Discurso durante a 171ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Justificativas à apresentação de projeto de lei, de autoria de S.Exa., que modifica a lei de registros públicos.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FUNDIARIA.:
  • Justificativas à apresentação de projeto de lei, de autoria de S.Exa., que modifica a lei de registros públicos.
Publicação
Publicação no DSF de 12/12/2000 - Página 24700
Assunto
Outros > POLITICA FUNDIARIA.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, REGISTRO PUBLICO, COMBATE, GRILAGEM, TERRAS, PAIS.
  • COMENTARIO, NOTICIARIO, TELEJORNAL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DENUNCIA, IRREGULARIDADE, GRILAGEM, TERRAS, TERRITORIO NACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO PARA (PA).
  • LEITURA, TRECHO, LIVRO, MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO AGRARIO, ANALISE, OCORRENCIA, FRAUDE, FALSIFICAÇÃO, TITULO DE PROPRIEDADE, TERRAS, PAIS, CONLUIO, CARTORIO, REGISTRO DE IMOVEIS, ORGÃOS, GOVERNO, FAVORECIMENTO, POLITICO, TITULARIDADE, TERRA DEVOLUTA.
  • REGISTRO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, GRILAGEM, TERRAS, ESTADO DO PARA (PA), ESTADO DO AMAZONAS (AM), ESTADO DO PARANA (PR), ESTADO DO ACRE (AC), ESTADO DO AMAPA (AP), ESTADO DE RONDONIA (RO), ESTADO DO MARANHÃO (MA), ESTADO DE GOIAS (GO), DISTRITO FEDERAL (DF), ESTADO DE SÃO PAULO (SP).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Senador Paulo Hartung, quero trazer ao conhecimento desta Casa uma proposta de projeto de lei que comentei em sessão anterior.

            O referido projeto objetiva mudar a Lei de Registro de Imóveis, com a finalidade básica de combater a grilagem de terras, que tanto tem escandalizado o País. A TV GLOBO até dedicou um bloco do Jornal Nacional de mais de cinco minutos, salvo engano na quinta-feira ou na sexta-feira passada, anunciando a anulação, feita pelo Ministério da Reforma Agrária, de inúmeras áreas de terras griladas em todo o território nacional.

            A análise da situação levou-nos à busca de uma mudança na legislação que evitasse esse tipo de fraude, cometido basicamente pelos oficiais dos cartórios de registro de imóveis, com a cumplicidade, de certa forma, em vários Estados brasileiros, de alguns integrantes do Poder Judiciário.

            Quero fazer uma explicação a respeito desse projeto, muito pensado, muito refletido, extremamente trabalhado, que agora trago à apreciação dos Colegas Senadores - espero que passe rápido no Senado - para que depois seja encaminhado à Câmara dos Deputados.

            Inicialmente, na análise do problema, cito trecho da obra O Livro Branco da Grilagem de Terras no Brasil, do Ministério da Política Fundiária e do Desenvolvimento Agrário e Incra:

Como acontecem a fraude e a falsificação de títulos de terra? A grilagem de terras acontece normalmente com a conivência de Cartórios de Registros Imobiliários, que muitas vezes registram áreas sobrepostas umas às outras - ou seja, elas só existem no papel.

Há também a conivência direta e indireta de órgãos governamentais, que admitem a titulação de terras devolutas estaduais ou federais a correligionários do poder, a “laranjas”, ou mesmo a fantasmas, a pessoas fictícias, com nomes criados apenas para levar a fraude a cabo nos cartórios.(...)

A fraude foi historicamente facilitada por algumas brechas institucionais, como por exemplo a inexistência de um cadastro único. Os órgãos fundiários, nos três níveis (federal, estadual e municipal), não são articulados entre si.

