Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM AO EX-SENADOR MARIO COVAS, DESTACANDO A SUA ATUAÇÃO EXEMPLAR NA VIDA PUBLICA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AO EX-SENADOR MARIO COVAS, DESTACANDO A SUA ATUAÇÃO EXEMPLAR NA VIDA PUBLICA.
Publicação
Publicação no DSF de 08/03/2001 - Página 2554
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, MARIO COVAS, EX SENADOR, GOVERNADOR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), OPORTUNIDADE, ELOGIO, ETICA, COMPETENCIA, VIDA PUBLICA, ESPECIFICAÇÃO, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, ADMINISTRAÇÃO, GOVERNO ESTADUAL.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem eu não compareci à sessão do Senado, porque havia deslocado-me para São Paulo para participar do velório do Senador Mário Covas. Por isso, não pude expressar aqui o meu pesar pelo seu falecimento. Pesar esse que - creio - é de boa parte dos brasileiros, principalmente dos que o conheceram, dos que tiveram notícia dos seus feitos, da sua atuação, do seu comportamento.

Fui procurado por uma jovem jornalista de uma emissora de televisão que cobria o acontecimento e que me disse: “Senador, vim procurar o senhor, porque preciso reconstituir, e rapidamente - porque somos todos premidos por esses prazos dos horários de edição de matérias -, a trajetória do Governador Mário Covas, quer dizer, o seu desempenho, os pontos culminantes da sua atuação política, da sua vida partidária, da contribuição que deu ao País como homem público”.

Então, de relance, recordei-me da atuação que ele teve - muitos companheiros que estão aqui se lembram disso - na Assembléia Nacional Constituinte. Foi um momento extremamente difícil que vivemos aqui. O Senador Bernardo Cabral foi o Relator da Constituinte e se lembra perfeitamente de que estávamos em um momento de abertura política, de reorganização da vida política do País, de retorno à democracia. E havia, por toda parte, nas diferentes categorias sociais, nas mais diferentes regiões, mesmo nos lugares mais longínquos do País, uma grande ansiedade em relação à nova Constituição e, conseqüentemente, aos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte.

Naqueles dois anos de trabalho, passamos por momentos extremamente difíceis em que parecia que perdíamos fôlego, que o trabalho não seria concluído, não chegaria ao fim. O Senador Bernardo Cabral, com a sua moderação, mas, ao mesmo tempo, com a sua firmeza, com o seu conhecimento jurídico, repartindo com seus relatores adjuntos a responsabilidade, com muita paciência, foi uma das pessoas que constituiu um núcleo que foi responsável pelo êxito dos nossos trabalhos. Se não foi a Constituição que todos esperávamos, se não foi a Constituição dos sonhos de cada um de nós, foi aquela que surgiu da dialética, do debate, da contradição, das discussões. Hoje, infelizmente, é muito mais citada pelos seus possíveis defeitos do que pelas suas qualidades, pelas diferentes situações, sobretudo de caráter social, que ela acolheu. Tivemos a constituição dos direitos políticos e dos direitos sociais nessa Constituição de 1988.

E o Governador Mário Covas, como Líder do PMDB - que era, então, a maior bancada na Assembléia Nacional Constituinte, tinha quase que maioria absoluta naquela época -, também foi o grande condutor desses trabalhos, porque tinha firmeza, responsabilidade política e social e uma grande ascendência natural sobre os seus liderados e sobre a própria Assembléia Nacional Constituinte. Mesmo quando adoeceu, teve um infarto e se submeteu a uma cirurgia - período em que seu primeiro Vice-Líder, o então Deputado Euclides Scalco, ficou respondendo por ele -, influenciou direta ou indiretamente, com suas idéias, sua sabedoria, aqueles trabalhos, sendo, assim, um dos grandes responsáveis pelo êxito da Assembléia Nacional Constituinte.

E o Presidente Ulysses Guimarães - nunca é demais lembrá-lo -, em determinados momentos, quando parecia que estávamos ali patinando, que a Constituinte não andava, quando havia muitas forças contrárias à Assembléia Nacional Constituinte, umas ostensivas, outras disfarçadas, havia muitos problemas políticos, foi fundamental com a sua liderança, com a sua determinação. S. Exª despendeu um grande esforço físico, inclusive, presidindo aquelas sessões intermináveis, que varavam a madrugada. Certamente ele foi o grande responsável pela Constituição de 1988.

Então a jornalista disse-me que, infelizmente, não era daquele tempo, que não viveu aquele momento.

