Discurso durante a 10ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

PESAR PELA MORTE DO GOVERNADOR MARIO COVAS. PREOCUPAÇÃO COM AS DECLARAÇÕES DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, SOBRE A INSTALAÇÃO DE UMA CPI PARA APURAR DENUNCIAS DE CORRUPÇÃO NO GOVERNO.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. LEGISLATIVO.:
  • PESAR PELA MORTE DO GOVERNADOR MARIO COVAS. PREOCUPAÇÃO COM AS DECLARAÇÕES DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, SOBRE A INSTALAÇÃO DE UMA CPI PARA APURAR DENUNCIAS DE CORRUPÇÃO NO GOVERNO.
Publicação
Publicação no DSF de 10/03/2001 - Página 2763
Assunto
Outros > HOMENAGEM. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. LEGISLATIVO.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, MARIO COVAS, EX SENADOR, GOVERNADOR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • APREENSÃO, ORADOR, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRITICA, TENTATIVA, CRIAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), PREJUIZO, DEMOCRACIA, PAIS, AUSENCIA, NECESSIDADE, APURAÇÃO, DENUNCIA, IMPRENSA, CORRUPÇÃO, GOVERNO.
  • QUESTIONAMENTO, CONDUTA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OPORTUNIDADE, EXERCICIO, MANDATO PARLAMENTAR, SENADOR, APOIO, INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), APURAÇÃO, DENUNCIA, IRREGULARIDADE, CORRUPÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
  • DEFESA, POSIÇÃO, BANCADA, OPOSIÇÃO, CONTINUAÇÃO, COLETA, ASSINATURA, SENADOR, INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), OBJETIVO, REFORÇO, PRERROGATIVA, SENADO, CONGRESSO NACIONAL.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesta sexta-feira, gostaria de tecer alguns comentários sobre episódios acontecidos no País nesta semana que passou.

Foi uma semana que começou com a perda do Governador Mário Covas. Aliás, como não tive oportunidade de, no plenário do Senado, registrar o meu sentimento a respeito dessa perda, já que não estive presente na sessão de terça-feira que se transformou em homenagem a ele, em virtude de ter ido ao seu velório, gostaria apenas de dizer o seguinte: eram públicas e notórias as divergências entre o Partido dos Trabalhadores e Mário Covas. Muitas vezes essas divergências explicitavam-se até de forma bastante dura, como, aliás, é o temperamento do PT e era o temperamento de Covas. Mas, sem dúvida alguma, a História do Brasil mostra que em todos os momentos da nossa história política em que estiveram, de um lado, o arbítrio e, do outro, a democracia; de um lado, a corrupção, do outro, a ética na política; enfim, todas as vezes em que se deu essa dicotomia, o PT e Mário Covas estiveram do mesmo lado. Por isso é que, de forma muito sincera, o nosso Partido lamenta a perda do grande paulista, do grande brasileiro Mário Covas.

E exatamente a partir dessa dicotomia entre a ética e a corrupção é que acabaram se desenvolvendo os fatos políticos desta semana.

Ontem, tivemos a oportunidade de assistir a um pronunciamento, a uma entrevista do Presidente Fernando Henrique Cardoso que nos deixou muito preocupados. Não vou entrar nas trocas de farpas, nas divergências entre Fernando Henrique Cardoso e Antonio Carlos Magalhães. O que me surpreende é que só agora, seis anos depois, o Presidente da República venha descobrir que Antonio Carlos Magalhães tenha sido um político aliado à Ditadura; ou seja, só seis anos depois é que ele classifica isso como entulho autoritário, entulho da Ditadura, que tem que ser varrido. Durante esses seis anos, conviveram de forma muito fraterna, inclusive o Presidente da República muitas vezes utilizou-se da ajuda do chamado entulho autoritário para se livrar de investigações que poderiam colocá-lo em constrangimento.

Mas o que me preocupa, principalmente, é um trecho da entrevista do Presidente, quando Sua Excelência fala de CPI, dizendo que considerará um ato de deslealdade se algum aliado assinar o requerimento de criação da CPI. E acrescenta que até entende a Oposição fazê-lo, principalmente essa que acredita que fazer oposição é criar CPIs para solapar a democracia. Isso é muito preocupante, principalmente vindo de quem vem.

Temos todas as críticas ao Governo Fernando Henrique Cardoso, mas reconhecemos o seu passado, a sua atuação de militante em defesa das causas democráticas. Reconhecemos seu passado de Senador cioso das prerrogativas do Senado e do Congresso Nacional, prerrogativas essas que incluem a tarefa de investigar e de fiscalizar o Executivo.