            Em segundo lugar, quero registrar os casos mais escandalosos de grilagem de terras, que envolvem imensas áreas no Estado do Pará e em todo o território nacional. Faço esse registro por Estados:

            - Pará: caso da CR Almeida; fantasma “Carlos Medeiros” e venda de parte da reserva caiapó; investigações realizadas pelo Ministério da Reforma Agrária, Iterpa e Polícia levaram à descoberta de 11 cartórios paraenses envolvidos em fraudes fundiárias, dos quais somente o Cartório de Altamira foi objeto de ação do Tribunal de Justiça, com o afastamento da titular do cargo;

            - Amazonas: casos Boca do Acre e Lábrea, Borba e Novo Aripuanã;

            - Paraná: terras do oeste paranaense, na fronteira com o Paraguai e a Argentina; Colônia Rio Quarto e Gleba Chopinzinho;

            - Acre: seringal Porto Luiz e gleba Chandless;

            - Amapá: fazenda Itapoã;

            - Rondônia: seringais Urupá e Porto Franco;

            - Maranhão: fazendas Três Morros e Pontal;

            - Goiás: fazendas Brejo e Santa Luzia;

            - Brasília: formação de inúmeros condomínios em terras públicas da União e da Terracap;

            - São Paulo: fazenda Ilha Grande.

            Esses são os principais escândalos de legalização de registros ilegais de terras públicas no Brasil.

            Quais são as soluções que estamos apresentando para acabar definitivamente com o problema? Estamos querendo alterar a Lei de Registros Públicos (LRP), de forma a permitir que os próprios cartórios cancelem, de ofício, um registro nulo. Na nossa proposta, modificamos o art. 214, estabelecendo o seguinte: “O registro poderá ser cancelado de ofício pelo oficial, seu substituto ou escrevente autorizado, quando verificadas quaisquer das hipóteses de nulidade de pleno direito, seguindo-se o procedimento administrativo previsto no art. 215, ‘a’, desta lei.”

            Sr. Presidente, queremos também permitir que os órgãos fundiários solicitem diretamente ao cartório o cancelamento de vários registros. A solução ganharia um caráter administrativo em vez de judicial, além de permitir que as correições feitas pelos Tribunais de Justiça perante os cartórios pudessem ter o poder de cancelar os registros falsos, vez que, hoje em dia, essas correições se limitam a verificar os livros dos cartórios.

            Apresentamos, além disso, o acréscimo do artigo 215-a, que estabelece o seguinte:

Art. 215 A. O registro poderá ser impugnado pelo Ministério Público, por quaisquer dos órgãos fundiários do Poder Público ou pessoa que demonstre interesse jurídico, mediante requerimento ao Oficial de Registro acompanhado de indícios de falsificação documental, negócio fraudulento ou qualquer das hipóteses do art. 146 do Código Civil.

§ 1º - Instaurado o procedimento administrativo perante o juiz corregedor, cientificar-se-á o titular do direito real imobiliário objeto do registro, bem como as pessoas que intervieram no ato jurídico que resultou no título levado a registro, para apresentarem defesa no prazo de 10 (dez) dias.

§ 2º - Vencido o prazo de defesa dos interessados ou com esta nos autos, colher-se-á o parecer do representante do Ministério Público, proferindo o juiz corregedor sua decisão ou designará ampla produção de provas.

§ 3º - Da decisão do juiz corregedor caberá recurso administrativo na forma prevista nas Leis de Organização Judiciária dos Estados e do Distrito Federal, que permitirá que as correições judiciais possam cancelar registros falsos, inclusive cotejando os registros constantes nos livros com as informações dos órgãos fundiários.

            Portanto, se visa possibilitar que também os órgãos fundiários do Poder Público, conforme jurisdição a que o imóvel esteja submetido, possam solicitar diretamente ao Cartório de Registro o cancelamento de registro manchado de nulidades, por meio da via administrativa, em vez da judicial, mantendo-se a atual regra de essa impugnação também ser alegada pelo Ministério Público ou por qualquer pessoa que demonstre interesse jurídico (caso de disputa de propriedade entre particulares).

            Objetivamos, finalmente, ver passar a ser exigido dos cartórios que consultem os órgãos fundiários por ocasião de quaisquer registros de imóveis, seja transferência ou qualquer contrato civil (compra e venda, hipoteca, dação em garantia etc.).

            Estamos também propondo modificação no art. 289, estabelecendo o seguinte: “No exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro consultar os órgãos fundiários da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios, conforme a jurisdição a que estiver submetido o imóvel, além da obrigação de fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício”.

            Assim, essa proposição tem o escopo de introduzir na Lei de Registros Públicos a obrigatoriedade de os Cartórios de Registro consultarem os órgãos fundiários por ocasião de quaisquer registros de imóveis, além do dever da parte interessada no registro apresentar a certidão de regularidade cadastral antes de proceder ao registro, à semelhança do que já ocorre com o certificado de imóvel rural e da certidão negativa de débito, que é fornecida pelo Fisco.

