Discurso durante a 174ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o posicionamento do Brasil nas negociações em andamento no âmbito do Mercosul, na Organização Mundial do Comércio e eventual formação das Áreas de Livre Comércio das Américas - ALCA.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. ECONOMIA NACIONAL.:
  • Considerações sobre o posicionamento do Brasil nas negociações em andamento no âmbito do Mercosul, na Organização Mundial do Comércio e eventual formação das Áreas de Livre Comércio das Américas - ALCA.
Publicação
Publicação no DSF de 15/12/2000 - Página 25160
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, IMPOSIÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), CANADA, AMEAÇA, BRASIL, REFERENCIA, CRIAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), DISPUTA, EMPRESA BRASILEIRA DE AERONAUTICA (EMBRAER), MERCADO INTERNACIONAL, AERONAVE.
  • COMENTARIO, DEMONSTRAÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, INICIO, MOBILIZAÇÃO, DEFESA, INTERESSE NACIONAL, NATUREZA COMERCIAL, AREA INTERNACIONAL.
  • SAUDAÇÃO, CELSO AMORIM, REPRESENTANTE, BRASIL, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), EFICACIA, RESPOSTA, OFENSA, EMBAIXADOR, PAIS ESTRANGEIRO, CANADA.
  • QUESTIONAMENTO, DECLARAÇÃO, MENDONÇA DE BARROS, EX MINISTRO DE ESTADO, PUBLICAÇÃO, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PREVISÃO, EXTINÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), INSUCESSO, BRASIL, HIPOTESE, CONFLITO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ANTECIPAÇÃO, PREDOMINANCIA, DOLAR, AMERICA.
  • COMENTARIO, CRIAÇÃO, GRUPO DE TRABALHO, SENADOR, DISCUSSÃO, SITUAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, IMPEDIMENTO, RISCOS, UTILIZAÇÃO, DOLAR, MOEDA, BRASIL.
  • SOLICITAÇÃO, COMPARECIMENTO, MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), ESCLARECIMENTOS, SENADO, RELACIONAMENTO, GOVERNO ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, PERU, GOVERNO BRASILEIRO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Lauro Campos, Srªs e Srs. Senadores, quero dirigir-me, hoje, a questões que têm estado no centro do debate sobre economia e política internacional nas semanas recentes: o posicionamento do Brasil nas negociações e disputas comerciais em andamento no âmbito do Mercosul, da Organização Mundial do Comércio e da eventual formação de uma área de livre comércio nas Américas - a Alca.

            Venho acompanhando os acontecimentos recentes com um misto de preocupação e satisfação. A preocupação deve-se às múltiplas indicações de que o Brasil está sofrendo pressões sérias, nem sempre justificáveis ou aceitáveis, quanto à forma ou ao conteúdo, dos países desenvolvidos. Refiro-me, em especial, aos Estados Unidos e ao Canadá. O primeiro vem procurando forçar a mão no que diz respeito à criação da Alca. O segundo, agora com a autorização da OMC, ameaça o Brasil com retaliações por conta de disputas com a Embraer pelo mercado de aeronaves.

            Em ambos os casos, temos visto arrogância e prepotência no trato das questões. A entrevista extraordinariamente antidiplomática e agressiva concedida recentemente pelo Embaixador Richard Fisher, o número dois do escritório de representação comercial dos Estados Unidos, a um jornal argentino, repercutiu com força no Brasil e na Argentina, como seria de se esperar. O representante do Canadá na OMC, Embaixador Sergio Marchi, também foi grosseiro e antidiplomático ao responder a considerações do nosso representante na OMC, o Embaixador Celso Amorim. Não será dessa forma que se conseguirá construir uma base sólida para um diálogo proveitoso entre os países da América.

            Disse, entretanto, que acompanho esses eventos com um misto de preocupação e de satisfação. A satisfação se deve à impressão de que o Governo brasileiro começa a se mobilizar para uma defesa um pouco mais consistente dos interesses comerciais externos do País. Esses embates sugerem que o Brasil não está mais seguindo tão passivamente as regras do jogo tal como formuladas e consagradas pelas grandes potências. Desde os tempos do Governo Collor, a tendência dos Governos brasileiros, inclusive do atual, vinha sendo de manter uma postura basicamente passiva na área internacional. Nunca chegamos aos exageros de outros países latino-americanos, mas a tradição brasileira de defesa dos interesses nacionais e de uma política externa relativamente autônoma foi muito enfraquecida. Em nome de uma suposta nova era de mundialização, fomos levados à abertura unilateral da economia e a descuidar dos interesses brasileiros.

            Não colhemos bons resultados. Nos anos 90, fomos de crise em crise e terminamos o período com níveis recordes de desemprego e a economia estagnada. Agora, há sinais de mudança no posicionamento internacional do Brasil. A própria agressividade de alguns países desenvolvidos talvez seja um sintoma disso. Estavam já habituados a um Brasil passivo e cabisbaixo. Parecem não querer vê-lo às voltas com a defesa das suas próprias prioridades e dos seus interesses.

