Discurso durante a 171ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre as eleições nos Estados Unidos da América, a viagem de Luiz Inácio Lula da Silva à Cuba e a eleição de Vicente Fox no México.

Autor
Paulo Hartung (PPS - CIDADANIA/ES)
Nome completo: Paulo César Hartung Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Considerações sobre as eleições nos Estados Unidos da América, a viagem de Luiz Inácio Lula da Silva à Cuba e a eleição de Vicente Fox no México.
Publicação
Publicação no DSF de 12/12/2000 - Página 24697
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, VIAGEM, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, LIDER, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, ELEIÇÃO, VICENTE FOX, PRESIDENTE, MEXICO, OPORTUNIDADE, ANALISE, PROCESSO, POLITICA, BRASIL, AMERICA LATINA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. PAULO HARTUNG (PPS - ES. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nas últimas semanas, excluindo o vexame eleitoral que persiste na chamada maior potência democrática do mundo, os Estados Unidos, dois fatos políticos marcam a América Latina.

            Primeiro, seguramente, foi a visita de Luiz Inácio Lula da Silva a Cuba, o outro, a posse do novo Presidente do México, Vicente Fox Quesada, ex-diretor de uma multinacional americana, que disputando por um partido pequeno, o PAN, chegou à Presidência daquele país derrotando nas urnas uma estrutura política de mais de 70 anos, representada pelo Partido Revolucionário Institucional - PRI. Realmente uma caricatura da grande revolução de Zapata e rebeldes astecas, um dos fatos que, de certa forma, abalou o mundo no início do século.

            E o que tem isso a ver com o Brasil? Aparentemente nada, dados os fatos serem tão diferentes, e por se tratar de dois países que mantêm um bom relacionamento com o Brasil. A América Latina, entretanto, com a implantação do Mercosul e com a movimentação dos Estados Unidos em torno da articulação da Alca, deixou de ser um continente “distante” e passou, na minha opinião, a ser fundamental para o nosso próprio futuro, o qual pretendemos seja radiante e pilar no processo de construção do novo mundo no século XXI.

            Sr. Presidente, não sei se para onde for o Brasil irá a América Latina, como predisse desastradamente uma vez o ex-Presidente americano, Richard Nixon. Entretanto, tenho certeza de que o futuro do continente será construído obrigatoriamente com a nossa participação e a do nosso País, o Brasil.

            Se por acaso cito inicialmente dois fatos políticos, faço-o apenas para jogar um pouco de luz sobre o processo político brasileiro. Complexo, porque é um País extremamente complexo; contraditório, por ser um País marcado por profundos desequilíbrios regionais e sociais; e tenso, por tratar-se de uma sociedade também marcada pela tensão, e os fatos demonstram isso sobejamente. Porém, um processo democrático, tendo em vista que se descortina a nossa frente, felizmente, uma democracia consolidada, embora em fase de ampliação e de consolidação, principalmente no que tange à democracia econômica.

            Na América Latina, existem paradigmas políticos para todos os gostos e projetos, entretanto, entre as várias experiências, devemos estudar, mirar, tirar lições e definir os rumos da ação política das forças vivas da Nação, principalmente no campo de centro-esquerda e para o PPS tais fatos ganham um relevo ainda maior.

            De antemão, se respeitamos Cuba e com ela somos solidários na luta contra o bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos, o seu modelo político não se constitui em paradigma de desenvolvimento democrático para nós. Levamos em consideração suas conquistas monumentais nos campos da saúde, educação, esportes e outros. Mas, institucionalmente, trata-se de um modelo que não se enquadraria na nossa realidade política, econômica e social. Aliás, perigosamente, a herança democrática e generosa de Sierra Maestra corre um sério risco de se perder em um mundo onde a fria concepção neoliberal impera e ainda demarca os rumos da economia.

            Quero registrar nos Anais da Casa que creio serem preconceituosas e oportunistas as críticas à viagem de Lula àquele país, uma vez que a excursão, pelo que lemos na imprensa, foi resultado de um projeto que visou angariar recursos para reforçar o caixa de campanha de Marta Suplicy à Prefeitura de São Paulo, e não uma tentativa de buscar na Ilha ou em Fidel Castro um modelo político e econômico de administração para o Brasil. No máximo, se houve algum equívoco de Lula, foi apenas de marketing eleitoral - uma expressão em voga em nosso País -, algo que nunca pode ser negligenciado em uma sociedade como a brasileira. Por quê? Porque a nossa sociedade, lamentavelmente, ainda é muito influenciada pelo surrado ideário anticomunista.

