Discurso durante a 10ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

LEITURA DO ARTIGO "UM CEMITERIO EM NAIROBI", DE AUTORIA DO SENADOR JOSE SARNEY, PUBLICADO, NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO DE HOJE, RELATIVO A POLITICA PERVERSA DAS MULTINACIONAIS QUE BUSCAM MANTER O MONOPOLIO NA FABRICAÇÃO DE REMEDIOS PARA CONTROLE DA AIDS. ELOGIOS AO TRABALHO DESENVOLVIDO PELO MINISTERIO DA SAUDE, NO COMBATE A PROPAGAÇÃO DA AIDS.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • LEITURA DO ARTIGO "UM CEMITERIO EM NAIROBI", DE AUTORIA DO SENADOR JOSE SARNEY, PUBLICADO, NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO DE HOJE, RELATIVO A POLITICA PERVERSA DAS MULTINACIONAIS QUE BUSCAM MANTER O MONOPOLIO NA FABRICAÇÃO DE REMEDIOS PARA CONTROLE DA AIDS. ELOGIOS AO TRABALHO DESENVOLVIDO PELO MINISTERIO DA SAUDE, NO COMBATE A PROPAGAÇÃO DA AIDS.
Publicação
Publicação no DSF de 10/03/2001 - Página 2758
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • LEITURA, ELOGIO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, JOSE SARNEY, SENADOR, PUBLICAÇÃO, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ANALISE, CRITICA, POLITICA, EMPRESA MULTINACIONAL, BUSCA, MANUTENÇÃO, MONOPOLIO, MEDICAMENTOS, TRATAMENTO, CONTROLE, EPIDEMIA, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), MUNDO, ESPECIFICAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, AFRICA.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, THE NEW YORK TIMES, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ANALISE, SITUAÇÃO, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), MUNDO, RECONHECIMENTO, EFICACIA, POLITICA, GOVERNO BRASILEIRO, PREVENÇÃO, INCIDENCIA, DOENÇA, CITAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, JOSE SARNEY, SENADOR, IMPOSIÇÃO, OBRIGATORIEDADE, DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, MEDICAMENTOS, DOENTE.
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, AUMENTO, INCIDENCIA, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), PAIS ESTRANGEIRO, AFRICA, ASIA, AMERICA CENTRAL, RUSSIA, PROVOCAÇÃO, MORTE, ADULTO.
  • RECONHECIMENTO, EFICACIA, TRABALHO, GOVERNO FEDERAL, MINISTERIO DA SAUDE (MS), DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, MEDICAMENTOS, CONTROLE, PREVENÇÃO, COMBATE, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS).

            O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apesar desta tempestade política que estamos atravessando, eu não poderia deixar de trazer ao plenário do Senado um debate que julgo ser da maior importância e que julgo ser inadiável para o aprofundamento de uma importante discussão. Essa discussão envolve um alerta às autoridades brasileiras e deve considerar aquilo que há de positivo quanto às políticas públicas do Brasil em relação ao assunto.

            O Senador José Sarney, de maneira muito feliz, também aborda hoje o mesmo assunto em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo. O artigo, intitulado “Um Cemitério em Nairóbi”, diz respeito a essa política violenta e perversa de monopólio das multinacionais em relação aos medicamentos para tratamento e controle da grande pandemia de Aids que aflige o planeta.

            Faço questão de fazer a leitura do início do artigo do Senador José Sarney:

Um cemitério em Nairóbi.

A África sangra. “Como dói”, lembrando Drumont. É uma realidade cruel, carregada de revolta e de comoção. O continente está condenado pela pandemia da Aids, que se alastra e atinge 20% da população.

            Em determinado trecho de seu artigo, o Senador cita uma frase expressiva e forte de um padre, de um missionário que atua na África, Padre Angelo: “Estou farto de fazer enterros”. Esse é um quadro que está explícito aos olhos da humanidade, inquestionável em sua realidade.

