Discurso durante a 174ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro da entrega do "Prêmio Líderes e Vencedores - sexta edição", da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul e da Federação das Associações Empresariais do Rio Grande do Sul - FEDERASUL. Eleição do jurista Raymundo Faoro para a Academia Brasileira de Letras. Comentários às afirmações do economista e ex-Ministro Celso Furtado, durante homenagem feita pela Universidade de São Paulo, no transcurso de seu octogésimo aniversário.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CONCESSÃO HONORIFICA. HOMENAGEM.:
  • Registro da entrega do "Prêmio Líderes e Vencedores - sexta edição", da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul e da Federação das Associações Empresariais do Rio Grande do Sul - FEDERASUL. Eleição do jurista Raymundo Faoro para a Academia Brasileira de Letras. Comentários às afirmações do economista e ex-Ministro Celso Furtado, durante homenagem feita pela Universidade de São Paulo, no transcurso de seu octogésimo aniversário.
Publicação
Publicação no DSF de 15/12/2000 - Página 25282
Assunto
Outros > CONCESSÃO HONORIFICA. HOMENAGEM.
Indexação
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, ENTREGA, PREMIO, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, FEDERAÇÃO, ASSOCIAÇÕES, EMPRESARIO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), APOIO, TRABALHO, LIDER, REGIÃO, HOMENAGEM, SYNVAL GUAZZELLI, DEPUTADO FEDERAL.
  • HOMENAGEM, RAYMUNDO FAORO, JURISTA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ELEIÇÃO, ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL).
  • COMENTARIO, DECLARAÇÃO, CELSO FURTADO, EX MINISTRO DE ESTADO, SOLENIDADE, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, ECONOMISTA, DEFESA, NECESSIDADE, CONGRESSO NACIONAL, INICIATIVA, MOVIMENTAÇÃO, SALVAMENTO, PAIS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dia 28 de novembro, a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul e a Federação das Associações Empresariais do Rio Grande do Sul - Federasul - fizeram a entrega do prêmio Líderes e Vencedores - 6ª edição.

            Trata-se de um prêmio da maior importância que respalda o trabalho de líderes gaúchos em quatro áreas: mérito político, sucesso empresarial, destaque comunitário e expressão cultural. Mas, todo ano, é concedido também um prêmio especial, que é dado àqueles gaúchos que se destacam por toda uma vida produtiva em alguma dessas áreas. Este ano o prêmio especial foi concedido, muito merecidamente, ao deputado federal Synval Guazzelli.

            Synval Guazzelli é, sem dúvida nenhuma, um dos maiores políticos da minha geração. Íntegro, dedicado, competente, ocupou os mais variados cargos e todos eles desempenhou com rara eficiência.

            Synval Guazzelli foi meu vice-governador e eu pude testemunhar de bem perto o seu trabalho. Companheiro de total fidelidade, homem de palavra firme e de aguda inteligência política, Synval Guazzelli é um grande amigo.

            Somos da mesma idade. Synval Guazzelli nasceu em 1930, em Vacaria. Aos 25 anos já era vice-prefeito na sua cidade natal, eleito pela UDN. Aos 29 anos, chega a Assembléia Legislativa. Em 1964, torna-se secretário de Obras Públicas do Estado. Depois, preside a Caixa Econômica estadual. Em 1971, torna-se deputado federal, já pela Arena. Em 1975, é indicado governador. Já no PMDB, elege-se vice-governador, em 1986. Em 1999, reelege-se deputado federal.

            Esta é, resumidamente, a carreira política de Synval Guazzelli. Mas ele exerceu outros cargos importantes, como a presidência do Banco Meridional, ainda estatizado, e uma diretoria do Banco do Brasil. Em 1994, assumiu o Ministério da Agricultura, onde fez uma excelente gestão.

            Se eu tivesse que destacar um traço da personalidade de Synval Guazzelli, eu diria que, acima de tudo, o que o distingue é a simplicidade. Apesar de ter ocupado tantos cargos elevados, jamais deixou de ser o mesmo homem. É cordial, afável, caloroso, trata a todos com fidalguia.

            Vim hoje a esta tribuna para registrar aqui o fato de Synval Guazzelli ter sido indicado para receber o prêmio especial do Líderes e Vencedores deste ano.

            Pela sua integridade, pela sua dedicação ao serviço público, por uma vida toda dedicada ao trabalho pelo Rio Grande do Sul, Synval Guazzelli merece esse e muitos outros prêmios.