Surpreende-nos ainda mais essas declarações quando comparamos com outros fatos da vida política do então Senador Fernando Henrique Cardoso. Está certo que o Presidente já disse para que esqueçamos o que ele escreveu e o que ele falou, mas sempre é bom lembrar.

Ontem, na Comissão de Fiscalização e Controle, tive a oportunidade de ler alguns trechos de um pronunciamento e faço questão de repeti-los neste plenário. Dizem que não tem sentido se criar uma CPI para investigar essas denúncias, que são meramente denúncias da imprensa, que são fatos requentados, fatos velhos, e que a CPI tem que ter um fato muito bem determinado para ser instalada.

Ora, esta Casa já criou e instalou uma CPI cujo objetivo, mais genérico, impossível. Foi instalada uma CPI, por meio do Projeto de Resolução nº 22, de 1988, cujo objetivo era “investigar, em profundidade, as denúncias de irregularidades, inclusive corrupção, na Administração Pública, ultimamente tornadas tão notórias pelos meios de comunicação”. No parágrafo único é explicitada a competência da comissão: “Identificar responsabilidades no setor da Administração Pública, em decorrência de qualquer tipo de corrupção”.

            Esse projeto de resolução era encabeçado pelo Senador Carlos Chiarelli, do PFL, e continha a assinatura do então Senador Fernando Henrique Cardoso, do Senador Jorge Bornhausen e do então Senador Mário Covas, que, sem dúvida alguma, se estivesse ainda entre nós, assinaria novamente. O Relator desse projeto de resolução em plenário foi o Senador Chagas Rodrigues, do PMDB do Piauí, que disse no seu relatório:

Não apurar as denúncias poderá ser entendido pela sociedade como descaso ou conivência, o que não seria admissível, pois, no primeiro caso, significaria o caos administrativo e, no segundo, intuito de beneficiar o infrator.

Não se pode permanecer omisso ante tal quadro, posto que, com tão candentes acusações, ou há injustiças, por inverdade, e o acusador é um caluniador e deve ser desmascarado e punido, ou a denúncia é verdadeira e o corrupto precisa ser identificado como culpado e rigorosamente punido.

            Quem era o Líder do PMDB que encaminhou favoravelmente ao projeto de resolução? O Senador Fernando Henrique Cardoso, que disse o seguinte:

Como Líder da Bancada do PMDB, manifesto o meu apoio a essa iniciativa do Senador Carlos Chiarelli e ao parecer do Senador Chagas Rodrigues. Parece-nos indispensável que, em matéria de tal relevância, cujo interesse é do País e, portanto, do Governo, tudo se esclareça, e o Senado não pode omitir-se.

Continua, então, o saudoso Senador Fernando Henrique Cardoso:

O objetivo exposto pelo Senador Carlos Chiarelli em seu requerimento, e agora referendado pelo Senador Chagas Rodrigues, é claro, auto-explicativo e não requer nenhuma consideração adicional.

            O que é que o Senador Fernando Henrique Cardoso entendia como “claro e auto-explicativo”? Investigar e apurar responsabilidades no setor da Administração Pública, em decorrência de qualquer tipo de corrupção.

Continua o Senador, dizendo uma frase que sempre repetimos aqui quando propomos a instalação de uma CPI:

Não se trata, de forma alguma, de uma posição a priori do Senado. Trata-se do cumprimento estrito das nossas funções constitucionais. (...) é indispensável que o poder de fiscalização seja exercido em toda a plenitude pelo Senado da República.

            E segue-se o brilhante final do Líder da maior Bancada nesta Casa:

O fato de termos o Partido da Maioria e de sustentarmos o Governo, ao contrário de nos inibir, leva-nos a aprovar manifestação dessa natureza, porque o Governo deseja o esclarecimento cabal dos fatos, e, se não o desejar, não é democrático.

Ora, por esse discurso do Senador Fernando Henrique Cardoso só podemos chegar a uma conclusão: a de que o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso não é democrático, porque Sua Excelência entende, neste momento, que abalaria a democracia a instalação de uma CPI. Uma CPI, volto a registrar, que não tem a generalidade da CPI instalada em 1988 e que tinha o apoio do então Senador Fernando Henrique Cardoso. Aquela Comissão se destinava a investigar corrupção na Administração Pública - toda e qualquer corrupção. Esta não! Estamos levantando alguns fatos muito bem determinados. Se existe mais de um fato determinado é porque alguns deles não foram investigados na época em que foram denunciados. Nós, por exemplo, propusemos a CPI da Privatização da Telebrás, na época do grampo, e agora surgem mais denúncias relativas a propinas no processo de formação de um consórcio que acabou ganhando a Telemar. Propusemos a instalação de uma CPI para investigar as relações perigosas do Sr. Eduardo Jorge, não só na obra do TRT de São Paulo, mas em relação a uma série de outros negócios. E se esse assunto volta é porque esse é um cadáver insepulto, é um esqueleto que continua no armário e que o Congresso Nacional não se dispôs, no momento oportuno, a fazer a investigação.