            O Brasil entra de uma maneira distinta no dia-a-dia da política internacional, e isso é reconhecido em um artigo elogioso do jornal The New York Times, publicado há menos de três semanas, onde é analisada a situação da Aids no planeta e onde se considera o programa brasileiro de controle da Aids como o melhor do mundo. É reconhecida a política de prevenção muito esforçada por parte dos órgãos de saúde do Brasil, uma política que envolve um debate aberto com a sociedade e que procura diminuir o preconceito em relação ao tema da sexualidade. É citado também um projeto de lei - ele tem de ser reconhecido -, de autoria do Senador José Sarney, que impõe a obrigação de distribuir gratuitamente os medicamentos do chamado coquetel anti-Aids para os pacientes vítimas da doença. São essas medidas as responsáveis por esse êxito admirável no cenário internacional. Ao mesmo tempo, é feita uma análise de toda essa pressão descabida, irracional e cruel por parte das multinacionais em relação aos países que querem estabelecer uma política de auto-suficiência ou, pelo menos, de apoio à dignidade humana em relação ao acesso a medicamentos e ao controle da doença.

Trago este assunto, lembrando que, pelo menos há três semanas, a imprensa brasileira e a internacional não se cansam de publicar matérias sobre o assunto, enfatizando a capacidade extraordinária que o Brasil hoje possui para conter o avanço da doença no País. Tal alvoroço culminou com o recente aceno da União Européia em apoiar a fabricação de similares de medicamentos de controle do HIV, da tuberculose e também da malária pelos países mais pobres.

Nessa linha, a decisão dos europeus entra em choque frontal com a posição protencionista adotada pelos norte-americanos, que, há bem pouco, ingressaram com uma ação na Organização Mundial do Comércio (OMC), questionando a legalidade da prática brasileira. No fundo, questionam a legitimidade da lei brasileira sobre propriedade intelectual (a famigerada Lei das Patentes), que permite, desde 1996, a cópia da fórmula de qualquer produto estrangeiro que tenha sido vendido no mercado interno até 1997. Ora, a suposta ilegalidade da pirataria farmacológica brasileira se sustenta em bases extremamente humanitárias, sob a justa alegação de que, somente assim, o Brasil reúne condições mínimas para bancar os custos de tão cara medicação para uma população expressiva de infectados.

Sr. Presidente, no entanto, para ser mais honesto com a recente história política brasileira, cabe esclarecer que a Lei das Patentes, quando sancionada em 1996, não consistia, em absoluto, em algo favorável ao Brasil. Pelo contrário, tal lei havia sido imposta ao Congresso Nacional por força e intervenção direta do então Presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, interessado em preservar os interesses da indústria farmacêutica, que tão bem financiara a sua campanha presidencial.

À época, criticou-se muito a não-inclusão de duas indispensáveis salvaguardas, recomendadas pela própria OMC: de um lado, a cláusula da fabricação local, que determinaria o reconhecimento da patente se o produto fosse fabricado no país e, de outro, a cláusula do interregno, que daria cinco anos para a indústria nacional se adaptar à competição. Nada foi providenciado naquele momento, prejudicando gravemente a indústria farmacoquímica brasileira e desnacionalizando os medicamentos. Conseqüentemente, isso tudo desembocou em aumento dos preços dos remédios e em largo desemprego na indústria do ramo. Não é por acaso, portanto, que vários países até hoje não aprovaram leis de patentes.

Mesmo assim, o Brasil atravessa fase muito favorável no cenário internacional diante dos últimos acontecimentos. Com o apoio declarado, a Comissão Européia se compromete a iniciar um debate no âmbito da OMC para compatibilizar os acordos relacionados à legislação de proteção de patentes e os objetivos de proteção sanitária nos países pobres e em desenvolvimento. Mais que isso, os governos europeus, segundo os últimos noticiários, manifestaram o desejo de estabelecer, oficialmente, um sistema de preços diferenciados. Isso faz sentido quando se tem consciência de que, no final do ano passado, a Aids afetava mais de 36 milhões de pessoas no mundo inteiro, entre homens, mulheres e crianças.

