Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com a prestação dos serviços públicos no Paraná diante da decretação de férias coletivas para o funcionalismo, motivada pela insolvência promovida pelo atual Governador. Percepção de equívocos na condução da política externa brasileira.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DO PARANA (PR), GOVERNO ESTADUAL. POLITICA EXTERNA.:
  • Preocupação com a prestação dos serviços públicos no Paraná diante da decretação de férias coletivas para o funcionalismo, motivada pela insolvência promovida pelo atual Governador. Percepção de equívocos na condução da política externa brasileira.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 28/12/2000 - Página 25585
Assunto
Outros > ESTADO DO PARANA (PR), GOVERNO ESTADUAL. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, OCORRENCIA, INSOLVENCIA, CIDADÃO, ESTADO DO PARANA (PR), MOTIVO, INEFICACIA, GOVERNO ESTADUAL, EFEITO, DECRETAÇÃO, FERIAS COLETIVAS, FUNCIONARIO PUBLICO.
  • COMENTARIO, APREENSÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, ESTADO DO PARANA (PR), CRESCIMENTO, VIOLENCIA, TRAFICO, DROGA, IRREGULARIDADE, PRIVATIZAÇÃO, BANCO DO ESTADO DO PARANA S/A (BANESTADO), COMPANHIA PARANAENSE DE ENERGIA ELETRICA (COPEL), APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, REALIZAÇÃO, CONVOCAÇÃO, CONSELHO ESTADUAL, BUSCA, SOLUÇÃO, PROBLEMA.
  • DEFESA, ALTERAÇÃO, POLITICA EXTERNA, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, REDUÇÃO, VINCULAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), LIMITAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, ASSINATURA, TRATADO.

  SENADO FEDERAL SF -

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            O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente Casildo Maldaner, a tolerância de V. Exª é conhecida de todos nós, peemedebistas. É, às vezes, até excessiva, como a tolerância com que V. Exª e o PMDB de Santa Catarina tratam o Governo do Fernando Henrique, que mereceria, talvez, de nossa parte, um pouco menos de tolerância.

            Ocupo a tribuna, hoje, por dois motivos de natureza diferente. Um deles é para anunciar, preocupado e constrito, o que soube há minutos: que o Governador do Estado do Paraná, diante da insolvência promovida no Estado pela má administração e por um processo de profunda corrupção, está decretando férias coletivas para o funcionalismo público. É evidente que se reservarão plantões para os serviços essenciais, mas o Estado do Paraná atravessa uma crise, Senador Jefferson Péres, como a de pequenas e inviáveis Prefeituras do interior do Brasil. Desgoverno, falta de correta condução administrativa, descontrole e tolerância com a corrupção nos levaram a esse estado.

            Não basta o lamento, não fico só na denúncia. Faço em meu nome e, tenho certeza, nos dos Senadores Álvaro Dias e Osmar Dias, uma proposta: que o Governador do Estado convoque uma reunião de ex-Governadores e Senadores do Paraná. Estou certo de que encontraremos um caminho para evitar que o caos completo se estabeleça no Estado.

            O Paraná é um grande Estado da Federação. Há seis anos era o mais equilibrado Estado do Brasil e hoje está numa situação pior ou igual à de Alagoas ou do Amapá: o narcotráfico tomando conta da Polícia, os contratos absurdos de pedágio, a antecipação dos pagamentos de impostos, o Banco estadual roubado, espoliado e posteriormente vendido. E, juntamente com o Banco, como se fosse um brinde de uma grande loja de variedades, entrega-se a Companhia Paranaense de Energia Elétrica, porque ele caucionava títulos de um empréstimo impagável, feito pelo Governo do Estado junto à sua própria organização financeira.

            A minha proposta é que a de que se convoque um conselho. E desde já, sem uma visão revanchista e sem mágoa política, assumo aqui, em meu nome e no dos Senadores, o compromisso de participar desse conselho, para tirar o Estado do Paraná da situação difícil e ridícula em que se encontra diante do concerto dos Estados brasileiros.

            Por indicação do Presidente do Senado e confirmação da Presidência da República, durante 15 dias, participei, como observador, dos trabalhos da ONU em Nova Iorque. Quero antecipar aqui um breve relatório dessa observação. Com o fim da Guerra Fria, com o desmantelamento da União Soviética, os países de menor poder econômico, menos desenvolvidos e não-possuidores de artefatos nucleares perderam a importância relativa que tinham na Assembléia Geral da ONU. No momento em que a opinião brasileira podia fazer pender a balança do poder universal para a esquerda ou para a direita, tínhamos uma importância significativa. O desmantelamento da União Soviética destruiu esse equilíbrio e estabeleceu, no mundo e também na ONU, uma espécie de pax americana.