Portanto, ao contrário do que diz hoje o Presidente Fernando Henrique Cardoso, CPI não é para solapar a democracia. CPI é, como dizia o então Senador Fernando Henrique Cardoso, para garantir que o Congresso Nacional exerça o seu indispensável poder de fiscalização, em toda a sua plenitude.

Essa é a proposta da Oposição. E vamos continuar insistindo na sua execução, porque entendemos que o Congresso Nacional não pode ficar sem exercer, na sua plenitude, as suas prerrogativas.

Esta é uma Casa Legislativa, sim! Esta é uma Casa encarregada de elaborar leis, sim! Mas entre as prerrogativas do Congresso - e não é menos importante - está a de fiscalizar e investigar. Essa função está expressa na Constituição e no Regimento do Senado Federal, e temos a tarefa de realizá-la. Porém, não por meio daquela pantomima que vimos ontem, onde a reunião da Comissão de Fiscalização e Controle foi transformada num teatro.

Aliás, já tive oportunidade de demonstrar aqui, com números e fatos que não foram contestados, que a Comissão de Fiscalização e Controle tem-se reunido apenas nos momentos em que propomos uma CPI. Nesses casos, diz-se que se está investigando e apurando as denúncias, quando os fatos mostram que, no segundo semestre do ano passado, essa Comissão só se reuniu duas vezes: uma, para aprovar o requerimento para ouvir as pessoas relacionadas ao caso Eduardo Jorge - que nunca foram ouvidas; e outra, para aprovar as emendas da Comissão ao Orçamento Geral da União.

Ontem, vimos aquela pantomima tentando misturar duas questões absolutamente diferentes, que são a suspeita de violação do painel do Senado Federal na votação de cassação do mandato do ex-Senador Luiz Estevão e as denúncias de corrupção no Governo. Já demonstramos de forma muito clara que se trata de dois temas absolutamente separados e que têm que ser investigados em fóruns separados. A questão relativa à suspeita de que o painel tenha sido violado envolve suspeição sobre o comportamento ético de um Senador e, portanto, tem que ser apurada no Conselho de Ética, onde já existe uma denúncia formulada pela Oposição. Aliás, quero aproveitar para fazer uma ressalva, porque em um dos jornais de hoje - não me lembro qual -, em função das intervenções feitas ontem na Comissão de Fiscalização e Controle, está dito que houve divergência entre o Senador Roberto Freire e mim. Não houve, em momento nenhum, essa divergência. Entendemos que a audição daquela fita, de forma alguma, esclarece o episódio; somos contra o arquivamento por si só do episódio, como propôs o Senador Waldeck Ornelas. Entendemos que esse episódio tem que ser apurado no foro competente, que é o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, combinado com a auditoria técnica, que já está sendo feita pela Mesa do Senado, para ver se é ou não possível violar o painel, e, caso positivo, se esse painel foi ou não violado. Não se pode misturar esse assunto, que é um assunto interno do Senado, que diz respeito exclusivamente ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, com os assuntos relativos a denúncias envolvendo o Poder Executivo, que têm que ser apuradas numa comissão parlamentar de inquérito convocada para esse fim.

Portanto, Sr. Presidente, gostaríamos de, nesta sexta-feira, que é uma sessão mais tranqüila, reafirmar que continuaremos coletando assinaturas para a instalação da comissão parlamentar de inquérito. Conclamamos todos os Senadores desta Casa, porque insistimos que essa não é uma dicotomia entre Governo e Oposição; não é uma posição que visa solapar a democracia, como disse, de maneira muito infeliz, o Presidente da República; é uma posição que visa fortalecer as prerrogativas do Senado Federal. E qualquer medida que vise fortalecer as prerrogativas do Congresso e do Senado, ao contrário do que diz o Presidente, visa fortalecer a democracia, e não solapá-la.

Mais uma vez, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, temos 20 assinaturas no Senado - a Oposição conta apenas com 16 Senadores. Esperamos ainda, na semana que vem, conseguir as sete assinaturas que faltam para que seja instalada essa comissão parlamentar de inquérito, a fim de que o Senado, como dizia o saudoso Senador Fernando Henrique Cardoso, possa exercer, na sua plenitude, o seu indispensável poder de fiscalização.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/03/2001 - Página 2763