Nessa perspectiva, o Banco Mundial revê as sombrias previsões que estipulou no início da década de 90 para o Brasil e já admite o êxito da solução brasileira no combate à epidemia. Doravante, talvez os seus técnicos se sensibilizem com a urgência desse combate e destinem recursos mais vultosos para as regiões pobres mais afetadas pela epidemia. Vale ressaltar que, já em 1994 e 1998, o Banco Mundial desembolsou duas parcelas de US$400 milhões cada para financiar nossas campanhas anti-Aids.

No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, o total de contaminados está abaixo da metade do que foi estimado pelo Banco Mundial naquela época. Na verdade, as mortes decorrentes da Aids reduziram-se em 50%, conforme informações do coordenador do programa de combate à doença do Ministério da Saúde, Paulo Teixeira. Para tanto, o Governo brasileiro gastou, em 2000, R$600 milhões na distribuição do coquetel de medicamentos, atendendo 100 mil portadores do vírus HIV. Desse total de recursos, 56% foram direcionados a gastos com a importação dos quatro remédios ainda não produzidos no país.

Em todo caso, testemunha representativa desse sucesso é a situação da Casa da Aids em São Paulo, em que dos 38 leitos disponíveis para internação nenhum se encontra ocupado no momento. Atualmente, o atendimento se faz sem atropelos no ambulatório, deixando num ambiente de “feliz ociosidade” as quatro dezenas de infectologistas, dentistas, oftalmologistas e assistentes sociais da instituição. No cadastro da Casa, registram-se apenas quatro mil pacientes. Tal descrição pode ser muito bem estendida às demais 630 unidades de atendimento espalhadas Brasil adentro, sem que se cometam comprometedoras distorções.

Isso, notavelmente, contrasta com o quadro verificado no resto dos países que compõem o Terceiro Mundo. A Aids ainda é a principal causa de morte de adultos em diversos países da África, da Ásia, do Caribe e na Rússia. Não por acaso, o Secretário-Geral da ONU, Kofi Anan, declarou recentemente que a vitória brasileira se deu graças à decisão de fabricar localmente os remédios contra o vírus da Aids sem autorização dos laboratórios que os desenvolveram.

De qualquer forma, na América Latina, os países caribenhos são classificados como os que têm as mais elevadas proporções de portadores do vírus HIV e de enfermos adultos em relação à população adulta total. No Haiti, a Aids está dizimando mais de 5% dos adultos, enquanto, nas Bahamas, a taxa chega a 4% da mesma faixa populacional. No mesmo passo, Guatemala, Honduras e Belize exibem um desenvolvimento rápido da doença entre os heterossexuais.

No caso específico da Guatemala, o Ministério da Saúde daquele país informou, no final do ano 2000, que cerca de 50 mil pessoas se enquadram na condição de soropositivos. Lá, ao contrário do Brasil, a epidemia está em processo de virulenta aceleração, contra o qual o modelo brasileiro funcionaria, certamente, como um excelente antídoto. Enquanto isso não se tornar realidade, dificilmente os guatemaltecos deixarão de ocupar o segundo lugar em número de casos e de contágio na América Central.

Especialistas confirmam que a distribuição gratuita desses medicamentos no Brasil desempenhou um papel crucial no programa de controle da doença. Para fabricar os compostos químicos, recorreu-se literalmente à cópia das receitas dos laboratórios ricos. Isso se explica na medida em que se sabe que os custos de importação dos remédios correspondem a quase dez vezes mais que aqueles computados com a prática da assim anunciada pirataria. De fato, desde 1996, o Governo brasileiro vem procedendo à distribuição dos denominados coquetéis anti-Aids, que consistem na combinação de 12 remédios cujas matérias-primas se originam, majoritariamente, na China e na Índia.

Nessa corajosa empreitada, o Brasil vem contando com a simpatia e o apoio direto de cerca de 600 organizações não-governamentais, que prestam serviço aos soropositivos na forma de tratamento e do aprendizado na rigorosa tomada de medicamento. Para as ONGs, a opção é muito clara e justa, pois, se tivesse que pagar pelos medicamentos, cada doente estaria gastando cerca de R$18 mil por ano, o que eqüivale a três vezes a renda per capita brasileira.

