Discurso durante a 174ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Questionamentos sobre a produção e comercialização de organismos geneticamente modificados, os produtos transgênicos.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • Questionamentos sobre a produção e comercialização de organismos geneticamente modificados, os produtos transgênicos.
Publicação
Publicação no DSF de 15/12/2000 - Página 25167
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, PRODUÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO, PRODUTO TRANSGENICO, BRASIL, AUSENCIA, COMPROVAÇÃO, EXISTENCIA, BENEFICIO, CONSUMIDOR.
  • CRITICA, TENTATIVA, EMPRESA MULTINACIONAL, IMPOSIÇÃO, BRASIL, PLANTIO, PRODUTO TRANSGENICO, TRANSFORMAÇÃO, PAIS, CAMPO, EXPERIMENTAÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO, PRODUTO.
  • CONDENAÇÃO, POSIÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, APROVAÇÃO, PRODUÇÃO, PRODUTO TRANSGENICO, ESPECIFICAÇÃO, SOJA, POSSIBILIDADE, PREJUIZO, AGRICULTURA, PAIS.
  • INFORMAÇÃO, APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, SUSPENSÃO, PRODUÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO, PRODUTO TRANSGENICO, IMPEDIMENTO, PROPAGAÇÃO, BRASIL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a produção e a comercialização de transgênicos têm sido uma das questões mais debatidas nos últimos tempos. O tema desperta a atenção da sociedade principalmente em face da luta desencadeada pelos movimentos sociais que enxergam na evolução dos transgênicos questões que envolvem o meio ambiente, o desemprego rural, a saúde pública, o padrão alimentar, o modelo agrícola e o próprio futuro econômico e social da humanidade.

            A moratória tem sido a palavra de ordem de quantos temem os riscos do uso indiscriminado dos transgênicos, quer para o consumo humano, quer para o consumo animal. As pesquisas e os estudos científicos até o momento realizados não produzem um nível de segurança sequer razoável para a sua completa liberação.

            Grande reação surge na Europa, com amplo apoio da população, que protesta contra a importação de produtos transgênicos cultivados em larga escala nos Estados Unidos, no Canadá e na própria Argentina. Querem impor ao Brasil, principalmente as multinacionais como a Monsanto, o plantio dos transgênicos para estabelecer uma concorrência contra os nossos orgânicos que sustentam no campo milhões e milhões de trabalhadores.

            A soja transgênica só não foi liberada ainda em nosso País porque a Justiça, em decorrência de ação impetrada por entidades civis (Greenpeace e Adec), suspendeu a sua produção contra a vontade do próprio Governo que, aos poucos, quase sem se fazer notar, vai entrando na canoa imprevisível dos que defendem a globalização dos transgênicos como solução “milagrosa” para os problemas da fome que grassa em todo o mundo subdesenvolvido, inclusive no Brasil, visto pela comunidade internacional, como o campeão das desigualdades sociais.

            Em uma análise isenta sobre a liberação em escala comercial dos transgênicos em alguns países, nos quais a soja e o milho se destacam, podemos verificar que não existe nenhum benefício real para o consumidor. Ninguém pode garantir que sejam mais baratos, mais nutritivos, ou mais gostosos. Além disso, nem de longe podem ser considerados mais seguros que os alimentos convencionais, o que pressupõe assumir riscos que poderiam ser evitados.

            Desde 1995 que começam as campanhas contra os transgênicos, quando, por iniciativa da Greenpace, uma instituição de defesa do meio ambiente, foram bloqueados os primeiros navios que chegavam à Europa, vindos dos Estados Unidos e da Argentina, trazendo soja transgênica.

            A socióloga Marijane Lisboa, da Greenpeace, Brasil, em palestra proferida na Fundação Heinrich Boll, enfocando o tema “Proteção ao Consumidor e Riscos para o Meio Ambiente”, tratou da questão com muita propriedade ao indagar:

            “Que provas o Greenpeace tem de que os alimentos geneticamente modificados possam fazer mal à saúde ou ao meio ambiente?” Esse tipo de pergunta continua a ser feita por muitas pessoas que não se deram conta que ela está mal formulada e dirigida à entidade errada. No atual estágio do desenvolvimento da tecnologia moderna, em que suas conseqüências negativas a longo prazo e em grande escala são imprevisíveis e muitas vezes irreversíveis, a pergunta correta deve ser: - “Que provas tem o proponente da nova tecnologia de que ela não trará dano ao meio ambiente e à saúde humana?” E quem deve provar que os OGMs (organismos geneticamente modificados) não fazem mal à saúde são os próprios produtores dessas tecnologias”.

            No direito ambiental, isso é denominado ”inversão do ônus da prova”, isto é, a prova de que um determinado tipo de tecnologia ou produto não causa nenhum malefício aos consumidores, que é obrigação de quem deseja lançar no mercado consumidor tal produto.