            Para que os Senadores tenham uma idéia, o maior devedor da ONU, hoje, são os Estados Unidos da América, que devem uma quantia de US$1,7 bilhão, enquanto o orçamento anual da instituição é de cerca de US$1,1 bilhão a 1,2 bilhão - o que parece, apresentado dessa forma solta e avulsa, uma quantia significativa, mas que, em relação, por exemplo, ao preço da construção de um único bombardeio americano, o famoso bombardeio invisível, que é de US$1,4 bilhão, transforma-se num custo relativamente insignificante. Um bilhão e cem milhões de dólares ou US$1,2 bilhão são investidos numa instituição destinada a promover a paz no mundo, e US$1,4 bilhão é o custo de apenas um bombardeio construído pelo país mais poderoso do planeta.

            O Brasil, por sua vez, deve à ONU uma contribuição de US$15,5 milhões ao ano e tem uma dívida acumulada de US$63,9 milhões. Se o Brasil não pagar uma parte dessa dívida neste ano perderá a condição de votar na Assembléia Geral da ONU, porque a tolerância com o atraso é de apenas dois anos. Passaríamos, dessa forma, nós, fundadores da instituição, à condição de meros observadores das assembléias gerais. Espero, no entanto, que isso não aconteça.

            Quero avançar um pouco, mediante as observações que fiz, no funcionamento da nossa delegação. É uma delegação eficiente, Senador Pedro Simon. São pessoas que respondem à média do nosso pessoal do Itamaraty - bem informada, inteligente e culta - mas, talvez, excessiva, porque temos dezoito diplomatas na representação da ONU. É a única representação que tem um embaixador e um embaixador adjunto permanentes. Funcionamos conforme as instruções do Itamaraty e os diplomatas que trabalham na ONU, representando o Brasil, informam-nos que vivem num sistema militar, trabalhando sem flexibilidade, conforme as determinações de um manual estabelecido a cada ano, pelo Itamaraty e no Brasil, dando as diretrizes principais da política externa brasileira.

            No entanto, a primeira pergunta que faço: se é verdade que, do ponto de vista cultural, estamos bem representados, qual é a natureza dessa representação? A quem representam os rapazes do Itamaraty na missão da ONU? Dizem eles que representam o Governo brasileiro. E eu lhes indaguei no momento: - Mas o que pensam vocês seja o Governo Brasileiro?

            O Governo brasileiro é formado pelo Executivo, pelo Legislativo e pelo Judiciário que analisa as inconstitucionalidades. Então, representam apenas o Executivo. Mas, representando o Executivo, assinam tratados que muitas vezes são rigorosa ou absolutamente inconstitucionais, ou profundamente inconstitucionais na sua essência. Como, por exemplo, o Tratado de Roma, que estabeleceu o inteligente e necessário Tribunal Penal Internacional, um tribunal penal internacional que, no seu texto, não admite reservas, apenas uma retratação com um prazo de antecipação de um ano, não admite modificações de quaisquer espécies, mas que, no entanto, definitivamente, não se conforma com os princípios constitucionais brasileiros nos seguintes dispositivos: estabelece prisão perpétua, estabelece a entrega de nacionais ao Tribunal Penal Internacional, desconsidera imunidades e não fixa a duração das penas. Diante do nosso Direito e dos nossos princípios constitucionais, dificilmente seria assimilável, mas foi assinado. E hoje, dizem os nossos representantes - e coloco os representantes entre aspas em função do disparate constitucional do Tratado de Roma -, isso tudo pode ser resolvido; já existe um projeto de emenda constitucional, de um único artigo, autorizando o reconhecimento da jurisdição do Tribunal Penal Internacional.

            No entanto, é preciso que se diga que o Congresso americano já votou ou está votando legislação que impede a participação dos Estados Unidos nesse tribunal, em nome da violação ou da quebra da sua soberania interna. E, dos cento e sessenta e nove subscritores, apenas vinte e seis homologaram nas suas assembléias internas, nos seus congressos nacionais.

            Os Estados Unidos também, Senador Pedro Simon, de uma forma unilateral, já resolveu que não pagará a sua dívida de 1,7 bilhão de dólares, e, de uma forma unilateral, resolveu diminuir também a sua contribuição. É evidente a importância da ONU, mas é extraordinariamente evidente que, depois da queda dos países do Leste Europeu, da desorganização e desagregação da União Soviética, pode-se questionar a praticidade e utilidade da participação de um país por meio da Organização das Nações Unidas.

