Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o processo de globalização, ressaltando o caso do embargo canadense à carne bovina brasileira. Comentários sobre as declarações do Presidente Fernando Henrique Cardoso a respeito da polarização entre as propostas de Davos e do Fórum Mundial Social de Porto Alegre.

Autor
Eduardo Siqueira Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: José Eduardo Siqueira Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. COMERCIO EXTERIOR.:
  • Considerações sobre o processo de globalização, ressaltando o caso do embargo canadense à carne bovina brasileira. Comentários sobre as declarações do Presidente Fernando Henrique Cardoso a respeito da polarização entre as propostas de Davos e do Fórum Mundial Social de Porto Alegre.
Publicação
Publicação no DSF de 17/02/2001 - Página 1246
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • GRAVIDADE, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, MUNDO, PROCESSO, GLOBALIZAÇÃO, ECONOMIA, ANALISE, REDUÇÃO, PODER, ESTADO, PREVISÃO, FORMA, DITADURA, PODER ECONOMICO, CORRELAÇÃO, CRISE, COMERCIO EXTERIOR, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, CANADA.
  • COMENTARIO, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OPÇÃO, SOLIDARIEDADE, JUSTIÇA, ETICA, AMBITO, GLOBALIZAÇÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDUARDO SIQUEIRA CAMPOS (PFL - TO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no mundo globalizado em que vivemos os acontecimentos se sucedem com uma velocidade cada vez maior e de forma inesperada, pondo à nossa frente desafios cada vez maiores para entendê-los e administrá-los.

            Para os países periféricos, como o nosso, essa administração se torna cada vez mais complexa, ou difícil, porque, simultaneamente o poder se concentra nas mãos de uma parcela cada vez menor de pessoas e de países, enquanto um número cada vez maior, em conseqüência, é excluído dos centros de comando ou de decisões que afetam o Planeta.

            A concentração a que me refiro, Sr. Presidente, não diz respeito apenas ao PIB ou à riqueza material.

            Segundo dados do Relatório da ONU sobre o Desenvolvimento Humano, em 1970, os 20% mais ricos do Planeta acumulavam 64% do PIB mundial, enquanto restava apenas 2,4% para os 20% mais pobres.

            Esses números hoje, 30 anos depois, subiu para 84% - o percentual de riqueza possuído pelos desenvolvidos -, enquanto baixou para 1.4% a participação dos mais pobres.

            Ocorre, porém, que esse processo de exclusão e de concentração, não se refere apenas aos bens materiais ou ao dinheiro. A última fusão de bancos japoneses e americanos permitiram que uma única instituição acumulasse ativos da ordem de 1.3 trilhões de U$, uma vez e meia o PIB brasileiro; enquanto a anunciada fusão das bolsas européias permitirá a administrar por esse meio cerca de 7 trilhões de U$, ou seja, uma quantia maior que o PIB americano ou 1/5 de toda a riqueza mundial.

            Segundo dados do mesmo Relatório, 95% das patentes de invenção modernas estão nas mãos dos países industrializados, restando apenas 5% para o restante dos países industrializados - entre eles o Brasil - fora desse círculo de poder.

            É óbvio, Sr. Presidente, que as decisões que afetam a todos - países e pessoas - nesse cenário, excluem os interesses e os direitos da maioria absoluta das populações, ou dos países do Planeta, para responder apenas aos interesses dos detentores da concentração.

            Mas o que é mais grave, nobres senadores, é que, nesse contexto, as decisões que interessam ao mundo já não são adotadas pelo poder político; o poder político, Sr. Presidente, que, por sua natureza, representa os interesses da sociedade, o bem comum, as aspirações coletivas.

            Quando o poder econômico se sobrepõe ao poder político, são os interesses dos grupos que detêm a economia, seus objetivos individuais, que se sobrepõem aos interesses da sociedade, ao bem comum, às aspirações e direitos coletivos.

            Os números que acabei de citar demonstram que o processo de fusões e incorporações de segmentos da economia gerou ativos superiores ao PIB da maior potência mundial e constituem evidente sinal de que o poder político está escapando do segmento político, dos governos, das Nações, para se concentrar nas mãos dos que detêm a riqueza, que passam a decidir pelo mundo, ou pelo país, e o farão sempre, por imperativo da competição, de acordo com seus interesses.

            O mais grave nessa inversão do poder, Sr. Presidente, que está criando uma nova forma de ditadura mundial, é que este poder transferido à economia é um poder oculto, mais ou menos virtual, que já não se assenta às mesas de discussão ou de negociação, mas se esconde por detrás de mecanismos tais como bolsas, capacidade de investimento, especulativo ou não, a economia chamada virtual.