Estou recordando esse diálogo apenas para lembrar que se o Governador Mário Covas nos deixa fisicamente, se ele não está mais entre nós, ele deixa os seus ensinamentos, a sua experiência, o seu exemplo, o que eu chamaria de o legado de Covas. Ele fará uma falta muito grande para nós do PSDB, que tínhamos, em sua pessoa, um grande orientador, um homem cuja voz era sempre escutada, um homem que tinha a coragem, inclusive, de, muitas vezes, discordar publicamente do Presidente da República, que também faz parte do PSDB de São Paulo, era seu amigo e foram colegas neste mesmo plenário.

Em muitas ocasiões, ele foi aquela voz de alerta, aquela voz que servia para mostrar desvios e a necessidade da tomada de certas decisões. Todos sempre compreenderam, escutaram a voz de Mário Covas, que está mesmo na origem do próprio PSDB. O PSDB perdeu, nos últimos anos, Sérgio Motta, Franco Montoro e agora o Governador, o Senador, o grande político, o grande homem público que martelava repetidamente aos ouvidos de todos os que quisessem escutá-lo sobre a necessidade da ética na política e na vida pública. Aliás, a insistência do uso da ética na política, na vida pública e na Administração Pública faz parte do seu legado.

Outro legado que Covas nos deixou é a competência. Ele recebeu o governo de São Paulo em situação extremamente difícil. Hão de se recordar V. Exªs que, naquela ocasião, o salário do funcionalismo estava três meses atrasado. Isso é até admissível em um pequeno Estado do Norte ou do Nordeste, mas no grande Estado de São Paulo é inconcebível. No entanto, ele saneou as finanças, recuperou a capacidade de investimento do Estado, recolocou o Estado no trilho do desenvolvimento com coragem, determinação, assumindo, muitas vezes, posições antipáticas e que suscitavam também muita crítica. Covas tinha realmente uma visão muito mais abrangente do processo político e da Administração Pública.

Então, muitas pessoas - sobretudo os jornalistas - me perguntavam quais seriam as conseqüências da morte de Covas para o PSDB. Nós lamentamos profundamente! Nós nos sentimos, de certa maneira, como disse o Governador Tasso Jereissati, órfãos pelo seu desaparecimento, mas tudo isso pode ser minimizado, atenuado se nós levarmos em conta os seus ensinamentos, as suas lições, o seu exemplo. Se tudo que um homem público disse ou fez desaparecer com a sua morte, é evidente que nós vamos desperdiçar grandes lições e oportunidades de aperfeiçoarmos o nosso próprio comportamento, o nosso próprio desempenho e, por que não dizer, o da própria sociedade.

É evidente que ele não é o único político sério do País. Ele não é o único homem que fez da ética uma religião, para nortear a sua atuação na política e na Administração Pública. Claro que não. Mas, sem dúvida nenhuma, a sua figura está muito vinculada a esses valores. Os próprios adversários o reconhecem e proclamam. O embate político, a luta entre partidos políticos é normal; faz parte da democracia. Entretanto, isso não significa que não reconheçamos, em nossos adversários, o valor moral, o valor político de que eles são possuidores. Essas discordâncias podem ser eventuais, podem ser até ideológicas, mas elas não podem turvar as nossas vistas e nos impedir de enxergar o mérito dos nossos adversários e até dos nossos eventuais concorrentes.

Portanto, ao fazer este pronunciamento no Senado, evocando o seu exemplo, lembrando o seu comportamento, a sua conduta, procuro demonstrar que a melhor maneira de lembrar Mário Covas é praticar os seus ensinamentos, é seguir a sua orientação. Que o nosso Partido, o PSDB, como também cada um de nós, políticos de uma maneira geral, sigamos esse mesmo rumo que ele indicou, que ele apontou ao longo de sua exemplar vida pública. Mesmo quando esteve privado dos seus direitos políticos, ele manteve a mesma fé, a mesma confiança na democracia. E tão logo normalizou-se a vida política e democrática do País, ele voltou à política, obtendo grandes êxitos eleitorais, que terminaram fazendo dele por duas vezes Governador de São Paulo, Deputado Federal, Senador e assim por diante.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sei que aqueles Senadores que se manifestaram ontem, e aqueles que o farão na sessão especial que será realizada para homenageá-lo, evocaram o exemplo de Mário Covas com muito mais brilhantismo e felicidade do que o faço desta tribuna. Entretanto, quero só lembrar estes dois aspectos da vida política de Mário Covas, da sua vida como administrador público e como homem público: ética e competência. Sem dúvida nenhuma, esses dois atributos da sua personalidade resumem o seu valor e a sua grandeza como homem e como cidadão. E nós, que pranteamos o seu desaparecimento, pranteamos a sua morte e lamentamos que ele não esteja mais no nosso convívio, temos uma maneira de manter viva a sua presença entre nós: seguindo o seu exemplo, nos mirando nas suas lições.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/03/2001 - Página 2554