            É evidente que não estou propondo a saída do Brasil, mas a nossa política tem que ser mais consistente e mais séria. E, acima de tudo, o Congresso Nacional precisa começar a participar da política externa brasileira.

            Fiz ao embaixador e aos diplomatas uma proposta que trago ao Senado da República, Senador Pedro Simon: que organizemos, no ano que vem, um seminário entre aqueles embaixadores e diplomatas que nos representam na Organização das Nações Unidas e o Congresso Nacional. Isso porque a meu ver o mínimo que se poderia exigir era que os nossos diplomatas tratassem da participação do Brasil e da nossa assinatura em tratados por meio de uma espécie de fast track, de um caminho encurtado, que seria encurtado pela discussão prévia entre os representantes do Executivo e do Congresso Nacional a respeito dos passos que o Brasil daria na assinatura dos tratados internacionais - até onde iríamos e até onde não iríamos.

            O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Permite-me um aparte, Senador?

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Depois de eu terminar de expor esta minha idéia do fast track com a redução sociológica para as condições brasileiras. Seria, Senador Pedro Simon, uma discussão de antecipação que estabeleceria limites de participação do Brasil na assinatura dos tratados e, ao mesmo tempo em que esses limites fossem estabelecidos, nós estaríamos propondo uma tramitação extraordinariamente rápida na homologação dos tratados que obedecessem aos limites traçados na discussão prévia para que, também, os tratados assinados pelo Brasil, pelos nossos representantes do Executivo não dormitassem por anos e, às vezes, por décadas nas gavetas e nas comissões da Câmara Federal e no Senado da República.

            Mas é preciso que se agilize uma integração maior entre o Itamaraty e o Legislativo para que não ocorra esta posição que observei na delegação da ONU: uma liberdade absoluta para assinar aquilo que algumas pessoas do Executivo julgaram conveniente para o País. E, como me dizia o Senador Pedro Simon momentos atrás, talvez apenas algumas pessoas, porque seguramente os Ministros e as Pastas políticas não teriam sido consultados. A minha proposta, depois dessa viagem de observação, é no sentido da realização de um seminário para discutir o que se discute na ONU e estabelecer limites e orientações para a política externa brasileira hoje solta, absolutamente solta, na mão daquela rapaziada jovem, bem preparada e inteligente, mas que, dadas as condições atuais, não sei bem a quem representam.

            Concedo com prazer um aparte ao Senador Pedro Simon.

