Discurso durante a 172ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao centenário do Laudo Arbitral do Presidente da Confederação Suíça que fixou as fronteiras entre o Brasil e a Guiana Francesa, pelo qual o Brasil incorporou definitivamente ao seu território cerca de 200.000km quadrados.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao centenário do Laudo Arbitral do Presidente da Confederação Suíça que fixou as fronteiras entre o Brasil e a Guiana Francesa, pelo qual o Brasil incorporou definitivamente ao seu território cerca de 200.000km quadrados.
Publicação
Publicação no DSF de 13/12/2000 - Página 24756
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, LAUDO ARBITRAL, PRESIDENTE, CONFEDERAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, SUIÇA, FIXAÇÃO, FRONTEIRA, BRASIL, GUIANA FRANCESA, INCORPORAÇÃO, REGIÃO, ESTADO DO AMAPA (AP), TERRITORIO NACIONAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente; Srªs e Srs. Senadores; Sr. Ministro de Estado das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia; Sr. Ministro de Estado das Comunicações, Pimenta da Veiga; Srs. diplomatas aqui presentes; Srs. convidados; futuros diplomatas do Brasil, alunos do Instituto Rio Branco que estão conosco nesta tarde, creio que, se fosse possível, deveríamos propor uma reforma do Regimento do Senado, para que, após certos discursos, o Presidente tivesse a prerrogativa de declarar a desnecessidade dos que lhe seguiriam. E seria o caso de aplicarmos esse dispositivo hoje, porque o Presidente José Sarney, com o conhecimento que tem, esgotou o assunto. Eu diria até que foi uma espécie de convalidação da proposta de Rio Branco, afinal vitoriosa por decisão do Presidente da Confederação Helvética.

            De qualquer forma, a minha presença nesta tribuna serve para assinalar, não tendo eu o privilégio de ser representante do Estado do Amapá, a relevância que o fato adquiriu para o Brasil, para o País como um todo.

            No dia 1º de dezembro próximo passado, completaram-se cem anos de um relevante marco na história da formação territorial do Brasil. Nessa data, há um século, foi decidido, a nosso favor, o conflito diplomático com a França em torno da posse do território que forma hoje o Estado do Amapá.

            A França, importante potência, reivindicava aquela grande extensão de terras como sendo parte da Guiana Francesa. A pressão sobre o Brasil era forte. A imprensa francesa publicava artigos inflamados, exigindo a soberania sobre o território que se estendia desde a Guiana até o rio Araguari, isto é, quase até o rio Amazonas. Um ex-governador francês da Guiana opunha-se a que se resolvesse o conflito por via de arbitragem diplomática; preconizava, em vez disso, a ocupação militar do território contestado, concomitantemente com o envio de um ultimato e de uma esquadra francesa ao Rio de Janeiro, então capital do Brasil.

            O Brasil conseguiu, no entanto, que a questão fosse submetida a um processo de arbitragem. O árbitro escolhido pelas duas partes foi o Presidente da Suíça. Durante vários anos, Brasil e França a ele encaminharam defesa detalhada e documentada de suas posições. A 1º de dezembro de 1900, saiu o laudo arbitral suíço dando ganho de causa ao Brasil. Uma importante fatia de nossa Amazônia, objeto de cobiça estrangeira, incorporou-se, com isso, firmemente, à nossa soberania. A área disputada media mais de duzentos mil quilômetros quadrados.

            O transcurso do centenário desse evento, que fixou os limites com a Guiana Francesa, é ocasião para que prestemos, mais uma vez, justa homenagem ao Barão do Rio Branco, o diplomata brasileiro encarregado, nessa disputa, da elaboração da defesa dos nossos direitos.

