Discurso durante a 173ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comenta portaria do Ministério da Justiça, ressaltando a importancia do respeito ao desenvolvimento gradual das crianças e adolescentes.

Autor
João Alberto Souza (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MA)
Nome completo: João Alberto de Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TELECOMUNICAÇÃO.:
  • Comenta portaria do Ministério da Justiça, ressaltando a importancia do respeito ao desenvolvimento gradual das crianças e adolescentes.
Publicação
Publicação no DSF de 14/12/2000 - Página 25088
Assunto
Outros > TELECOMUNICAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, POLEMICA, PORTARIA, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), DISPOSIÇÃO, PROGRAMAÇÃO, EMISSORA, TELEVISÃO, PAIS.
  • APREENSÃO, SOCIEDADE, QUALIDADE, PROGRAMA, EMISSORA, TELEVISÃO, AUSENCIA, RESPEITO, AMPLIAÇÃO, DIVULGAÇÃO, PROGRAMAÇÃO, EXPLORAÇÃO, VIOLENCIA, PORNOGRAFIA, INFLUENCIA, COMPORTAMENTO, CRIANÇA, ADOLESCENTE.
  • DEFESA, NECESSIDADE, GARANTIA, RESPEITO, DESENVOLVIMENTO, CRIANÇA, ADOLESCENTE.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. JOÃO ALBERTO SOUZA (PMDB - MA) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, há momentos na história das sociedades em que determinadas preocupações, sentidas como problemática coletiva, ou determinados acontecimentos que interessam a muitos, são sintetizados em palavras-chave. Assim, à integração dos mercados mundiais, deu-se o nome de “globalização”, ao livre, rápido e descompromissado deslocamento dos recursos que procuram mercados mais atraentes, de “dinheiro voador”. A Constituição de 1988 proclamou a necessidade da luta pela “cidadania”. A descoberta de que a natureza, se expropriada, se exaure em prejuízo de todos, criou a “ecologia”. À proliferação das pichações nos muros das cidades e às representações novelescas dos programas televisivos dá-se o nome de “arte”. Recentemente, em face dos escândalos no campo da administração do dinheiro público, renasceu a afirmação da “ética”. Nas últimas eleições de outubro, em todos os palanques, falou-se da urgência da “ética na política”. Após a edição da Portaria n.º 796, de 8 de setembro último, do Ministério da Justiça, ressurgiu com mais vigor a questão da “ética nos programas de televisão”. “Ética” passou a ser uma das palavras-chave do momento.

            As palavras, embora sejam abstração da realidade, aplicam-se a coisas reais. Nesse jogo, podem esvaziar-se de conteúdo, quando aplicadas a qualquer circunstância e com qualquer abrangência. O problema com a “ética” não foge à regra: seu uso, generalizado e sem decorrências práticas, pode suprimir-lhe o sentido.

            Segundo Max Weber, a ética é uma virtude adaptável, variável. Assim, não existe uma ética, existem éticas, uma ética para cada situação. De acordo com a visão, a ética é utilizável mais para justificar ou aprovar condutas e menos para definir parâmetros gerais que, obedecidos, fazem com que as coisas funcionem bem. 

            Para Aristóteles, havia virtudes éticas e virtudes dianoéticas. Aquelas derivavam da prática e eram voltadas para a consecução de um fim, como a realização da ordem no Estado, da justiça, dos valores, da amizade. Essas, as virtudes dianoéticas, eram as virtudes básicas, relacionadas à inteligência, à razão, à prudência, à sabedoria. Haveria, portanto, interpretando Aristóteles, uma ética operacional, e uma ética essencial, princípio geral, imutável.

            Ao longo da história do pensamento, os estudiosos, didaticamente, estabeleceram um consenso: ética seria um conjunto de normas e atitudes, de caráter moral, predominantes em uma sociedade. Essas normas e atitudes, no entanto, são sustentáveis e aceitáveis se justificadas do ponto de vista filosófico. Justificadas, portanto, como princípios essenciais. No caso, princípios essenciais relacionados ao ser humano, uma vez que ética, conforme a etimologia grega, se relaciona a costumes. 

            Não subsiste dúvida de que, na discussão sobre a qualidade dos programas da televisão, o que está predominando é um “relativismo operacional da ética”. É ético o que serve para conseguir um fim. Dessa forma, a ética deixa a esfera do universal, para diluir-se em visões, de acordo com os interesses em jogo, individuais ou corporativos, de empresas privadas ou do poder público. As palavras e as ações esvaziam-se. As ações de hoje são negadas amanhã; o princípio estabelecido hoje, amanhã é “enérgico” demais. 

            Admitido, então, o relativismo ético, como justificar valores e optar por eles, como, por exemplo, o valor do respeito às etapas do desenvolvimento humano, especialmente da infância à adolescência? Na verdade, não é essa a questão que preocupa grande parte da sociedade no que diz respeito à qualidade dos programas da televisão?

            A celeuma criada com a publicação da Portaria 796 do Ministério da Justiça tem raízes no contraste das visões éticas. No contraste entre éticas de interesse imediato e a qualquer custo e a ética de instituições constituídas para salvaguardarem os valores básicos que fazem com que as coisas, na coletividade, funcionem bem. Um desses valores básicos é, sem dúvida, o respeito à gradualidade do desenvolvimento do ser humano. 

            Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, há muito tempo grande parte da sociedade brasileira se vem manifestando preocupada com a qualidade dos programas que as emissoras nacionais de televisão aberta estão jogando dentro dos lares brasileiros. De seu lado, o Ministério da Justiça, há tempo, aguarda que essas mesmas emissoras estabeleçam e implementem um código de ética, uma auto-regulamentação à qual obedecer para disciplinar a projeção dos seus programas. No entanto, nada foi apresentado até o momento. Não foi atingido um consenso, segundo as informações divulgadas. Por sua vez a ABERT - Associação das Emissoras de Rádio e Televisão possui um código de ética, mas não está sendo utilizado pelas emissoras. É óbvio, o consenso não é mesmo fácil quando estão em jogo os interesses.

            Diante dessa realidade de indefinição, no entanto, o conteúdo, os enredos, as tramas, as imagens dos programas vêm sendo elaborados e projetados para milhões de telespectadores brasileiros, especialmente de crianças e adolescentes, de forma cada vez mais arrojada, sem preocupação com propriedade, tempestividade ou conveniência.

            Não há como os órgãos competentes ficarem indiferentes em face do espaço ocupado pela televisão no Brasil, um espaço talvez único no mundo. A televisão penetra nas casas, induz valores, sugere comportamentos, vende consumismo e força a queima de etapas no desenvolvimento infantil. Aliás, de acordo com o interesse em jogo, as etapas do desenvolvimento são manipuladas, ora “infantilizando” meninos, adolescentes e adultos, ora empurrando para comportamentos de adulto crianças, meninas e meninos.

            Segundo a psicanalista Ana Olmos, especializada em infância e adolescência, Diretora do Centro de Estudos Multidisciplinares da Criança - CEMDC: “Em um país que ainda tem alto índice de analfabetismo é preciso levar em conta que a TV aberta é um instrumento de educação, com um potencial maravilhoso para levar conhecimento à população. Ela tem grande importância em qualquer país, mas, no Brasil, sua função social é mais expressiva diante do quadro de miséria informativa em que vive grande parte da população”. 

            A sociedade, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, não pretende, nem seria educativo, implantar o moralismo na televisão. O que a sociedade não aceita é a banalização, o espetáculo apelativo, a exploração sensacionalista, o arremedo de arte, o vulgar, enfim, a sociedade não aceita a programação de “baixo nível”. De forma recorrente, afirma-se que o “povão” gosta das cenas chocantes. Como justificar isso sem oferecer a esse mesmo “povão” uma programação de qualidade? Na época da escravidão, os escravos eram alimentados com feijoada. Era a comida de que gostavam, afirmou-se. Ora, como afirmar isso se não tinham acesso à comida mais elaborada dos seus donos?

            O problema da proteção dos menores em referência aos programas de televisão ultrapassa a liberdade singular, de indivíduo ou de empresa. As implicações sociais, éticas e morais que se colocam na base de uma opção consciente na utilização dos meios de comunicação de massa estabelecem parâmetros para uma abordagem presente e ativa das instituições. Aliás, essa questão exige mais que uma simples abordagem, configura-se como dever de intervir na relação pedagógica, educacional e formativa, que se dá na família e na sociedade entre os adultos e os menores, em benefício do crescimento cultural e pessoal das crianças e dos adolescentes.

            Não há como negar que o apelo à sensualidade, ao descompromisso na relação humana, à pornografia e à violência em grande parte dos programas que ocupam as telas da televisão está cada vez mais disponível às crianças e aos adolescentes. Crianças e adolescentes, por uma questão óbvia de idade, não têm a necessária capacidade crítica para distinguir os comportamentos sadios dos doentios e prejudiciais. Isso não prejudica apenas de forma momentânea. O prejuízo formativo vai além. As conseqüências são mais profundas, na medida em que concorrem na desagregação dos núcleos sociais e no encaminhamento para atitudes de desvio e delinqüência.

            A luta contra a criminalidade telemática não pode restringir-se ao campo de proteção das aplicações nas bolsas ou nas contas bancárias. O crime pior, hediondo, que pode ser perpetrado por meio dos meios de comunicação de massa brota, salta exatamente da capacidade que a televisão tem de entrar nos lares em qualquer hora sem nenhum tipo de filtragem, entrar e bombardear com mensagens e simbologias que constrangem para comportamentos não desejados e que não servem. Isso é tanto mais grave quanto mais débil e despreparada é a consciência que é atingida com mensagens ambíguas ou abertamente transgressivas, com estereótipos de vida, com mitos sociais, com símbolos, com chamamentos homogeneizantes, com futilidades elevadas a valor social.

            Sobre os ombros da sociedade e de suas instituições, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, em relação à proteção dos menores, de todos os níveis, pesa uma responsabilidade inalienável: a responsabilidade do respeito ao processo gradual e equilibrado do seu desenvolvimento. Uma criança impossibilitada de analisar criticamente o que lhe é oferecido, atropelada no seu desenvolvimento humano é um atentado hediondo contra as virtudes éticas e dianoéticas: é um atentado contra a ordem do Estado e da justiça, contra a inteligência, contra a razão, contra a sabedoria, contra a prudência, contra a Nação, uma vez que desfibra a personalidade dos cidadãos do futuro.

            Era o que tinha a dizer.


            Modelo15/2/248:57



Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/12/2000 - Página 25088