            A socióloga ainda assevera que “As plantas, os animais e o meio ambiente estão deixando de ter características de complexidade natural para virar um mero artefato. É, também, um desafio para o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, desenvolver a consciência e políticas em que as alternativas para a questão ambiental e agrícola sejam efetivamente incentivadas. Se nos perguntarmos, por exemplo, a quanto monta o crédito agrícola para a agricultura orgânica, no Brasil, a resposta certa é um redondo Zero. A política agrícola defendida pelo Brasil na reunião da Organização Mundial do Comércio, em Seattle, e em todas as negociações sobre o tema que se seguiram, resume-se a lutar pela expansão dos mercados internacionais para os produtos agrícolas brasileiros da grande monocultura, aquela que não respeita o meio ambiente, que não gera emprego, que não mantém a população na terra, que não resolve os problemas sociais e econômicos do Brasil. De fato, é preciso mudar o paradigma de desenvolvimento sustentável, mas grande parte das nossas autoridades ignora o bê-a-bá desse conceito e ainda acha que solução para o problema da fome mundial ou da agricultura é, cada vez mais, a tecnologia que agride o meio ambiente, gerando problemas que, mais tarde, vão requerer novas e mais avançadas tecnologias, igualmente agressoras”.

            Quando do episódio da vaca louca, os europeus também foram acusados de alarmistas, obscurantistas e histéricos, em face da verdadeira histeria que surgiu a partir daquela doença iniciada na Inglaterra. Qualquer um podia entender que a desconfiança seria normal, principalmente em relação às autoridades, depois que o Ministro Britânico da Saúde, em defesa dos produtores rurais, declarou na televisão que seus próprios filhos comiam carne de vaca... A legislação britânica, após essa incongruência, começou a ser revista.

            A fome não se combate apenas com a doação de alimentos. É preciso que haja oferta de emprego em todos os setores da economia e que a terra não seja apenas um direito de apaniguados. Ela deve ser distribuída a todos aqueles que querem trabalhar no campo, produzir alimentos e não apenas estocá-la como reserva de mercado, apenas para especulação.

            Mas os viciados na agricultura química, mecanizada, já expulsaram metade das famílias, do campo. Grande parte da crise vivenciada no meio rural decorre da ação nefasta dos vendedores de agrotóxicos, os quais, por coincidência, são os mesmos que vendem também a semente transgênica, e que agora buscam de todas as formas "inovar" na agricultura impondo tecnologias exóticas, sob a pregação de que o preço dos gêneros alimentícios vai baixar para todos e que, no futuro, a fome que hoje mata tanta gente, daqui a alguns anos, será apenas uma miragem... Enquanto isso, a outra metade das famílias abandonam o campo. É uma corrida coletiva para o suicídio.

            O episódio mais famoso disso é o da soja transgênica RR (Raundup Ready), resistente ao herbicida Raundup, da Monsanto, que pretende concorrer com a agricultura orgânica do sul, praticada com pleno êxito sem o uso de agrotóxicos ou herbicidas. Uma ação na Justiça, proposta por entidades legais, como eu disse, suspendeu a atividade tipicamente lucrativa da Monsanto.

            Para a implementação do sistema de conservação do solo por meio do sistema chamado plantio direto, também há soluções sem química. A agricultura orgânica é viável, rentável e tem o rendimento potencialmente superior ao modelo que se deseja transplantar.

            Até a presente data ninguém pode assegurar que o uso dos transgênicos como alimento para o ser humano ou para os animais seja absolutamente seguro.

            As multinacionais querem transformar o Brasil num verdadeiro campo de experimentação para comercialização de seus produtos oriundos de uma tecnologia que vem sendo repudiada pelos europeus.

            A transferência de genes de um organismo para outro, inclusive utilizando-se de vírus e bactérias para produzir alimentos, é uma tecnologia cujos benefícios ainda não estão comprovados, e, portanto, não sabemos os efeitos que isso poderá causar aos consumidores.

            Lembrem-se do lixo atômico, que segundo os defensores da energia nuclear não causaria nenhum problema ao meio ambiente. Até hoje não encontraram uma solução, mesmo dentro das alternativas mais agressivas, que possam atenuar os problemas causados com o rejeito das usinas atômicas.

            É lamentável que o governo queira a globalização dos transgênicos, aprovando a produção e a comercialização da soja transgênica, na continuidade de um processo para tornar inviável a agricultura orgânica no Brasil, e aqui instalar, mesmo diante da cobiça daqueles que só pensam em ganhar mais dinheiro, do desemprego que aumentará no meio rural, e da agressão ao meio ambiente e à saúde do povo, uma elite empresarial sem nenhum compromisso com o desenvolvimento da nossa já combalida agricultura.

            Sr. Presidente, para concluir, visando coibir a possibilidade dessa transformação do Brasil num campo de experimentação dos transgênicos, estamos apresentando um projeto de lei que suspende até o ano de 2004 a produção e a comercialização de organismos geneticamente modificados. Pois, Sr. Presidente, este assunto se aprofunda tanto no Senado, a partir de uma proposição da Senadora Marina Silva, quanto na Câmara dos Deputados, quando se discutem várias soluções para coibir a disseminação dos transgênicos em nosso País, cujas conseqüências ainda não foram devidamente avaliadas e esclarecidas por parte daqueles que detêm a tecnologia dos OGMs para fins comerciais.

            Agradeço a V. Exª, Sr. Presidente.


            Modelo14/19/243:08



Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/12/2000 - Página 25167