            Faço essas reflexões, Sr. Presidente, porque é nesse contexto que se pode avaliar as decisões mais recentes de países do primeiro mundo - o governo do Canadá como títere inicial desses interesses, agora o governo americano e até de nosso irmão excluído, o México, de penalizar o processo de exportações brasileiras - inicialmente na área da aviação e, agora, começando a atingir o Brasil em uma de suas potencialidades maiores de fazer-se presente na economia mundial: a produção de alimentos, especificamente a carne bovina.

            A proibição pelo Canadá, seguido dos Estados Unidos e México, da importação da carne brasileira, sob a alegação tragicômica da doença da vaca louca, mostra bem que já não são os poderes políticos que adotam as decisões mundiais, com base na justiça, na eqüidade, no bem comum, nos acordos de cooperação internacional, e sim os interesses econômicos das corporações mundiais que visam eliminar quaisquer concorrentes, ainda que potenciais, com vista a dominar os mercados do mundo, em seu próprio favor. Não é possível, Sr. Presidente, que os interesses de união das Américas, que a ALCA ou o NAFTA deveriam representar, comecem por se subordinar dessa forma aos interesses econômicos.

            Diante de fatos que se sucedem cada vez com mais freqüência e maior gravidade, creio que há necessidade de gerar uma consciência cada vez maior da verdadeira natureza que inspira decisões de tal jaez.

            Essa consciência há de se iniciar pelos próprios governos dos países - vítima da opressão mundial, e porque o Brasil está sendo especialmente visado por este processo perverso, é preciso que essa consciência se aguasse de modo especial no governo brasileiro, transborde para a sociedade brasileira, através de suas lideranças, especialmente do parlamento e dos meios de comunicação formadores essenciais da opinião pública. Dessa forma, a sociedade fortaleceria o próprio governo, ditando-lhe atitudes claras de denúncia e, se necessário, inspirando ações concretas junto aos países excluídos e a segmentos conscientes de todos os países, afim de que esse processo espúrio seja revertido e o poder político volte a inspirar as relações entre povos e nações, inclusive as relações econômicas e comerciais, porque todas as relações devem ser pautadas pela justiça e pelo bem comum, e não apenas pelos interesses dos mais poderosos.

            Essas considerações nos levam também, Sr. Presidente, a trazer a esta Casa, como um começo de caminho alternativo, as recentes declarações do Presidente Fernando Henrique Cardoso que podem significar, se tiverem conseqüência, um passo adiante ao debate estéril entre esquerda e direita, ou ao alinhamento automático do país ao conservadorismo neo-liberal reunido em Davos - representando os beneficiários da concentração, ou a busca desordenada de modelos alternativos, que inspirou o Fórum Mundial Social em Porto Alegre, nos últimos dias de janeiro.

            “Davos e anti-Davos estão errados”, afirmou o Presidente Fernando Henrique na posse do Ministro Celso Lafer, no Ministério das Relações Exteriores: “A separação estanque entre o econômico e o social é a pior das simplificações que pode ocorrer em debates sobre o tema. O econômico é mera veleidade, voluntarismo inócuo. É preciso construir uma globalização que não seja assimétrica, mas solidária.”

            Creio que, se as palavras do Presidente tiverem conseqüência, e espero que tenham, essa nova postura constitui um começo de rumo para reordenar políticas internas e externas, voltadas efetivamente a construção de um modelo mais justo, participativo e solidário de organização social.

            Ao referir-me a essa alternativa não há como não registrar recente livro publicado por assessor técnico do Senado, lotado em meu Gabinete - Humanização da sociedade - A Revolução do Terceiro Milênio - que junto à defesa de um novo modelo de organização social baseado na descentralização e na cooperação, instrumentos que têm na participação e na solidariedade, a que se refere o Presidente, seu componente ético oferecendo “parâmetros para um projeto nacional” alternativo à concentração e a competição, que enquanto concentram, excluem parcelas cada vez maiores da sociedade. Tanto em nível nacional, quanto mundial, esse projeto é possível.

            Concluo, Sr. Presidente, certo de que esse conjunto de fatos e circunstâncias levarão esta Casa a refletir cada vez mais sobre a natureza dos processos que estamos vivendo, e, compreendendo-os melhor, a dar uma contribuição cada vez mais efetiva à administração e à superação de questões que, parecendo fatos isolados, são, na verdade, expressão de um processo que está ameaçando implantar no mundo um sistema de opressão tanto mais grave, porque ameaça globalmente as relações sociais neste limiar do terceiro milênio.

            Muito obrigado.


            Modelo15/21/244:21



Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/02/2001 - Página 1246