Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

ANALISE DA ESCALADA DA VIOLENCIA E DAS REBELIÕES NOS PRESIDIOS DO ESTADO DE SÃO PAULO.

Autor
João Alberto Souza (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MA)
Nome completo: João Alberto de Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • ANALISE DA ESCALADA DA VIOLENCIA E DAS REBELIÕES NOS PRESIDIOS DO ESTADO DE SÃO PAULO.
Publicação
Publicação no DSF de 22/02/2001 - Página 1750
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • GRAVIDADE, CRIME ORGANIZADO, CONTESTAÇÃO, PODER PUBLICO, PROVOCAÇÃO, REVOLTA, PRESIDIO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • ANUNCIO, APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, PROIBIÇÃO, DETENTO, UTILIZAÇÃO, TELEFONE CELULAR, PENITENCIARIA.
  • CRITICA, SISTEMA PENITENCIARIO, LEGISLAÇÃO PENAL, BRASIL, AUMENTO, CORRUPÇÃO, FALTA, SEGURANÇA, POPULAÇÃO.
  • QUESTIONAMENTO, FABRICAÇÃO, VENDA, ARMA DE FOGO, BRASIL.

  SENADO FEDERAL SF -

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            O SR JOÃO ALBERTO SOUZA (PMDB - MA) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, a imprensa há certo tempo vem proporcionado farta matéria sobre a violência em curso no País. Concomitantemente, são abundantes as considerações sobre o papel do Estado no que diz respeito a essa questão

            As manchetes dos jornais traduzem medo, angústia, desesperança, e uma desoladora sensação de limite e impotência. As cadeias são denominadas de “república dos presos”, para caracterizar a capacidade de organização intra e extra muros dos detentos, para agirem contra o Estado e as pessoas. A arrogância dos presos chega ao nível do deboche direcionado à estrutura prisional e à capacidade de controle das forças da ordem, materializado em afirmações do tipo “vou virar o sistema”, feita por líder de facção. Segundo a opinião de O Globo de 20 de fevereiro, “Freqüentemente o poder atrás das grades é espelho do poder nas ruas: ora os comandos internos são sucursais das quadrilhas de traficantes e assaltantes, ora seriam mais bem definidos como governos no exílio”.

            Os acontecimentos que marcaram o último final de semana no Estado de São Paulo são reveladores: nada menos do que 27 presídios se rebelaram simultaneamente. Uma demonstração de força nunca vista anteriormente, exibida para deixar claro que o controle dos presídios brasileiros não está nas mãos do Estado. Está, sim, sob o comando dos presos.

            O resultado é evidente: os presos constituem um exército muito bem articulado. Financiados por assaltantes de bancos e traficantes de drogas, os líderes têm grande poder de comunicação entre si, mantendo contato e organizando ações de dentro das celas, por meio de celulares. Na expressão do advogado criminalista Luiz Eduardo Greenhalgh, “os celulares são instrumentos indutores da criminalidade. Um instrumento tecnológico avançado aliado ao crime”. Os episódios de São Paulo “deixam claro - continua Greenhalgh - que os órgãos de segurança pública no Brasil fracassaram. A pujança do poderio dos presos está mais do que demonstrada”, conclui.

            De minha parte, devo informar que a questão dos celulares no interior dos presídios me vem preocupando há algum tempo. Tanto é verdade que, no dia 22 de novembro passado, encaminhei à Consultoria Legislativa do Senado Federal solicitação de projeto de lei proibindo a disponibilidade e o uso desse meio de comunicação por detentos. Espero encaminhá-lo ao Senado Federal nos próximos dias.

            Por sua vez, segundo ainda Greenhalgh, o Brasil tem “uma das mais obsoletas legislações do mundo. E um sistema penitenciário podre, também obsoleto, medieval, precário, corrupto e corruptor, que deveria ser destruído”.

            O resultado dessa situação é o aumento da descrença da população em referência à capacidade do poder público de enfrentar o problema, com a conseqüência da mudança de hábitos das pessoas: preocupadas, tomam iniciativas de autodefesa. Armam-se.

            Mais descrença ainda se instala no ânimo dos cidadãos quando os próprios poderes constituídos padecem de desentendimentos quanto à interpretação das leis e quanto ao trato a dar aos criminosos. Não sou adepto da brutalidade contra o preso. O Estado tem a obrigação de tratá-lo respeitando a dignidade da pessoa humana. Mas o criminoso deve entender que a prisão faz parte do jogo, é a desembocadura da opção pela delinqüência e jamais poder ser um lugar bom para lá ficar.

            Há um excesso de armas em poder da população, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores. Nada justifica a facilidade com que as armas circulam no Brasil.

            Tramita no Congresso Nacional projeto do Governo no sentido de proibir a venda de armas. Pressões de toda ordem, visões diferenciadas e contraditórias, no entanto, amarram-no em discussões intermináveis, enquanto o País se apavora por não ver ação concreta para conter a violência.

            Segundo estatísticas informais, existiriam no Brasil vinte milhões de armas de fogo em situação irregular e um milhão e meio legalmente registradas. Estatisticamente, 60% dos crimes em nosso País ocorrem por motivos fúteis, perpetrados com armas. Literalmente, uma insensatez!

            Razão tem Rachel de Queiroz quando acoima os governos de faltarem com a sinceridade ao permitir a fabricação livre de revólveres e pistolas, “armas que só servem para uma pessoa matar outra”. “Como acreditar - afirma a escritora - na sinceridade desses mesmos governos ao combaterem o crime, se é o próprio governo que permite a fabricação, a venda e a licença de porte a todas essas classes de armas cuja finalidade única é, repito, matar gente?”.

            No âmbito do sistema penitenciário nacional, o País também tem que estruturar uma política de formação e acompanhamento adequados dos recursos humanos encarregados da gerência das prisões. As ações dos agentes do Estado nas prisões não podem restringir-se, como em grande parte acontece, à condução e acompanhamento apenas burocráticos dos problemas. Esses agentes necessitam ser bem formados, acompanhados e atualizados, para evitar as ligações espúrias entre eles e os presos. Sem uma formação específica e suficiente, sem acompanhamento, sem avaliação processual, é inevitável que a corrupção se instale e apodreça o sistema.

            A gravidade dos acontecimentos poderia ter provocado verdadeira tragédia. Cabe nesse particular sublinhar o resultado positivo da intervenção das forças da ordem. Apesar das mortes havidas, predominou a energia cabível sobre a violência irracional e gratuita. No entanto, fica aberta a lição: sempre que a ausência ou a ineficácia dos mecanismos do Estado abrem oportunidades, as organizações marginais ocupam o espaço e perpetram barbaridades. É obrigação primordial do Estado viabilizar a convivência humana, evitando que o ser humano em sociedade efetive o terrível programa do homo hominis lupus.

            Muito obrigado.


            Modelo15/17/2411:44



Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/02/2001 - Página 1750