            Daqui, da Tribuna do Senado, mando a ele o meu abraço pelo prêmio e - preciso repetir - por toda uma vida dedicada ao serviço do Rio Grande do Sul.

            Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, aproveito esta oportunidade para tratar de um outro assunto.

            Foi eleito no dia 23 de novembro para a Academia Brasileira de Letras o jurista gaúcho Raymundo Faoro. Ele obteve 36 votos contra apenas duas abstenções, mesmo concorrendo com outros seis outros candidatos, o que bem demonstra o seu prestígio junto aos integrantes da Casa de Machado de Assis.

            O gaúcho de Vacaria, Raymundo Faoro, que tem 75 anos, é autor de um livro - Os Donos do Poder - que foi apontado, em enquete realizada pela revista Veja junto aos principais intelectuais, como um dos 20 mais importantes publicados por autores brasileiros.

            Lançado em 1958, esse livro, apesar de sua importância, só começou a ser mais conhecido em meados dos anos 70, quando ganhou sua segunda edição. De lá para cá, teve mais 15 edições.

            Análise minuciosa e abrangente da formação do patronato brasileiro, Os Donos do Poder foi boicotado, por muito tempo, pela intelectualidade de esquerda porque usava conceitos de Max Weber.

            O outro livro de Faoro é Machado de Assis: A Pirâmide e o Trapézio, de 1974, um monumental estudo sobre a obra do grande escritor carioca. Para o escritor Francisco de Assis Barbosa, essa é uma obra que tem a mesma qualidade de Os Donos do Poder, colocando-se muito acima da média da produção nacional.

            Raymundo Faoro foi eleito, em 1977, presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil e comandou aquela entidade até 1979, durante uma das quadras mais sensíveis da vida política brasileira.

            Transformada a OAB em um front de resistência pacífica, Faoro municiava advogados, jornalistas e políticos de oposição com denúncias contra as arbitrariedades do regime militar. Por essa ocasião, saiu da OAB a primeira grande denúncia, bem documentada, sobre a tortura de prisioneiros políticos no Brasil.

            Foi Raymundo Faoro quem torpedeou a iniciativa do então presidente João Baptista de analisar, caso a caso, os processos contra os perseguidos políticos, tendo como finalidade a concessão de anistia. Faoro disse, à época, que a análise isolada se transformaria numa sucessão de julgamentos do regime.

            Em outro episódio, pediram a Raymundo Faoro que fizesse calar as mulheres que lideravam o movimento pela anistia, porque elas estavam pondo em risco o processo de distensão lenta e gradual. O jurista respondeu que ninguém tinha autoridade moral para pedir àquelas mulheres que esquecessem o que havia sido feito com seus filhos.

            Nos anos seguintes, depois que Raymundo Faoro deixou a OAB, sua casa, no bairro do Cosme Velho, se transformou em local de encontro de líderes políticos. Lá esteve Tancredo Neves, e, em 1989, esteve Lula convidando Faoro para seu candidato a vice na sua chapa.

            Por muito tempo, Raymundo Faoro foi articulista da revista Isto é, enquanto comandada pelo jornalista Mino Carta, de quem é amigo. Atualmente, ele escreve artigos quinzenais para a revista CartaCapital, de Mino Carta.

            A eleição de Raymundo Faoro, agora, foi motivo para que o jurista fosse o destaque da capa da edição de 6 de dezembro da revista CartaCapital.

            Numa longa entrevista concedida aos repórteres daquela publicação, Raymundo Faoro analisa não só a história brasileira, como também a realidade atual.

            Falando à CartaCapital sobre o Rio Grande do Sul, Raymundo Faoro destacou que o nosso Estado não existia dentro do esquema português e teve de “ser conquistado”, e isso o singulariza diante dos demais Estados brasileiros. Especificamente quanto à política, o jurista destaca um dos diferenciais no nosso Estado é o fato de que “lá os partidos são partidos, e é muito raro alguém trocar de partido”.

            E, a seguir, acrescenta Raymundo Faoro: “Não estou querendo dizer nada em favor do meu Estado, o fato de ter nascido lá não quer dizer que ele seja o melhor, mas existe uma aproximação entre a sociedade civil e o Estado e existe uma capacidade de ousar”.

