Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da possibilidade da quebra administrativa do sigilo bancário. Considerações sobre a regulamentação da tramitação de Requerimentos de informações pela Mesa Diretora. Relatório da visita feita ontem, em São Paulo, ao Senador José Sarney, submetido a procedimento cirúrgico.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FISCAL. SENADO.:
  • Defesa da possibilidade da quebra administrativa do sigilo bancário. Considerações sobre a regulamentação da tramitação de Requerimentos de informações pela Mesa Diretora. Relatório da visita feita ontem, em São Paulo, ao Senador José Sarney, submetido a procedimento cirúrgico.
Publicação
Publicação no DSF de 06/02/2001 - Página 380
Assunto
Outros > POLITICA FISCAL. SENADO.
Indexação
  • DEFESA, IMPORTANCIA, CONSOLIDAÇÃO, LEGISLAÇÃO, AUTORIZAÇÃO, RECEITA FEDERAL, QUEBRA, SIGILO BANCARIO, INVESTIGAÇÃO, SUSPEIÇÃO, SONEGAÇÃO, OBJETIVO, CAPTAÇÃO DE RECURSOS, INVESTIMENTO, POLITICA SOCIAL.
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, INICIATIVA, MESA DIRETORA, SENADO, REGULAMENTAÇÃO, TRAMITAÇÃO, REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, ESPECIFICAÇÃO, FIXAÇÃO, REQUISITOS, REALIZAÇÃO, PEDIDO, FLEXIBILIDADE, OBTENÇÃO, INFORMAÇÃO.
  • SOLIDARIEDADE, RECUPERAÇÃO, CIRURGIA, JOSE SARNEY, SENADOR.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, tendo eu avisado no momento em que cheguei ao plenário que gostaria de usar da palavra e tendo sido chamado para tal, gostaria que houvesse a necessária condescendência e prorrogação da sessão para que eu possa concluir o pronunciamento sobre a questão do sigilo bancário.

            Nos últimos anos, a questão do sigilo bancário tem sido objeto de extensa controvérsia no Brasil, especialmente entre juristas e tributaristas. No final de 2000, o Congresso aprovou um projeto de lei que disciplina o dever de sigilo das instituições financeiras e define as hipóteses em que pode haver seu levantamento. O ponto essencial, como se sabe, é aquele que permite à autoridade tributária, sob determinadas condições, o acesso aos registros bancários e financeiros do contribuinte, independentemente de autorização judicial prévia.

            Depois da votação no Congresso, a controvérsia continuou. Há os que temem o abuso do poder por parte da Receita Federal e dos fiscais. A constitucionalidade dessa lei está sendo questionada pela Confederação Nacional do Comércio, pelo Partido Social Liberal e pela Confederação Nacional da Indústria. Em breve, o Supremo Tribunal Federal terá de se pronunciar a respeito. Não me parece que essas críticas tenham muito fundamento, em especial o argumento da inconstitucionalidade da quebra do sigilo bancário. Lembro que essa é uma posição antiga do Partido dos Trabalhadores, sempre favorável a que as autoridades tributárias, respeitados os direitos individuais, tivessem acesso a dados bancários de contribuintes suspeitos de evasão fiscal. Há muito tempo, entendemos que uma concepção inflexível do sigilo bancário tem funcionado como uma barreira importante no combate à sonegação dos impostos e das contribuições.

            Em 1995, fui um dos autores de uma proposta de reforma tributária que o Partido dos Trabalhadores apresentou. Depois de longa discussão na Bancada e em diversas outras instâncias partidárias e depois de consultas detalhadas a especialistas externos, chegamos a uma proposta abrangente, que se referia expressamente à questão da quebra ou da flexibilização do sigilo em termos bastante próximos aos que aprovamos aqui no Congresso Nacional em fins do ano passado.

            Naquela ocasião, o PT chegou a um documento final e a uma Proposta de Emenda à Constituição que se referia ao problema do sigilo nos seguintes termos: "Informações de fundamental relevância para a fiscalização estão registradas nas transações do sistema financeiro, mas estão muitas vezes fora do alcance da administração tributária, em função de uma aplicação excessivamente rígida do preceito do sigilo bancário. Essa rigidez se apóia em interpretações capciosas do art. 5º da Constituição e da legislação infraconstitucional. Deve-se garantir ao Fisco o acesso aos registros bancários e financeiros para facilitar a conclusão de inquéritos administrativos já instaurados”.

            No que diz respeito à legislação infraconstitucional, o PT de 1995 propunha fazer as alterações necessárias para evitar que o acesso da administração tributária aos registros financeiros ficasse condicionado ao processo judicial. Por outro lado, frisávamos que “a flexibilização do sigilo bancário para fins de fiscalização requer a estrita observância do sigilo fiscal, isto é, deve ser acompanhada de medidas que responsabilizem criminalmente servidores do Fisco que permitam o vazamento de informações ao público ou façam uso delas para fins de interesse pessoal ou político”.

