que depois passa a ser apoiado por todos nós, o que faz com que surjam os resultados. Portanto, acredito que estamos aproveitando bem esta segunda-feira, tratando de assunto que parece pequeno, mas na verdade é relevante quando se considera a possibilidade de ser aplicado para outras matérias-primas existentes no Brasil inteiro. Dessa forma, congratulo-me com V. Exª.

            O SR. JÚLIO EDUARDO (Bloco/PV - AC) - Agradeço a V. Exª pela contribuição, que incorporo ao meu pronunciamento. Para todos os que acreditam nos sonhos, que são os grandes dirigentes das ações concretas, ter mais um exemplo é sempre uma garantia de consistência.

            Sr. Presidente, a escola começou a partir do sonho de Luthier Rubens Gomes. Há um terceiro grupo, também ligado a esse projeto. Falo dos alunos da Escola Agrotécnica Federal de Manaus, da área de Técnica Florestal. Esses alunos têm o módulo de Processamento e Beneficiamento da Madeira ministrado pela Oficina Escola de Lutheria da Amazônia, ampliando a qualificação daqueles estudantes na área de fino beneficiamento e acabamento da madeira, que possibilita a elaboração de produtos a partir de recursos madeireiros e não-madeireiros, utilizando as técnicas da nobre arte da marchetaria.

            Atualmente, há um Plano de Expansão e Consolidação da Escola de Lutheria que conta com o apoio do Fundo Brasileiro da Biodiversidade e da Escola Agrotécnica Federal de Manaus. Esse Plano envolve a construção de uma sede no bairro Zumbi, ampliando sua capacidade de atendimento para 120 alunos de lutheria e 200 alunos de música.

            A escola possui, basicamente, quatro fontes de recursos: contribuições voluntárias; bolsas do Programa de Adoção de um Aprendiz de Luthier; venda de instrumentos produzidos pelos alunos e professores; fundos de apoio específico mediante aprovação de projetos. E são várias as parcerias tornadas possíveis na implementação dessa escola, como o apoio administrativo e institucional do IMAFLORA, e muitos os convênios firmados com instituições tais como o Ibama, a Escola Agrotécnica Federal de Manaus, o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas, o BNDES, a Fundação Ford e o FAT.

            Sr. Presidente, meus nobres Pares, se tudo isso não expressasse suficientemente a grandeza do gesto das pessoas que se dedicam à implementação daquela escola, há ainda um componente da história exemplar daquela gente em sua desmedida capacidade de praticar a solidariedade. Não sei se todos aqui têm conhecimento de que a pequenina Cuba, além de ocupada por um povo que guarda muitas afinidades conosco, nos sabores e dissabores de nossa morenice latino-americana, tem também alguns dos melhores profissionais na arte da lutheria.

            Em Cuba existem 5 fábricas de instrumentos musicais, sendo que a maior delas emprega 240 pais de família e alguns dos melhores especialistas de lutheria do mundo - a fábrica Fernando Ortiz. No início deste semestre, nossa pequena oficina escola de Manaus foi buscar aprimoramento técnico entre aqueles hábeis mestres cubanos. Só que, chegando naquele País, o representante da Escola de Lutheria da Amazônia encontrou a fábrica Fernando Ortiz parada, por total falta de madeira para a produção de instrumentos.

            Que ironia, Srªs e Srs. Senadores: encontra-se parada em Cuba, por falta de madeira, aquela fábrica que é meio de subsistência para 240 famílias, um centro produtor de peças perfeitas, o maior centro produtor de instrumentos próprios da cultura cubana e, por isso mesmo, reais instrumentos da identidade daquele povo.

            Enquanto isso, aqui no imenso território brasileiro, os pesquisadores do conceituado Imazon revelam que, de cada 30 milhões de metros cúbicos de madeira extraída de nossas matas amazônicas, apenas 10 milhões de metros cúbicos são aproveitados. Ou seja, de cada 30 milhões de metros cúbicos de madeira extraída da Amazônia, 20 milhões são desperdiçados como resíduo ou fumaça.

            Se compartilhássemos 1% disso com aqueles irmãos cubanos, devolveríamos condições de sobrevivência dignas a centenas de famílias e diminuiríamos nosso leviano desperdício.

            E foi acometido por essa óbvia constatação que, imediatamente, o impulso da solidariedade, mais uma vez, mobilizou o pessoal da Oficina Escola de Lutheria da Amazônia, e logo se desencadeou uma campanha por doação de madeira para reativar a produção da fábrica Fernando Ortiz. E essa corrente foi envolvendo gente de todos os lados, dentro e fora do Governo, na arte e na ciência, na iniciativa privada e no movimento social.

            E como resultado, por enquanto, já são cinco contêineres de madeira certificada prontos para embarcar rumo a Cuba. São 5 mil metros de madeira certificada e dois convênios de cooperação técnica assinados com a fábrica Fernando Ortiz, que serão de inestimável valia para a qualificação profissional de nossos jovens amazônidas. E a campanha apenas começou.

            Srªs e Srs. Senadores, eis os frutos típicos da solidariedade.

            A propósito, tudo isso me faz lembrar os severos julgamentos sobre Fidel Castro e Luiz Inácio Lula da Silva divulgados recentemente, estabelecendo-se um debate de posições sectárias extremadas em detrimento da divulgação de fatos exemplares, capazes de motivar nossos esforços e orientar nossas esperanças de efetiva transformação da realidade.

            Diante da grandeza das realizações solidárias que comentei anteriormente, tal celeuma não chegou a produzir nada, além da triste figura de um desagregado conjunto de tolos raivosos a polemizar com suas barbas de molho.

            Para encerrar, nobres Pares, gostaria de citar que hoje, como presente, recebemos no nosso gabinete a visita de Soka Gakkai, que é, no Brasil, uma organização importante que vive em prol da paz, cultura e educação, com exemplos brasileiros e mundiais de solidariedade que merece grandes elogios e interminável respeito.

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR JÚLIO EDUARDO EM SEU PRONUNCIAMENTO.

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            Modelo15/1/2411:36



Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/12/2000 - Página 24683