            O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Felicito V. Exª pelo importante pronunciamento que está fazendo e, de modo muito especial, pela análise da ação diária, permanente e constante da representação do Brasil na ONU. Concordo plenamente com V. Exª quando se refere a nada a obstar em relação à qualidade, à competência, à capacidade, à disposição e ao trabalho desses jovens representantes do Brasil na ONU. Trata-se de uma equipe selecionada, preparada, que se cuida e que busca o melhor possível na representação da ONU. Não há dúvida, porém, nobre Senador, de que, se o Itamaraty tem hoje uma presença internacional, se o Itamaraty, fruto de sua qualidade, de sua competência, de sua ação, é respeitado internacionalmente, o mesmo não se pode dizer do Congresso brasileiro. Principalmente não se diga o mesmo da Comissão de Relações Exteriores do Senado brasileiro. A grande verdade é que a Comissão de Relações Exteriores do Senado e, conseqüentemente, o próprio Senado não tomam conhecimento do que é, do que se trata e do que se faz. Há apenas o envio de representação, como V. Exª diz, e, ao longo da história, de muitos outros representantes brasileiros. V. Exª faz uma proposta e - o que é mais importante - diz que o Itamaraty se propõe a realizar um seminário entre os 18 Embaixadores que participam da Assembléia Geral da ONU e o Senado Federal, ou o Congresso brasileiro - não sei. É uma boa proposta e demonstra que eles têm a intenção. Eles se encontram nessa posição a que V. Exª se refere, em que são exclusivistas e decidem absolutamente tudo. Como bem salientou V. Exª, não apenas o Congresso Nacional é deixado de lado. Dentro do Poder Executivo, muitos também são deixados de lado, mas eles estão nessa posição porque os fatos acontecem. A Assembléia da ONU é marcada, a pauta das assembléias é conhecida com imensa antecedência, e ninguém faz nada. No início da Assembléia da ONU, a matéria é posta em discussão e em votação, e eles tomam posição. Houve um ano aqui, Sr. Senador, em que me propus a fazer o que V. Exª está propondo, agora, da tribuna. Disse que não me parecia ficar bem o Senado indicar representante para a Assembléia Geral da ONU, o Senador ficar dez, quinze, vinte dias, um mês, e não atuar. O representante que é assíduo, participa, senta na representação, olha, mas não tem nenhuma ação, não tem conhecimento. Ele praticamente é um cidadão à margem da representação. Seria interessante que tivéssemos conhecimento do que será discutido na Assembléia da ONU. A pauta da Assembléia, distribuída com antecedência - o Itamaraty a recebe com antecedência e a discute, e a debate -, deveria também ser entregue com antecedência ao Congresso Nacional, ao Senado Federal, à Comissão de Relações Exteriores. Assim, a Comissão de Relações Exteriores poderia debater, discutir, chamar a representação quando tivesse dúvida, e a representação do Senado na Assembléia da ONU teria a pauta do que seria discutido e posições para debater. Convocamos para vir ao Brasil o Embaixador que era representante do Brasil na ONU, ele veio e fez uma excepcional conferência. S. Exª disse que a nossa decisão era ótima, que estávamos fazendo um grande favor ao Itamaraty, que aquilo era altamente positivo. Relatou a difícil situação de estar lá falando em nome do Brasil, discutindo, sabendo que não tem a idéia, o pensamento do Congresso Nacional, ou do Judiciário muitas vezes. Comprometeu-se a enviar a pauta e a enviou. Recebemos toda a pauta, trazida pelo Embaixador, que veio em outra viagem especialmente para a entregar a nós. E disse à assessoria do Itamaraty no Senado que haveria mais pessoas à nossa disposição para debater a matéria. A Comissão, no entanto, não teve nenhum interesse. Não leu, não tomou conhecimento. E, quando mandou o representante, mandou-o como sempre. Dessa vez, não aconteceu nada; das outras vezes continuou não acontecendo nada, e na ONU está a representação do Senado integrando a representação brasileira. Felicito V. Exª pela sua atuação, que saiu do campo sereno de conhecer, de assistir, de olhar, para trazer uma análise e uma proposta. A verdade, entretanto, é que desde aquela vez em que a proposta foi feita, foi aceita pelo Itamaraty, mas foi rejeitada pelo Senado brasileiro, por intermédio da Comissão de Relações Exteriores, continuamos assim, sem fazer nada. V. Exª precisa insistir, e alguém tem de estar interessado nisso na Presidência da Comissão de Relações Exteriores, com todo o respeito aos dois grandes Presidentes. Antonio Carlos foi um grande Presidente da Comissão de Relações Exteriores; José Sarney é um grande Presidente da Comissão de Relações Exteriores, mas nenhum dos dois mostrou gosto por ver como será a participação do Senado brasileiro na ONU. Acho que eles não tiveram esse gosto, porque, na verdade, é raro um pronunciamento como o de V. Exª neste momento, como o que eu fiz - e fiz vários pronunciamentos com o mesmo posicionamento do que V. Exª está fazendo agora. Afora isso, parece-me que o Senado não se sente importante, não se sente humilhado com o discurso de V. Exª, que diz que não temos participação alguma, que as coisas são feitas à nossa revelia, ao contrário do que ocorre no Senado americano. Digo e tenho dito que jamais me passa pela cabeça que o Senado brasileiro tenha a força do Senado americano ou que a Comissão de Relações Exteriores do Senado brasileiro tenha a força da Comissão de Relações Exteriores do Congresso americano. Lá, o Senado derruba presidentes de repúblicas estrangeiras. Nós não fazemos nada. Mas que tenhamos pelo menos o prestígio e a credibilidade que o Itamaraty tem. O Itamaraty é respeitado na ONU. Agora, do Senado brasileiro ninguém tem conhecimento. Queira Deus que o pronunciamento vibrante e firme de V. Exª tenha mais felicidade, mais competência do que o meu, pois não consegui avançar além do que desejava. V. Exª traz hoje outro pronunciamento, mais importante e mais competente. Peço a Deus que V. Exª seja feliz.

            O SR. PRESIDENTE (Casildo Maldaner. Fazendo soar a campainha.) - Apenas para alertar que o Regimento manda avisar neste momento, sem querer prejudicar a tolerância. Sem confundir com vigilância.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Conhecemos, Senador Casildo Maldaner, a sua proverbial tolerância.

            Senador Pedro Simon, eu não faria avaliação tão negativa do Senado da República nessa questão fora de um contexto mais amplo. O que observei e observam os nossos representantes na missão brasileira em Nova Iorque é que há um provincianismo endêmico no Brasil em relação à política externa. Nós não discutimos política externa; ao contrário de outros países, não temos jornalistas escrevendo sobre a política externa brasileira, para apoiá-la ou criticá-la. Eu iria mais além: nós não temos política externa. Nós estamos em decúbito ventral, expondo ao mundo as nossas redondas abundâncias, como diria o Padre Godinho na tribuna da Câmara, seguindo a política de globalização do país, econômica e militarmente, mais forte do mundo hoje, que são os Estados Unidos. Não há esse interesse. O próprio Executivo não coloca as suas propostas.