            Creio que esses princípios continuam válidos e foram discutidos na legislação recém-aprovada pelo Congresso Nacional.

            Em 1995, o PT propunha também que se fizesse uma emenda à Constituição para especificar que a administração tributária poderia ter acesso às informações financeiras do contribuinte, nos termos da lei, respeitados os direitos individuais. Revendo a questão, parece-me que a emenda é desnecessária ou redundante. São suficientes as modificações na legislação infraconstitucional que aprovamos no final do ano passado.

            Esse aspecto foi muito bem esclarecido pelo tributarista Osires Lopes Filho, ex-Secretário da Receita Federal, em artigo publicado recentemente pelo Correio da Cidadania. A Constituição de 1998, frisa o ex-Secretário, já consagra a quebra do sigilo. O art. 145, depois de definir a personalização dos impostos e a capacidade econômica do contribuinte como princípios básicos da tributação, estabelece, logo em seguida, que “é facultado à Administração Tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e, nos termos da lei, o patrimônio, rendimentos e atividades econômicas do contribuinte”.

            Ora, depósitos bancários e aplicações financeiras são, evidentemente, parte do patrimônio do contribuinte. Os juros correspondentes são parte do seu rendimento.

            No entanto, frisamos na proposta apresentada pelo PT, em 1995, para dificultar o acesso da fiscalização às informações bancárias tem-se apelado reiteradamente e com sucesso para o art. 5º, inciso XII da Constituição Federal. É uma interpretação muito forçada, uma vez que esse inciso se refere especificamente à inviabilidade do direito ao “sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas”, e não a registros bancários.

            Além disso, como notou Osires Lopes Filho, “a inviolabilidade dos dados, se é que essa expressão abrange depósitos bancários e aplicações financeiras, já está sob controle do Fisco. Afinal, dos contribuintes do Imposto de Renda, todos os anos, apresentam declaração patrimonial em que incluem essas observações referidas a 31 de dezembro".

            Outra contribuição significativa ao debate da questão foi dada pelo Presidente da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), Roberto Setubal, em entrevista à Folha de S.Paulo do último dia 19 de janeiro. Nessa entrevista, o Presidente da Febraban abordou a questão do sigilo sob outro ângulo que não o jurídico-constitucional. Falando em nome próprio, e não em nome da Instituição que preside, Roberto Setubal declarou que é essencial que se dê ao Governo “meios para ele desenvolver um projeto social que todos nós reclamamos no Brasil. Portanto, acho importante que a Receita Federal tenha os meios para cobrar e fiscalizar os impostos que são devidos e necessários para esse projeto social para o País. Sem dar os meios para o Governo aumentar o salário mínimo e ampliar o atendimento à saúde e à educação, é muito difícil chegarmos ao país que almejamos”. Quero ressaltar que a Febraban não tomou iniciativa semelhante à da CNC e à da CNI de questionar a constitucionalidade da quebra do sigilo para fins de fiscalização.

            Questionado pela Folha de S.Paulo se o projeto não traria o risco de aumentar o Imposto de Renda, Roberto Setubal deu a resposta que me parece adequada: “O Imposto de Renda talvez seja o mais justo. Trata-se de um imposto progressivo. Esse imposto tem uma participação relativamente pequena sobre o PIB, talvez até pela dificuldade em monitorá-lo e cobrá-lo. Então, acabam ocorrendo todos os problemas que conhecemos e reclamamos de impostos em cascata e de uma série de contribuições e impostos exagerados em algumas atividades”.

            Essas afirmações são inteiramente compatíveis com as propostas que o PT tem defendido desde 1995. Acrescentaria, entretanto, que o nosso entendimento é que a progressividade do Imposto de Renda é ainda muito limitada no Brasil e poderia perfeitamente ser aumentada. Lembro que o Presidente Fernando Henrique Cardoso, desde 1994, e antes mesmo quando era Ministro da Fazenda, na verdade, diminuiu a progressividade. Agora é fato que o baixo peso do Imposto de Renda e de outros tributos diretos acabam levando a uma dependência excessiva de tributos indiretos, inclusive em cascata ou cumulativos.

            Concordamos com Roberto Setubal quando ele afirma, na mesma entrevista, que “se dermos condições à Receita para que ela possa cobrar o Imposto de Renda de forma mais adequada, o País terá dado outro salto fantástico de qualidade em termos de arrecadação. A arrecadação do Imposto de Renda é muito mais justa para a economia. Mantém a economia competitiva e é favorável à distribuição de renda”. De fato, os tributos indiretos costumam ser regressivos, isto é, oneram proporcionalmente mais os setores de baixa renda. E os tributos cumulativos prejudicam a competitividade internacional das empresas brasileiras, tanto nos mercados externos como no mercado interno, na competição com importações.