            Raymundo Faoro é considerado por alguns uma espécie de profeta porque, com base nas análises que fez da nossa história, ele sempre acaba acertando na previsão de fatos que estão pela frente. Eu gostaria de reproduzir aqui a análise que ele faz do posicionamento político do presidente Fernando Henrique Cardoso.

            Diz Faoro: “Não partilho da idéia de que o Fernando Henrique mudou muito, ele sempre teve, acima de suas convicções, a habilidade. Esse é um traço que me parecia de certa maneira óbvio. E tinha, acima de seus conhecimentos psicológicos, uma acuidade política extraordinária. Lembro-me que, quando voltou da França, ele me disse: Olha, a esquerda acabou”. Com o movimento de 1968, ele chegou à conclusão de que a esquerda tinha esgotado o seu papel. Então, não há muita justiça em dizer que o Fernando Henrique mudou, o que mudou foi a interpretação sobre Fernando Henrique . Ele continua o mesmo. É um homem muito bem-educado, muito amável. Talvez um pouco canhestro dentro dessa fauna política, pois, embora ele tenha cuidado e habilidade, os outros talvez tenham uma velocidade de vôo bem maior do que a dele. São políticos que trazem do atraso uma velocidade supersônica para continuar o atraso. Ele tem uma velocidade ainda do avião a hélice, que já é bem mais do que nós, que temos a velocidade do pé”.

            Sr. Presidente, Srs. e Srs. Senadores, lembro conceitos que Raymundo Faoro pronunciou, em 1993, ao receber o título honoris causa da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Ali, ele destacou dois momentos muito importantes da história recente do País: o Movimento pelas Diretas Já e o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello. Nesses dois momentos, disse o jurista, os brasileiros praticaram a desobediência civil ou a resistência popular, conceitos que não estão na Constituição.

            Nos dois acontecimentos, acrescentou, o povo vergou a vontade dos políticos. “O que há de novo é a presença do povo. Ele não consegue tudo o que quer, mas descobriu que seu poder é imenso, mas não soberano, pela voz das ruas”.

            Raymundo Faoro acha, de outro lado, como disse na recente entrevista à revista CartaCapital que nós já vivemos, hoje, no Brasil, num clima de guerra civil. “Basta passar numa rua que você vê, não gente rica, mas gente como a minha passadeira, por exemplo, que não tem segurança, que tem de cercar a casa, ou o apartamento de quarto e sala, se não vão lá e roubam tudo ou ocupam. É evidente que há isso, sobretudo em São Paulo e no Rio”..

            Perguntado se essa situação não poderá um dia explodir, disse o jurista: “Talvez aí se esgote a política de conceder alguma coisa para ficar com tudo. Talvez isso um dia se esgote e aí não só o salário mínimo deve ser aumentado - isso é uma paliativo - mas também um sistema de distribuição de renda”.

            Encerro por aqui. Poderia citar ainda muitas passagens brilhantes das obras e textos de Raymundo Faoro, mas paro por aqui, julgando que já conseguir mostrar um pouco da profundidade do pensamento desse brilhante jurista gaúcho que vai agora ocupar, na Academia Brasileira de Letras, o lugar deixado pelo nosso grande Barbosa Lima Sobrinho, falecido este ano.

            Sr. Presidente, Srª. e Srs. Senadores, antes de encerrar este meu pronunciamento, desejo tratar de um último assunto.

            Homenageado pela Universidade de São Paulo, em junho do corrente ano, pelo transcurso de seu octogésimo aniversário, o ex-ministro Celso Furtado disse que o Congresso Nacional deveria tomar a frente de um movimento para “salvar o país”.

            Li essa informação numa nota sobre o evento na coluna Informe Econômico do Jornal do Brasil. Para Celso Furtado, é preciso haver um amplo entendimento nacional capaz de fazer a opinião pública acreditar que “temos governo”.

            Venho pensando muito nessas afirmações de Celso Furtado, com as quais concordo. Dessa tribuna, tenho, freqüentemente, dito que está na hora de colocarmos de lado nossos interesses pessoais para pensar, acima de tudo, no país.

            No encerramento deste ano, decidi fazer um breve pronunciamento para registrar que fiz um pedido à Mesa do Senado, em junho, para que convidasse Celso Furtado a fazer uma palestra aos Senhores Senadores, a fim de que pudesse aprofundar as idéias que tão bem expressou na USP.