            Ora, por trás dessa discussão esconde-se naturalmente a questão delicada da quebra de patentes de remédios. Isso envolve, necessariamente, a perversa estrutura de poder que caracteriza a indústria farmacêutica mundial. A eficácia do programa brasileiro está na decisão de oferecer o melhor tratamento a qualquer doente, pelo menor preço, tratando a epidemia como um caso de calamidade pública. Por conta disso e para desespero dos laboratórios, o Brasil não tem hesitado em assinar convênios de cooperação com Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe.

Visando a neutralizar a ação humanitária brasileira e se prevenindo contra o desrespeito aberto à Lei das Patentes, a indústria farmacêutica - como bem noticiou a revista Veja - tem apelado à firmação de convênios para baixar preços em países pobres. Exímios capitalistas, seus representantes negociam separadamente com cada governo e jamais divulgam os valores acertados. Na verdade, as ONGs acusam os laboratórios de negociarem secretamente preços dos remédios com o nítido propósito de extrair o maior benefício possível. No meio dessa sórdida tática, encontram-se as gigantes multinacionais anglo-saxônicas, como Glaxo-SmithKline e a Pfizer.

Para tais companhias farmacêuticas, a tática se justifica pelo simples fato de que não há controle sobre a real destinação dos medicamentos vendidos aos continentes pobres a preços baixos. Argumentam, ademais, que, na maioria das vezes, os remédios terminam por serem negociados no mercado negro.

No continente africano, o quadro epidêmico é de violenta calamidade pública. Segundo relatório divulgado antes do Carnaval pela ONU, a Aids provocará até o ano 2000 uma redução de 20 anos na média de expectativa de vida nos países africanos mais afetados pela epidemia. Mais que isso, o estudo da ONU demonstra que 88% das pessoas portadoras do vírus HIV vivem em apenas 45 países do planeta, dos quais 35 se localizam na África subsaariana. O impacto da Aids na demografia africana torna-se especialmente grave em nove países, onde a porcentagem de população contaminada é superior a 14%.

Na África do Sul, por exemplo, a incidência da Aids sobre a faixa adulta de sua população alcançou, em 1999, a aterradora marca dos 20%. Segundo dados divulgados pela própria Organização Mundial de Saúde, de uma população adulta (entre 15 e 49 anos) estimada em pouco mais de 20 milhões de habitantes, o país já registra quase quatro milhões e meio de sul-africanos infectados. E o que é pior: desse número colossal, mais da metade se refere a casos que acometeram mulheres. Como é sabido, a África do Sul é campeã mundial em mortes por Aids, sem que se possa vislumbrar no curto prazo outro horizonte que não o agravamento da tragédia.

Sr. Presidente, diante do exposto, sinto-me na obrigação de reconhecer que o Brasil, embora não esteja conduzindo, no geral, um política pública de saúde a contento, vem-se largamente destacando no combate à Aids. Na realidade, pudéramos nós, os brasileiros, termos políticas públicas mais arrojadas, mais socialmente avançadas e mais internacionalmente emancipadas em todas as áreas de intervenção do Estado. Em suma, que a feliz experiência do Governo Federal no campo da Aids lhe sirva de inspiração para outras esferas de atuação da autoridade pública, para as quais nada, ou quase nada, tem sido feito.

Acredito ainda, Sr. Presidente, que devemos aprender uma lição que tem amparo e encontra nos ombros da Ciência a sua relevância e o seu grande ensinamento. Uma das maiores pensadoras de Bioética deste País, que se encontra hoje na Bahia, a Drª Eliane de Azevedo, expressa que o limite moral da Ciência deve ser a dignidade humana. Penso que o Brasil nessa política a favor do controle, da prevenção e da diminuição dos casos de Aids tem adotado esta consciência e esta tese: o limite moral da Ciência deve ser a dignidade humana. Assim, nenhuma multinacional pode impor condições protecionistas que venham a prejudicar a dignidade das pessoas que são vítimas dessa pandemia que já atinge 20% das regiões da África.

Acredito que a lição é o reconhecimento de que é possível fazer política pública à altura da dignidade humana e é possível pensar em uma relação saúde/doença colocando o interesse público e o interesse do cidadão acima dos interesses econômicos.

Era o que tinha a dizer. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/03/2001 - Página 2758