            Roberto Setubal recorda também que, até o ano de 1994, a Receita Federal podia ir direto aos bancos e solicitar informações. Em 1994, a questão foi levada ao STJ, e decidiu-se que a Receita teria que ir por meio do Judiciário.

            No mundo, observa Setubal, há vários exemplos de países, como França e Estados Unidos, que têm mecanismos que possibilitam à Receita obter informações diretas dos bancos. No caso do Brasil, diz ele, não houve abuso até 1994, e hoje, com o processo muito mais policiado e controlado pelo decreto recentemente assinado pelo Presidente da República, ele não vê razões para maiores preocupações.

            Em suma, é com satisfação que registro o fato de posições tradicionalmente defendidas pelo meu Partido e outros setores de Oposição estarem sendo aceitas pelo Governo e por outros setores da opinião pública. Quanto mais essa discussão se consolidar, mais próximos estaremos de um sistema tributário eficaz e justo.

            Quero registrar também o Ato da Mesa do Senado Federal, publicado na semana passada, que regulamenta a tramitação de requerimento de informação, inclusive tendo em vista a edição da Lei Complementar nº 105, de janeiro de 2001. Fica claro que um Senador ou Comissão poderá requerer informação sigilosa referente a operações ativas e passivas e serviços prestados pelas instituições financeiras, especificando-se sempre o fundamento sobre a importância da informação solicitada a Ministro de Estado ou órgão diretamente subordinado à Presidência. O Ato deixa claro a necessidade de prazos para exame e votação da Comissão de Constituição e Justiça, bem como para a deliberação do Plenário do Senado Federal. Reitera o prazo de trinta dias para o Ministro de Estado responder, bem como disciplina a forma como os Senadores devem tratar as informações sigilosas.

            A partir de agora - e isso é da maior relevância, Sr. Presidente, Srs. Senadores -, o Senado terá um meio mais eficaz de solicitar informações relevantes para que possamos bem cumprir nosso dever constitucional de fiscalizar os atos do Executivo.

            Permita-me, Sr. Presidente, na minha conclusão, dizer, da mesma forma como V. Exª e os demais Senadores que hoje aqui falaram, que todos estamos muito empenhados em que a decisão que tomaremos no próximo dia 14 seja no sentido de fortalecer a instituição, o Senado Federal e o Congresso Nacional, para que todos possamos estar aqui exercendo, da melhor maneira possível, os nossos deveres constitucionais de bem representar o povo, fiscalizar os atos do Executivo, dando exemplo na nossa própria Casa e legislar.

            Na última quinta-feira, em visita ao Senador Jader Barbalho, propus a S. Exª, como candidato indicado pelo seu partido, o PMDB, assim como ao Senador Jefferson Péres, indicado pelo Bloco de Oposição, que ambos possam, se possível amanhã, realizar neste plenário a exposição sobre os seus propósitos como candidatos à Presidência da Casa. Nunca tivemos, desde que estou aqui, uma exposição prévia dos candidatos à Presidência do Senado sobre seus planos, programas e propósitos, de maneira que cada Senador e cada Partido pudessem com eles dialogar. Dessa forma, eu gostaria de informar que o Senador Jader Barbalho aceitou a proposição, e o Senador Jefferson Péres, amanhã, estará aqui expondo seu plano, e nós, do Bloco da Oposição, o estaremos apoiando e expondo aquilo que acreditamos que prevalecer para que as coisas aqui se dêem sempre da maneira mais transparente possível. O Senador Jader Barbalho também assim se pronunciou.

            Eu gostaria de informar aos meus colegas que não puderam estar em São Paulo que fiz ontem uma visita ao ex-Presidente e Senador José Sarney, que, depois de ter sido submetido a uma operação para retirar cálculos da vesícula, está bem melhor, apesar das fortíssimas dores que sofreu - quem sabe até em função de toda a tensão que acabou sendo canalizada sobre S. Exª, mas que, em verdade, pesa também sobre todos nós, os 81 Senadores.

            O Senador José Sarney, felizmente, já deve ter recebido alta, segundo confirma o Senador Carlos Patrocínio. Portanto, deve estar vindo para Brasília e poderá se recuperar, em casa, da cirurgia que sofreu, podendo, quem sabe, estar aqui no dia 14, participando conosco não apenas da eleição, mas da decisão que todos teremos a responsabilidade de tomar. Queremos crer que ainda possa surgir um entendimento que fortaleça o Senado, com o maior consenso possível.

            O debate que ambos os candidatos, Jefferson Péres e Jader Barbalho, se propõem a fazer certamente irá ser de grande proveito para a nossa Casa. Faço o anúncio de que ambos aceitaram aqui estar para que assim possamos ouvir as plataformas de cada um.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

            


            Modelo14/26/2410:26



Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/02/2001 - Página 380