            José Maria da Silva Paranhos, o Barão do Rio Branco, não era ainda, na ocasião, o Ministro das Relações Exteriores que viria a ser, mas já estava consagrado, aos cinqüenta anos de idade, como brilhante diplomata. Quando começou a trabalhar no conflito do Amapá, designado pelo Presidente Prudente de Morais, em 1895, ele acabara de obter uma outra vitória diplomática: a questão da fronteira com a Argentina, na região das Missões, fora decidida a nosso favor, também por arbitragem internacional, confiada ao Presidente dos Estados Unidos. As pretensões brasileiras na região das Missões, conforme sustentadas por Rio Branco, com erudição e habilidade, obtiveram ganho de causa total, o que guindou o talentoso diplomata, da noite para o dia, à condição de herói nacional.

            A defesa de nossos direitos na questão do Amapá foi apresentada por Rio Branco em minuciosos relatórios chamados Memórias: uma primeira Memória, com a argumentação principal e inicial; e uma segunda, réplica ao correspondente documento francês. As duas Memórias, ambas de 1899, levadas ao Presidente da Confederação Suíça, além de constituírem verdadeiras aulas de história e de diplomacia, são peças literárias da mais alta qualidade, em que os recursos da retórica, aliados à firmeza de espírito e à concisão objetiva de linguagem e de argumentação, produzem um texto de sabor inigualável.

            As duas Memórias pareciam ser quase uma justificativa, a posteriori, para a eleição do Barão, um ano antes, para a Academia Brasileira de Letras.

            Rio Branco considerava o conflito diplomático com a França mais complicado e difícil que o litígio anterior, com a Argentina. Em comparação, na questão do Amapá, ele teve a seu dispor mais tempo e mais recursos para aprofundar suas pesquisas e análises de antigos tratados, velhos mapas e variados depoimentos históricos. Rio Branco evidenciou, logo de início, seu talento na formulação do próprio Tratado de Arbitramento, na definição do objeto de litígio, conforme já nos disse aqui o Presidente Sarney em seu discurso. Para favorecer a causa brasileira, ele conseguiu restringir a arbitragem principalmente à definição da identidade do rio Oiapoque, que a França pretendia confundir com o rio Araguari.

            Dispondo de tempo, o Barão preparou peças de defesa exemplares. Escreveu-as em francês, idioma da diplomacia da época. As duas Memórias constituem, cada uma dentro de seu espírito, textos primorosos de exposição, argumentação e estilo, que as situam entre os documentos magistrais de nossa diplomacia e talvez sejam, como obra literária em seu gênero, as obras-primas de Rio Branco. As duas Memórias se apresentavam com perfis bem diferentes, pautadas pelos motivos que as provocaram e pelas necessidades imediatas a que se destinavam. A primeira foi um texto didático, expositivo, sereno, exaustivo na adução de documentos que corroborassem as posições do Brasil e fertilíssimo em notas elucidativas. Vinha enriquecida de dois atlas, com noventa e quatro mapas. Tinha vários apêndices: um volume com vinte e sete documentos diplomáticos; outro, com documentação relativa às frustradas negociações entre Brasil e França em 1855 e 1856; e dois outros, contendo a íntegra da documentadíssima obra de Joaquim Caetano da Silva, aqui exibida pelo Presidente José Sarney, O Oiapoque e o Amazonas, importante fonte para a argumentação brasileira.

            A segunda Memória, apresentada oito meses depois da primeira, é uma resposta às alegações da França, uma réplica. Como tal, foi vazada em estilo bem diverso do tom moderado que o Barão usou na primeira. Na réplica, ele lançou mão de uma retórica mais agressiva, de uma ironia contida, sem abrir mão de uma férrea lógica. Ele utiliza argumentos e documentos apresentados pelos franceses para, com eles próprios, mostrar o direito inequívoco do Brasil. Desqualifica testemunhos, refuta o arrazoado do adversário, muitas vezes usando conceitos apresentados pelo lado francês ou por suas autoridades.