            Propomos também, no art. 176, § 1º, item II, o seguinte: “São requisitos da matrícula - acrescentamos o número 3 -: a identificação do imóvel, feita mediante indicação de suas características e confrontações, localização, área, denominação e registro cadastral do órgão fundiário do Estado ou Distrito Federal e da União, se rural, ou logradouro e número, se urbano, e sua designação cadastral pelo respectivo poder municipal.

            Modificamos ainda o art. 225 - Os tabeliães, escrivães e juizes farão com que, nas escrituras e nos autos judiciais, as partes indiquem, com precisão, as características, as confrontações e as localizações do imóveis, mencionando os nomes dos confrontantes e ainda quando se tratar só de terreno, se esse fica do lado par ou ímpar do logradouro, em que quadra e a que distância métrica da edificação ou da esquina mais próxima, exigindo dos interessados certidão do registro imobiliário e dos respectivos órgãos fundiários.

            Acrescentamos o seguinte:

§ 1º - As mesmas minúcias e documentos com relação à caracterização do imóvel devem constar dos instrumentos particulares apresentados em cartório para registro.

§ 2º - Consideram-se irregulares, para efeito de matrícula, os títulos nos quais a caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior ou dos cadastros fundiários do Poder Público.

Art. 227 - Todo imóvel objeto de título a ser registrado deve estar matriculado no livro nº 2, Registro Geral, obedecido o disposto nos artigos 176 e 236.

            Essa, sem dúvida, é a principal mudança da Lei de Registros Públicos, pois pela proposta aqui apresentada nenhum registro poderá ser feito sem que o imóvel a que se referir esteja matriculado e cadastrado nos órgãos fundiários do Poder Público.

            A Lei de Registros Públicos já atribuía ao oficial verdadeiro poder fiscalizador do recolhimento dos impostos devidos por força dos atos apresentados a registro (art. 289). Aí está consagrada a fiscalização do recolhimento do imposto de transmissão inter vivos e causa mortis. A própria legislação da Previdência Social estabelece uma fiscalização pelo oficial do registro de imóveis, pois qualquer registro sem a apresentação da certidão negativa de débito pela pessoa jurídica alienante dada pelo INSS acarreta a responsabilidade do oficial e sujeita-o a elevadas multas (arts. 48 e 92 da Lei 8.212/91). Com essa segurança, o INSS dispõe de direitos reais de garantia e do próprio instituto de evitar a fraude à execução. Veja que o INSS nada tem a ver com a atividade fundiária, só que a lei previdenciária exige a certidão de nada consta como forma de dificultar a sonegação e a fraude contra o próprio INSS.

            Outra hipótese já prevista na legislação é quando da averbação da construção, vez que, sem que seja apresentada a CND, o oficial do cartório fica sujeito a graves conseqüências. Então a nossa proposta está apenas seguindo o mesmo princípio orientador da Lei de Registros Públicos referente a tributos, de forma que se acrescentou como obrigação do oficial de registro o dever de exigir comprovante de regularidade fundiária do respectivo Poder Público a que estiver sujeito o imóvel.

            Gostaríamos de comentar sobre a formação de um cadastro único de registros imobiliários, e fizemos a proposta do art. 236 para essa matéria:

            Art. 236 - Nenhum registro poderá ser feito sem que o imóvel a que se referir esteja matriculado e cadastrado nos órgãos fundiários do Poder Público.

            Desde a vigência da Lei de Registros Públicos foi introduzido no sistema brasileiro a figura da matrícula em substituição ao antigo sistema de transcrição dos títulos. Por conseguinte, todos os atos de registro referente a imóveis passaram a ser lançados na matrícula específica de cada imóvel, espécie de registro matriz, que permanecerá indefinidamente enquanto não desintegrado o imóvel matriculado em virtude de desmembramento ou alienações parciais (arts. 176 e 227 da LRP).

            Assim, a instituição da matrícula no registro imobiliário teve por finalidade a constituição de um registro fundiário a partir do qual, quando afinal completo, poderá tornar-se possível a adoção de um regime semelhante ao do atual direito alemão, ou seja, um sistema cadastral único, motivo pelo qual se introduziu a exigência de apresentação das respectivas certidões de regularidade cadastral perante os órgãos fundiários.