            Gostaria de saudar desta tribuna o nosso representante na Organização Mundial do Comércio em Genebra, o Embaixador Celso Amorim, que, pelos relatos que pude ler nos jornais de ontem, em especial na Gazeta Mercantil, respondeu com altivez e ironia a grosseria do Embaixador canadense. O Canadá está, agora, autorizado pela OMC a aplicar retaliações contra o Brasil. Vamos esperar que o governo canadense não siga esse caminho. O Canadá e o Brasil são países amigos, que têm muitos interesses e negócios comuns. Evidentemente, na vida real, nem sempre apelos desse tipo têm eficácia. Assim, devemos encarar com naturalidade que o Governo brasileiro esteja se preparando para responder a eventuais retaliações canadenses. Segundo o jornal Valor, na sua edição de ontem, o Governo já prepara um pacote de contra-retaliações ao Canadá no mercado brasileiro para a hipótese lamentável de que não prevaleçam o diálogo e o bom senso.

            Contrariamente à avaliação de alguns analistas, também considerei positivas as reações de alguns setores do Governo brasileiro - do Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Alcides Lopes Tápias; do Ministro da Agricultura e do Abastecimento, Marcos Vinícius Pratini de Moraes; do Ministro de Relações Exteriores, Embaixador Luiz Felipe Palmeira Lampreia, e do Embaixador Botafogo Gonçalves - à desastrada entrevista do Embaixador Fisher sobre a Alca, atenuada depois, em parte, por declarações da Embaixadora Charlene Barshefsky, titular do escritório comercial dos Estados Unidos e, portanto, chefe do Embaixador Fisher. Quem quer que tenha examinado o teor das declarações de Fisher - que ainda hoje procura minimizá-las e consertá-las, dizendo que teria sido um mal entendido - sabe perfeitamente que o Governo brasileiro jamais poderia ter deixado sem uma resposta dura as suas manifestações. Só desejo estranhar o silêncio e a omissão de alguns setores do Governo, em especial do Ministério da Fazenda e do Banco Central. Como o Ministro Pedro Malan e o Presidente Armínio Fraga se encontram hoje em Florianópolis, junto com o Presidente Fernando Henrique Cardoso e com os demais membros do Ministério, como o Ministro Luiz Felipe Lampreia, com chanceleres e Presidentes dos demais países do Mercosul, espero que lá possam - o Ministro Pedro Malan e o Presidente Armínio Fraga - fazer declarações à altura. 

            Aliás, esses setores vinham preconizando, em linha com o Fundo Monetário Internacional, uma redução da Tarifa Externa Comum do Mercosul, a TEC, de 17% para 14%. Algo inoportuno, tendo em vista o desempenho decepcionante da balança comercial e a vulnerabilidade das contas externas brasileiras. Felizmente, parece ter prevalecido a posição dos Ministérios do Desenvolvimento e da Agricultura. E o Brasil está indo para a Nona Reunião de Cúpula do Mercosul, hoje, em Florianópolis, com a proposta de manutenção da TEC nos níveis atuais.

            São passos em uma direção que me parece mais correta do que o caminho que trilhamos ingênua ou imprudentemente nos anos 90. Concessões comerciais unilaterais, feitas pelo Brasil, sem contrapartida, combinadas com persistente sobrevalorização cambial, um sistema tributário inadequado e custos financeiros internos proibitivos trouxeram graves dificuldades para as empresas brasileiras. O País perdeu mercados duramente conquistados no exterior. O mercado interno foi invadido por importações. Surgiram graves desequilíbrios nas contas externas do Brasil. Ficamos vulneráveis e mais dependentes.

            A experiência mostrou os problemas do caminho seguido. Está mais do que na hora de buscar um novo rumo, ainda que isso desagrade alguns de nossos interlocutores no exterior. Não há motivo para derrotismo. O Brasil é um País de peso, perfeitamente capaz de defender seus interesses.

            Ainda ontem, quando da visita do Presidente da África do Sul, Thabo Mbeki, ao Senado Federal, o Presidente desta Casa, Senador Antonio Carlos Magalhães, e eu tivemos oportunidade de ouvir do Presidente Thabo Mbeki o quão o Brasil é considerado em função do seu estágio de desenvolvimento, do seu tamanho, da riqueza de sua economia e de seus recursos humanos. O Brasil é considerado um farol muito importante para todos os países, como ressaltou o Presidente da África do Sul, sucessor do extraordinário estadista Nelson Mandela.

            Estranhei as declarações do ex-Ministro Mendonça de Barros, publicadas ontem pelo jornal O Estado de S.Paulo. Ele que, por vezes, fez críticas bem fundamentadas à orientação do Ministério da Fazenda e do Banco Central, nessa entrevista disse coisas surpreendentes. Previu a morte do Mercosul. Previu também a derrota do Brasil num suposto confronto com os Estados Unidos, que se preparam, segundo ele, para impor uma “derrota vexaminosa à diplomacia brasileira”. E foi mais longe: antecipa uma progressiva dolarização das Américas e declarou que “a moeda brasileira, daqui a alguns anos, será o dólar”.