            Quanto a Vicente Fox Quesada, no México, pelo menos por enquanto, não vejo a sua experiência como um exemplo de alternativa para todos nós. Ele ganhou a eleição em um clima de desgaste das antigas elites dirigentes do PRI. Entretanto, esbarra, na minha opinião, isto é emblemático para nós brasileiros, em duas questões cruciais. Primeiro, não apresentou uma proposta clara de desenvolvimento para aquele país nem resolveu o nó górdio central das alianças políticas.

            Basta lembrar que o importante PRD de Cárdenas, situado à esquerda do espectro ideológico mexicano, não integra o futuro grupo dirigente do País. Isso, na minha visão, não é bom. Não é bom principalmente quando falamos em estabilidade e alargamento do bloco de poder.

            Quero agora sair de Cuba e do México e percorrer outros países do continente.

            Vimos, na Argentina, Sr. Presidente, outro aspecto das dificuldades que já apontamos. Ali, se foi equacionada por ocasião das eleições a engenharia da hegemonia política (a aliança entre a União Cívica e a Frepaso), ficou em aberto e não resolvida a questão de um projeto para o país, uma questão cambial complexa que vive o país. E a crise, Sr. Presidente, em função dessa grave contradição, explodiu em poucos meses de governo e já causou, recentemente, a renúncia do Vice-Presidente da República.

            Mas nem tudo são nuvens escuras sobre o nosso continente. O Chile, já por um bom tempo, mesmo podendo-se discordar das soluções encontradas pelo atual bloco dirigente, conseguiu consolidar uma forte aliança entre democratas cristãos e socialistas, costurada por um projeto de governo exeqüível e que vem dando, podemos dizer, bons resultados. Ou seja, no país de Salvador Allende, a política e a economia vêm conseguindo caminhar de braços dados, sem esquizofrenia e sem bifurcações fabricadoras de crises institucionais. Basta ver, agora, Sr. Presidente, que nem a decretação da prisão de Pinochet, um totem da direita, não teve desdobramentos drásticos, cenário, quero registrar, impensável poucos anos atrás.

            É importante que as lideranças políticas da América Latina e do Brasil fiquem atentas a alguns processos políticos e de transição que não devem fugir ao controle das instituições democráticas.

            Temos o caso do Peru, País amigo, que se vai restabelecendo do trauma provocado pela queda de Alberto Fujimori e, num clima de graves denúncias contra integrantes do grupo que deixa o Governo, prepara-se, isso é um bom sinal, para realizar novas eleições presidenciais, em abril do ano que vem, Sr. Presidente. A expectativa do PPS, é de que, tanto a queda de Fujimori, quanto a eleição do novo presidente peruano recoloquem aquele país andino nos trilhos da busca incessante do desenvolvimento com justiça social, e por que não dizer com plena liberdade política, com plena realização da democracia.

            Preocupa-nos, Sr. Presidente, também a situação que se desenrola na Colômbia, onde os Estados Unidos ampliam a cada dia a sua presença com forças de segurança em nome do combate ao narcotráfico. Preocupa-nos quando ali se desenrola uma clara e aberta luta de hegemonia política entre correntes à esquerda e forças conservadoras, que, historicamente, estiveram e estão instaladas no poder central. Qualquer militarização de países vizinhos não interessa em nada ao Brasil. Nesse mesmo contexto, o PPS vê com cuidado o desenrolar da realidade política venezuelana, que optou por um modelo político não tão concernente à tradição democrática que almejamos e defendemos.

