Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a questão tributária nacional, destacando sua preocupação com a renúncia fiscal advinda da concessão de benefícios aos contribuintes.

Autor
Moreira Mendes (PFL - Partido da Frente Liberal/RO)
Nome completo: Rubens Moreira Mendes Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FISCAL.:
  • Considerações sobre a questão tributária nacional, destacando sua preocupação com a renúncia fiscal advinda da concessão de benefícios aos contribuintes.
Publicação
Publicação no DSF de 29/12/2000 - Página 25705
Assunto
Outros > POLITICA FISCAL.
Indexação
  • ANALISE, POLITICA FISCAL, BRASIL, AMBITO, CONCESSÃO, INCENTIVO FISCAL, PROVOCAÇÃO, SONEGAÇÃO, EVASÃO FISCAL, PREJUIZO, RECEITA, ORÇAMENTO.
  • DENUNCIA, EXCESSO, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL, CONFLITO, ESTADOS, AUSENCIA, BENEFICIO, COMUNIDADE, DEFESA, OBRIGATORIEDADE, AUTORIZAÇÃO, LEGISLATIVO.
  • QUESTIONAMENTO, LEGISLAÇÃO, INCENTIVO FISCAL, SETOR, INFORMATICA, CULTURA.
  • REGISTRO, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, COMBATE, SONEGAÇÃO, AUMENTO, FISCALIZAÇÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. MOREIRA MENDES (PFL - RO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho a esta tribuna, nesta tarde, com o objetivo de analisar um dos mais recentes aspectos da política tributária nacional: a decisão conjunta dos governantes, em todas as esferas de poder, de conceder benefícios fiscais aos contribuintes sob as mais diversas formas, o que, além de representar uma renúncia admitida de receitas governamentais, vem constituindo-se em um sorvedouro de recursos públicos por ensejar a elisão fiscal e, em muitos casos, a sonegação.

            O tema reveste-se, inclusive, de extrema oportunidade, uma vez que o processo de avaliação da Proposta de Lei Orçamentária Anual para 2001 está em pleno curso no Congresso Nacional e um dos pontos politicamente mais importantes, ora em discussão, é a consecução de receitas orçamentárias que permitam fazer face às despesas previdenciárias que decorrerão do pretendido aumento do salário mínimo ao patamar de R$180.

            Preliminarmente, devo declarar que, pessoal e partidariamente, não possuo posição contrária aos incentivos fiscais e estou perfeitamente consciente de seu papel como agente indutor de desenvolvimento econômico e social. No entanto, a eficácia de seus objetivos, Sr. Presidente, motivo maior para qualquer iniciativa em tal sentido, está condicionada à formulação e implementação adequadas de sua forma e intensidade, à responsabilidade de seus agentes operacionais e à fiscalização maior da sociedade.

            O formato mais tradicional do incentivo tributário é a renúncia fiscal por parte das autoridades, de forma total ou parcial, por prazo determinado ou não, de modo a incentivar a implantação de empreendimentos que, por sua geração de riqueza e de emprego, intentem recompensar a sociedade de forma compatível com a perda de receita decorrente de uma renúncia à tributação direta.

            O desenvolvimento industrial brasileiro sempre foi e continua pródigo no aproveitamento de tais benefícios, e os governantes federais, estaduais e municipais têm sido bastante condescendentes nas concessões, oferecendo vantagens regionais que muitas vezes são excessivas e não geradoras de uma recompensa aceitável para suas comunidades.

            Igualmente questionável em tal cenário é a verdadeira guerra fiscal que se instala entre as unidades da Federação, quando do anúncio da intenção de um grande projeto para propiciar sua implantação no Estado interessado.

            É fundamental que os estudos de renúncia fiscal sejam efetuados de maneira mais rigorosa e que os casos específicos de maior peso ponderado no orçamento de qualquer ente federativo sejam submetidos ao discernimento do Poder Legislativo correspondente, para que os prós e os contras da concessão sejam avaliados, e a decisão seja a mais responsável possível, além de democraticamente compartilhada pela sociedade e seus representantes.

            Ainda no tocante à renúncia fiscal, é importante assinalar que o Senado Federal aprovou projeto de lei que revisa a legislação de incentivos ao setor de informática, uma medida que tem sérios reflexos tributários. Para que se tenha uma idéia dos valores envolvidos, o Secretário da Receita Federal, em audiência pública, no dia 14 de novembro, na Comissão de Assuntos Econômicos desta Casa, estimou que a diferença entre a renúncia fiscal e a arrecadação de impostos federais, produzida pela Lei de Informática, poderá ficar em R$5,5 bilhões, nos próximos nove anos, se os seus benefícios forem estendidos para todo o País, e em torno de R$14,5 bilhões, se ficar concentrada apenas na Zona Franca de Manaus.

            Sr. Presidente, essa decisão implicou uma opção de renúncia de recursos muito drástica. E precisamos estar atentos para que esse incentivo se reverta mesmo para o progresso tecnológico do País e não apenas para enriquecer algumas empresas, que se verão livres dos encargos tributários.

            Quero agora fazer algumas considerações sobre a transferência de valores tributáveis para a iniciativa privada como benefício direcionado, forma em que, dentro dos parâmetros legais, tais valores podem ser alternativamente aplicados em atividades consideradas relevantes para a sociedade, sob a responsabilidade e gerência direta dos contribuintes, que deduzem os valores correspondentes de seus tributos devidos.