            Considerei ainda mais grave a declaração do ex-Ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros por ser ele o Secretário do PSDB.

            Senador Pedro Simon, o ex-Ministro Mendonça de Barros afirmou “que a moeda brasileira, daqui a alguns anos, será o dólar”. Precisamos estar alertas para isso.

            Sr. Presidente, aproveito a oportunidade para informar que, diante dos inúmeros fatos que estão ocorrendo recentemente - como o Equador, no início do ano, declarar que a sua economia passaria a utilizar o dólar; El Salvador anunciar que, em janeiro próximo, vai utilizar o dólar; o Ministro da Fazenda do México, do novo Governo Vicente Fox, dizer que tem simpatia pela utilização do dólar nas Américas; o ex-Presidente Carlos Menem e o seu ex-Ministro Domingo Cavallo propugnarem seguidamente que o Mercosul deve passar a utilizar o dólar como sua moeda, e assim por diante -, se não tivermos cuidado, o Brasil, apesar das declarações feitas no início do ano pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, pelo Ministro Pedro Malan e pelo Presidente do Banco Central, Armínio Fraga, de que dolarizar a economia brasileira estaria totalmente fora de cogitação, corre o risco de ver a sua economia cercada pela de países que instituirão o dólar como sua moeda, e aí a situação se tornará mais grave.

            Por essa razão, a Comissão de Assuntos Econômicos entendeu que seria interessante criar um grupo para tratar desse assunto, o qual está constituído pelos Senadores Bernardo Cabral, Jefferson Péres, Roberto Saturnino, José Fogaça e eu. Aliás, queremos anunciar que já está delineado para o próximo 22 de março, no Senado Federal, um simpósio sobre “A Dolarização e Suas Alternativas”, que contará com a presença de inúmeros economistas e especialistas, no qual discutiremos esse tema.

            As afirmações do ex-Ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros constituem previsões levianas, que merecem o nosso repúdio. Sempre haverá conflitos e desentendimentos entre os países, mesmo amigos. Os países desenvolvidos vivem brigando e se desentendendo por questões comerciais e outras. Precisamos aprender a conviver com problemas desse tipo com mais naturalidade, sem nos alarmarmos e sem fazer previsões de catástrofe.

            Gostaria de saudar outra importante reunião que se realiza também em Florianópolis, o II Encontro Sindical do Mercosul. Por causa da reunião dos Presidentes do Mercosul e de seus Ministros, resolveram as entidades representativas dos trabalhadores dos diversos movimentos sindicais, da CGT e da CTA da Argentina, da CTA do Uruguai, da CUT do Paraguai, da CUT do Chile, da CUT, da CGT e da Força Sindical do Brasil, realizar o encontro, visando o fortalecimento dos movimentos dos trabalhadores da região e o desenvolvimento de uma política sindical supranacional que contemple os direitos sociais.

            É muito importante que o Mercosul não seja criado apenas segundo a visão dos interesses do capital e dos proprietários das empresas. É preciso que o Mercosul - e qualquer organização supranacional -, seja criado levando em conta os interesses dos seres humanos.

            Sr. Presidente, requeiro que seja transcrita junto ao meu pronunciamento a declaração do II Encontro Sindical do Mercosul, em que os trabalhadores, por seus representantes em Florianópolis hoje reunidos, propõem que, antes de ser criada a Alca, possam as populações dos Estados que compõem o Mercosul realizar um plebiscito, após amplo debate, para saber se constitui algo positivo ou não para o conjunto da população avançar na direção da formação da Alca.

            Para concluir, Sr. Presidente, quero pedir ao Ministro Luiz Felipe Lampreia, diante da aprovação do requerimento feito pelo Plenário do Senado, que compareça ao Senado Federal, na Comissão de Relações Exteriores, para esclarecer os episódios relativos às relações entre os Governos do Peru e do Brasil.

            Diante da informação de que S. Exª deixará o Ministério das Relações Exteriores em janeiro próximo, sugiro que, imediatamente, converse com o Presidente da Comissão de Relações Exteriores, Senador José Sarney, para marcar a sua vinda ao Senado Federal. Será uma oportunidade para esclarecer não apenas todos os episódios do relacionamento entre os Governos Alberto Fujimori e Fernando Henrique Cardoso, como também todos os episódios ocorridos durante o período em que foi Ministro das Relações Exteriores.

            O Ministro Lampreia, por ocasião de sua estada nesta Casa, para comemoração da criação do Estado do Amapá, informou-me que me receberia em seu gabinete a qualquer hora para esclarecer os pontos sobre os quais o Senado gostaria de saber.

            Sr. Presidente, dada a importância desses fatos, avalio que devemos ouvir o Ministro Luiz Felipe Lampreia aqui, no Senado Federal, para que a opinião pública possa conhecer todos os detalhes relativos àqueles episódios.

            Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

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            Modelo14/24/2411:29



Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/12/2000 - Página 25160