            Afora as experiências políticas internas de cada país, paira na América Latina um debate muito maior e que, certamente, definirá o que será o Continente no século XXI: o da integração dos mercados. No momento em que o Chile, por exemplo, dá passos em direção ao Nafta, em detrimento do Mercosul, enfraquece a estratégia da América do Sul em torno da Alca, em 2005. E já estamos percebendo - por meio dos noticiários deste final de semana de todos os jornais - a dimensão dessa atitude, quando a Argentina parece querer trilhar na mesma direção. Nossa diplomacia e nossas autoridades não podem se descuidar desses fatos, caso contrário o Brasil poderá acabar isolado frente à força da economia americana. Este é um debate que devemos travar aqui no Senado Federal. Há farto material a respeito do assunto sendo publicado na imprensa do País.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por esse rápido passeio pela América Latina, podemos dizer que ela está em ebulição. Não mais aquela efervescência política dos anos 50 e 60, quando tradições revolucionárias e golpistas conviveram tragicamente. Disputam, hoje, concepções, paradigmas, estando de um lado o velho neoliberalismo, que acredita na prerrogativa absoluta do mercado, e, de outro, o esforço pela montagem de modelos mais generosos, humanitários, que, não negando a importância do mercado - não tem como negar a importância do mercado -, apontam para a busca de mais igualdade de oportunidade, de mais justiça social.

            O receituário tradicional do Fundo Monetário Internacional, na minha opinião, perdeu força. As eleições de Chauhtémoc Cárdenas (PRD), de Marta Suplicy (PT) e de Aníbal Ibarra (Frepaso), respectivamente para as Prefeituras das cidades do México, São Paulo e Buenos Aires, os maiores centros urbanos de toda a América Latina, evidenciam que há algo mais no ar do que aviões de carreira. A esquerda democrática e outros setores democráticos do centro político se transformam em alternativas. Se vão ser hegemônicos no futuro em suas sociedades, tudo isso dependerá de nossa capacidade de acertar e atender ao mesmo tempo a dinâmica da economia e os interesses dos povos latino-americanos por melhores condições de vida, por dignidade.

            De nossa parte, no Brasil, lutamos para criar uma forte e ampla aliança política de centro-esquerda para suceder o Presidente Fernando Henrique Cardoso, não apenas para ganhar as eleições, e sim para governar. Só que, para governar, demagogias precisam ser deixadas de lado e impõe-se a elaboração de um projeto novo de desenvolvimento econômico e social que atenda ao que está acontecendo no mundo contemporâneo. É preciso ter em mente os efeitos da globalização e da integração das economias. É necessário ter sensibilidade para entender o Brasil de carne e osso, o nosso povo e seu sofrimento cotidiano: a desnutrição, o analfabetismo e a miséria.

            O PPS sabe disso e se conduz também nessa direção, sob a liderança do seu Presidente, Senador Roberto Freire. Todos sabemos que ganhar uma eleição é relativamente fácil, governar é difícil, principalmente um país com a história do Brasil, que tem um desenvolvimento sempre excludente. Além da necessária sustentabilidade política, o ato de governar exige transparência, um programa claro, bem articulado, diálogo, responsabilidade no gasto do dinheiro público e determinação de construir uma sociedade justa, como pregou o PPS no seu encontro de prefeitos e vereadores neste final de semana, e a determinação de construir uma sociedade justa, alicerçada na democracia.

            Sr. Presidente, não temos o condão mágico da política brasileira, mas ousamos ao apresentar à sociedade a proposta do Diálogo Nacional, movimento de centro-esquerda que elaboraria um projeto de desenvolvimento pactuado em debates e escolheria um candidato em 2001, por intermédio de prévias, para representá-lo nas eleições.

            Se as respostas dos grandes partidos de Esquerda ainda não se materializaram em relação ao que propomos, parece-me que a idéia continua válida como instrumento para se buscar uma nova unidade política capaz de erigir um novo bloco de poder, longe do fisiologismo e do conservadorismo que têm sido a tônica do poder republicano há várias décadas no nosso País.

            Não temos a pretensão - e espero não ter transmitido isso neste rápido pronunciamento - de guiar a América Latina nem de ser instrumento para ferir a autonomia dos países irmãos e vizinhos. Entretanto, temos a obrigação de acertar o caminho, pois o Brasil, pelas dimensões geográficas e de sua economia, é um País referência, devendo ser o norte de um projeto inovador, calcado principalmente na plena democracia.

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente, agradecendo a todos os Senadores e Senadoras presentes pela atenção.

 

            


            Modelo15/6/248:24



Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/12/2000 - Página 24697