            Todavia, o sistema brasileiro diverge do alemão no sentido de que entre nós a transcrição do título aquisitivo da propriedade do imóvel produz efeitos limitados, pois relativa e não absoluta a presunção de pertencer o imóvel a pessoa cujo nome figura na transcrição como adquirente, admitindo-se prova em contrário, enquanto que no sistema alemão essa presunção é absoluta, porquanto não se admite prova em contrário como decorrência do rigor dos seus cadastros, no que vem apresentando graves abusos e injustiças.

            Todavia, mesmo constituindo, em nosso sistema, relativa presunção, o registro de imóveis faz prova do direito inscrito e de sua titularidade, e, nesse sentido, a proposta em apreço filiou-se à tradição do Direito brasileiro. Em outras palavras, quero dizer que, para provar em juízo, ao titular inscrito basta a mera apresentação da certidão de registro. O teor do registro admite contestação, mas o ônus da prova é de quem contesta. A proposta em comentário mantém essa regra e apenas possibilita que esse debate ocorra em âmbito administrativo, podendo ser argüido não só pelo Ministério Público, mas também pelo próprio Poder Público e por qualquer pessoa que demonstre interesse jurídico, com indícios de fraude e outros ilícitos - como já salientado.

            Portanto, se atualmente o registro de imóveis no Brasil não oferece garantia plena, compete ao Poder Público buscar essa segurança, o que ora se pretende com a presente proposição, ao criar mecanismos de se expurgar os registros nulos e criar a obrigação de que, quando da matrícula ou feitura de um negócio imobiliário, é imprescindível a apresentação da certidão do respectivo órgão fundiário antes da concretização daquele, no sentido de que possa o registro público refletir a verdade fundiária do país e instruir, de forma clara e precisa, quanto à viabilidade ou não do negócio a ser realizado, evitando, dessa forma, problemas futuros aos interessados e à coletividade, sendo que, muitas vezes, o mesmo imóvel possui dois ou três donos. Repita-se: já existe essa exigência pertinente aos tributos. Porém, queremos que também seja pertinente aos registros.

            Compete lembrar, ainda, que essas inovações, de certa maneira e para alguns poucos casos, já são utilizadas como nos casos de registros de imóveis rurais, pois, por força da Lei 5.709/71 e do Decreto 74.965/74, a aquisição de imóveis rurais por estrangeiro - quer dizer, apenas para estrangeiros, isso já se exige hoje - requer autorização do Incra ou do próprio Presidente da República, e é o oficial do cartório que também controla as áreas em poder de estrangeiros, por nacionalidade, para impedir que seja excedido o limite legal de 25% do território nacional e de 10% por nacionalidade, o que já é um absurdo, mas é o que a lei determina. Assim, o próprio cadastramento compulsório já encontra no registro forte aliado, na medida em que a inscrição só pode ser feita com a exibição do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural - CCIR.

            Esse projeto, Srª Presidente, que já foi entregue à Mesa hoje, é bastante trabalhado e objetiva acabar com essas preocupações. O escândalo mais recente e coincidentemente divulgado na quinta-feira pelo Jornal Nacional já é algo de que vimos tratando. O projeto vem sendo pensado, analisado, discutido há bastante tempo, mas sua apresentação coincidiu com essa reportagem em que se conta a história de mais de 20 propriedades no Estado do Pará, todas em nome de uma única pessoa, Carlos Medeiros, um fantasma, uma pessoa que simplesmente não existe, mas que possui, em mais de 20 propriedades, áreas superiores à de alguns países da Europa.

            Há também o caso, repito, mais grave do dono da C.R. Almeida, Sr. Cecílio do Rego Almeida, que conseguiu registrar no cartório de Altamira uma área de mais de 4 milhões de hectares de terra, mas se diz, na verdade, que ela chega a mais de sete milhões de hectares. Ao mesmo tempo, observamos a dificuldade do Governo em atender a demanda dos trabalhadores por terra. Isso ocorre enquanto vemos o absurdo registrado no último Censo: a população urbana brasileira atingiu a inacreditável cifra de 82%; apenas 18% mora na zona rural.

            É preciso inverter esse processo de desenvolvimento e levar o homem ao campo. O primeiro passo é regularizar a documentação fundiária das terras brasileiras. Por isso, estamos apresentando esse projeto. Esperamos que o Senado o aprecie com a maior brevidade possível.

            Muito obrigado.


            Modelo15/1/245:42



Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/12/2000 - Página 24700