            Na segunda Memória, Rio Branco vai cravando suas razões, sucessivamente, com inescapável perícia. A segurança no encaminhamento racional, abrangente e inexorável de sua exposição na primeira Memória é complementada, na segunda, por um virtuosismo de argumentações que se desenvolvem em uma escalada inevitável, rumo à fixação da defesa brasileira em posição incontestável.

            A réplica do Barão é realmente um texto memorável, não só como documento diplomático, mas, sobretudo, pela excelência literária. Se a primeira Memória apresentava um desenvolvimento expositivo coerente do começo ao fim, a segunda consiste em uma série de argumentações voltadas diretamente para a destruição de precisas alegações francesas. Para fazê-lo, recorrendo à sólida documentação que havia juntado, usou de um estilo leve, elegante e gracioso, apto a angariar a simpatia do árbitro e a debilitar o arrazoado do oponente. A aridez do assunto foi magistralmente irrigada pelo Barão com uma leveza de estilo que criou uma rara peça literária em seu gênero.

            A demonstração erudita de Rio Branco, meticulosa seqüência de racionalidade, é um texto saboroso, pelas passagens irônicas, e mesmo jocosas, que solapavam os argumentos do adversário. Seu virtuosismo entusiasmado só pode ter cativado o árbitro suíço, que, convencido das razões brasileiras, deu ganho de causa ao Brasil, em seu laudo de 1º de dezembro de 1900. Pelo laudo, fixou-se a fronteira com a Guiana Francesa pelo talvegue do rio Oiapoque e pelo divisor de águas da bacia amazônica, a serra Tumucumaque.

            Se uma das razões da vitória do Barão foi o acúmulo erudito de provas incontestáveis, outra foi a qualidade admirável dos textos que produziu. De qualquer forma, seu triunfo resultou na integração definitiva do Amapá ao território nacional.

            Sr. Presidente, esse centenário merece ser comemorado, relembrado e festejado. E dele devemos tirar lições. Nesta nossa época pós-moderna, em que muitas vezes se fala em internacionalização da Amazônia, é bom notar que o talento diplomático, de que certamente continuamos a dispor, pode e deve alavancar os interesses do País, recorrendo às vantagens com que ele se apresenta no cenário internacional.

            Penso, Sr. Presidente, sobretudo, no momento em que estamos vivendo. Já não é o momento da definição de fronteiras físicas, territoriais. É o momento em que essa luta se dá em outros planos: o da integração; o do livre comércio; o das trocas econômicas; o de mecanismos, como a Alca, que se colocam diante de nós repletos de desafios.

            Nesse contexto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o País deve também olhar para a sua diplomacia. Quem serão os barões do rio branco de hoje? Quem serão os veigas cabral, os cabraizinhos de hoje? São desafios que realmente requerem de nossa parte o mesmo patriotismo, o mesmo entusiasmo, o mesmo talento dos nossos antepassados, qualidades essas que agora evocamos aqui com justo orgulho. O front mudou, mas, de certa forma, a luta permanece.

            Uma das formas pelas quais o Brasil se destaca é, certamente, o peso de sua economia, que, no momento, passa por fase auspiciosa de crescimento, fruto da disciplina e dos sacrifícios dos anos recentes. Outra forma há de ser o resultado dos esforços e dos avanços que vamos registrando em áreas sociais como a saúde, a educação e o combate à pobreza e em questões como os direitos humanos e os cuidados ambientais.

            Se a soberania se fixava, em épocas primeiras, por conquistas e guerras e, depois, por habilidades e manobras diplomáticas, hoje, ela tem que ser, principalmente, fruto do fortalecimento interno do País. Se olharmos, com o necessário distanciamento, com a devida perspectiva e a apropriada isenção, para o panorama dos últimos anos, não poderemos negar que, apesar das dificuldades, estamos avançando rumo a esse fortalecimento e, portanto, conquistando uma posição mais sólida, a partir da qual poderemos melhor defender nossos direitos e nossas reivindicações.

            Muito obrigado. (Palmas)

 

            


            Modelo15/18/243:18



Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/12/2000 - Página 24756