            As leis de incentivo a atividades socioculturais são exemplo de tal contexto e, sobre essas, pairam atualmente sérias dúvidas, não quanto à sua propriedade e legitimidade como instrumento de ação de Governo, mas quanto à sua aplicação prática, uma vez que são diariamente conhecidos incidentes de uso inadequado dos benefícios, em flagrante desrespeito aos princípios legais e distorção dos seus nobres propósitos.

            Cito uma publicação muito corriqueira usualmente distribuída dentro das aeronaves de uma grande companhia aérea nacional, o Almanaque Brasil de Cultura Popular, editado ao amparo da Lei de Incentivo à Cultura. Os patrocinadores da referida edição - uma companhia aérea, uma montadora de automóveis e uma empresa estatal federal - estão efetivamente relacionados como prestadores de apoio cultural, o que, na prática, significa a concessão de recursos para a geração da publicação, que serão certamente abatidos nas demonstrações contábeis dos mesmos, conseqüentemente, com redução dos seus impostos.

            O Almanaque é distribuído como revista de bordo, o que agrega inequívoco interesse mercadológico e de difusão comercial de uma empresa privada.

            Surpreende, também, o fato de que, das trintas e duas páginas que compõem a edição, dez sejam dedicadas a propagandas comerciais, dos patrocinadores e de outras empresas públicas e privadas, o que representa para os editores da mesma uma significativa fonte de receitas, bastante expressiva em uma revista com tiragem de 100 mil exemplares e destinada a um público selecionado, como é o usuário de transportes aéreos.

            Quero reafirmar, Sr. Presidente, que quem paga por esta revista, na verdade, são os incentivos fiscais concedidos por conta da Lei de Incentivo à Cultura. O que é um absurdo, porque, no fundo, estamos pagando por uma propaganda específica de empresas que estão abatendo dos seus impostos os valores que gastaram com aquela publicação e que estão vendendo o seu peixe, como se diz no dito popular.

            Sr. Presidente, parte fundamental do tema e igualmente digna da nossa maior atenção é a questão da elisão fiscal, que a doutrina denominou como sendo toda e qualquer medida, sem simulação, tomada pelo contribuinte antes da ocorrência do fato gerador do respectivo tributo, com o objetivo de eliminar ou minimizar sua incidência.

            A legislação tributária brasileira historicamente tem apresentado um significativo número de brechas para a prática da elisão fiscal, uma vez que os processos e fatos geradores de tributos tornam-se antecipadamente conhecidos dos contribuintes, sem que seja estabelecida uma disciplina preventiva, que impeça as manobras no sentido de se furtar aos encargos legais.

            No entanto, há poucos dias, aprovamos aqui um projeto que permite ao Fisco agir com mais rigor em casos que configurem elisão fiscal. Segundo as alterações feitas no Código Tributário Nacional, a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.

            Este projeto, prestes a ser sancionado pelo Presidente da República, por certo dará ao Poder Público instrumentos mais poderosos para combater a elisão fiscal. Não obstante, esperamos, ao regulamentar esse projeto, que seja tomado o cuidado necessário para preservar ações legítimas dos contribuintes e que não se enquadram como atividades com o fim de fugir à tributação.

            Outra medida de extrema importância foi a aprovação do conjunto de projetos que permite que se utilizem dados da movimentação financeira para investigar pessoas físicas ou jurídicas que movimentam valores financeiros infinitamente incompatíveis com as respectivas declarações de rendimentos. A par da polêmica que surgiu em torno do assunto, defendo, com os necessários resguardos constitucionais à intimidade da pessoa - é bom que se frise -, que se utilizem esses mecanismos para permitir uma maior arrecadação. Com isso, deixaremos de punir os bons contribuintes, como o são todos os empregados formais, que têm sua contribuição recolhida compulsoriamente.

            Finalmente, não se pode deixar de citar como um dos componentes fundamentais de todo o cenário a evasão fiscal, decorrente da sonegação e da inadimplência dos contribuintes. Essa não requer, atualmente, qualquer alteração significativa no arcabouço legal, mas sim a continuidade e a intensificação dos esforços fazendários para a sua minoração.

            Sr. Presidente, a síntese do cenário tributário nacional é que, mercê de falhas na legislação e no controle fiscal, uma significativa parcela de nossa sociedade não contribui de forma justa para a formação de recursos para a ação do Estado. As pessoas jurídicas se valem de todos os mecanismos permitidos de renúncia e elisão, além de ilegalmente sonegar os tributos devidos, no que é acompanhada pela expressiva economia informal, nem sequer conhecida das autoridades.

            O quadro que procurei resumir é complexo e representa o maior desafio ora posto aos governantes brasileiros. A questão tributária e fiscal apresenta inegável relacionamento com as decisões orçamentárias e essas são, em síntese, a visão do Brasil que pretendemos em curto, médio e longo prazos. Assim, a justeza e a justiça no financiamento do Estado devem ser a tônica e a base das nossas decisões no Congresso Nacional. Desse modo, quero lançar à discussão, para ser aprofundada posteriormente, a proposta de que passe a haver um orçamento próprio da renúncia de receita, estruturado nos moldes do orçamento fiscal. Assim, em vez de termos simplesmente conhecimento dos potenciais valores da renúncia fiscal que vêm acompanhando as propostas orçamentárias, passaríamos a nos debruçar sobre os casos concretos e poder opinar se eles são realmente favoráveis ao desenvolvimento do País ou não.

            Com responsabilidade e realidade, vamos nos concentrar em dotar o Estado de instrumentos que retratem e redundem na correta e correspondente participação dos agentes econômicos na geração dos recursos necessários para o nosso desenvolvimento econômico e social.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


            Modelo111/27/2412:29



Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/12/2000 - Página 25705