            Veja o que está acontecendo, Senador Pedro Simon, com o Mercosul, baleado pela ação americana, que coopta o Chile e que parece que vai rapidamente cooptar a Argentina para a Alca, tirando-nos a possibilidade de um desenvolvimento no Cone Sul latino-americano. Veja, Senador, o que está acontecendo com as propostas da Alca, que não são decodificadas para a população brasileira, enquanto o Governo diz: “Nós queremos a Alca, sim, só que queremos esperar mais um pouco”!

            O que é a Alca, afinal? Ela não passa, Senador Gilberto Mestrinho, de uma TEC, de uma Tarifa Externa Comum. Não há nenhum compromisso, acordo ou garantia. A Alca, que os norte-americanos querem para nós, é simplesmente a abertura das nossas fronteiras e a exposição da nossa indústria e dos nossos produtos a uma concorrência internacional, extremamente e fundamentalmente difícil para nós, depois da barbaridade que foi a Lei de Patentes. Aí, sim, devemos fazer o mea culpa, pois a aprovamos no Senado da República. Com a minha oposição, mas nós, Senadores da República, a aprovamos. Estamos imposssibilitados de uma competição mais séria. Cobram-nos a preservação da natureza, mas nos negam acesso à tecnologia, produto do processo civilizatório, do caminho da humanidade até hoje, que foi privatizada.

            Está aí o Presidente da República dizendo que o Brasil quer a Alca. Querer a Alca significa abrir mão, definitivamente, das possibilidades soberanas da negociação, ponto a ponto, de cada concessão que possamos fazer.

            O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Perdoe-me, nobre Senador, mas o Presidente da República disse que quer a Alca depois do Mercosul. Essa ressalva é importante. Esta foi uma decisão tomada pelo Senado brasileiro e acatada pelo Governo: primeiro o Mercosul. Consolidado o Mercosul, o Mercosul decidirá se entrará na Alca. Eu acho que, até aqui, merece respeito a posição do Governo.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Senador Pedro Simon, quanto a esse ponto, temos um antagonismo: é a visão complacente com que V. Exª vê o Executivo e a visão dura com que observou agora há pouco o Senado da República. Não, não é assim. O Executivo está entrando na Alca. A política externa brasileira é a política comandada pelos interesses da globalização.

            Não sou contra a política externa como corpo teórico. Vamos admitir, como admitiu outro dia o Sr. Roberto Mangabeira Unger, três conquistas do Governo do Fernando Henrique, pela metade, mal feitas e todas elas não completadas: a inserção no mercado internacional, a estabilidade da moeda e a Lei de Responsabilidade Fiscal.

            Essas são conquistas pela metade, porque em vez de atenderem a interesses nacionais dirigiram-se para os interesses da economia americana, que precisava de abertura de mercados para continuar crescendo e viabilizar um nível de emprego razoável; a estabilidade da moeda foi garantida à custa de juros enormes - eles elevaram a dívida de uma forma absurda, sem investimentos na produção e sem crescimento econômico; e a Lei de Responsabilidade Fiscal, que, na sua essência, é interessante - do ponto de vista teórico, ela é maravilhosa -, pretende, na verdade, engessar prefeitos e prefeituras para que não possam administrar, colocando o pagamento de dívidas de uma forma magnificada em todo o processo.

            Não se pode negar, entretanto, que essas foram conquistas importantes, que podem ser contabilizadas e consertadas.

            Senador Pedro Simon, não acredito que V. Exª acredite que o Fernando Henrique quer fazer alguma coisa além do que tem feito nesse processo de globalização. Eu não posso imaginar que V. Exª veja alguma diferença entre o Fujimori, que na verdade não era peruano, mas japonês, e o Armínio Fraga, que ainda fugirá um dia para os Estados Unidos, valendo-se da cidadania norte-americana.

            Não vejo intenções terríveis no Governo, mas vejo erros que se suportam na subserviência de uma visão dependentista, confessada pelo Presidente da República há muito tempo. A propósito, quero recomendar a V. Exª a leitura do livro do Fernando Henrique Dependência e Desenvolvimento na América Latina, escrito no Chile, em 1967, em parceria com o argentino Enzo Faletto.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo112/20/249:30



Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/12/2000 - Página 25585