            Como todos sabem, aos 80 anos, o economista Celso Furtado é um dos mais destacados intelectuais brasileiros. Autor do clássico Formação Econômica do Brasil, quando tinha 39 anos, goza de reconhecimento internacional.

            Nordestino da cidade de Palma, no sertão da Paraíba, emigrou para o Rio de Janeiro aos 19 anos, a fim de estudar Direito. Já formado, embarcou, como oficial de ligação da Força Expedicionária Brasileira que foi lutar na Europa. Voltou ao Brasil, ao final da guerra, mas, em seguida, retornou a Paris, onde, em 1948, foi o primeiro brasileiro a doutorar-se em Economia.

            Quando a Organização das Nações Unidas, em 1948, criou a CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina, foi o primeiro brasileiro a ser contratado. Lá, em companhia de jovens estudiosos de várias nações do continente, deu início aos seus estudos científicos sobre a economia latino-americana.

            Em 1959, voltou ao Brasil para ser o criador da SUDENE - Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste - a instituição federal imaginada pelo presidente Juscelino Kubistchek para centralizar os esforços para desenvolver a região.

            Depois do golpe militar de 1964, que o surpreendeu como ministro do Planejamento, exilou-se em Paris, onde desenvolveu carreira como professor e escritor. Viajou por diversos outros locais, da África, da América Latina, da Ásia - esteve na China - sempre estudando os problemas do desenvolvimento econômico, sua especialização.

            Com a redemocratização do Brasil, foi ministro da Cultura no governo de José Sarney, levado pelo PMDB de Ulysses Guimarães.

            Reconhecido internacionalmente como um dos mais destacados teóricos do desenvolvimento econômico de nações periféricas, Celso Furtado acredita que a política econômica seguida tradicionalmente no Brasil engendrou uma sociedade com chocantes desigualdades e sujeita a crises intermitentes.

            Para ele, a estratégia de estabilização adotada pelo governo brasileiro a partir de 1994 ignorou essa desigualdade e favoreceu a massa de consumidores, mas teve pouca preocupação com os fundamentos econômicos.

            De outro lado, a estabilidade engendrou, sem demora, um grave desequilíbrio na balança de pagamentos, sustentado pelo endividamento externo de curto prazo, mediante a elevação exorbitante das taxas de juros.

            Temos dito e repetido, inúmeras vezes, a mesma coisa desta tribuna.

            Diz Celso Furtado que, em decorrência da política de juros altos, houve uma redução dos investimentos produtivos e uma hipertrofia dos investimentos improdutivos. Ele acredita que a situação a que fomos conduzidos nos obriga a buscar entendimento - ou seja, moratória - tanto com os credores no plano externo quanto no interno.

            Temos de refletir sobre isso porque essa é uma voz muito autorizada na área econômica.

            Celso Furtado lembra que os aliados potenciais internos são os grupos industriais esmagados pelas taxas de juros e a classe trabalhadora, vítima do desemprego.

            No plano externo, Celso Furtado acha que é necessário lutar por uma reestruturação do sistema financeiro, no sentido de reduzir a dependência dos fluxos de capital a curto prazo.

            Para sair da crise, diz o economista, o Brasil deve buscar, a longo prazo, uma reforma de estruturas. A estratégia requer ação em três frentes. A primeira frente consistiria em reverter o processo de concentração patrimonial e de renda.

            A segunda frente a ser atacada seria a do atraso nos investimentos no fator humano, atraso que se traduz em extremas disparidades entre salários de especialistas e do operário comum. O salário do trabalhador brasileiro não especializado se nivela com os mais baixos da América Latina.

            A terceira frente de ação refere-se à forma de inserção no processo de globalização, que se traduz pela prevalência das empresas transnacionais na alocação dos recursos produtivos, em decorrência da importância crescente do fator tecnológico na orientação dos investimentos e da concentração do poder militar.

            Como se vê, Celso Furtado tem um projeto para o País e aponta as saídas possíveis. De outra parte, como ele mesmo disse, a iniciativa de buscar a solução para os problemas nacionais deve partir do Congresso Nacional.

            Fiz esse registro porque, como Celso Furtado acabou não vindo ao Congresso Nacional, eu queria, daqui, da tribuna, repetir o que ele, na cátedra e na imprensa, vem pregando, com tanta propriedade, há tanto tempo.

            Era o que tinha a dizer.


            Modelo14/29/249:38



Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/12/2000 - Página 25282