Discurso durante a 11ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

REGISTRO DA REALIZAÇÃO DO I FORUM INTERNACIONAL DE HEPATOLOGIA, EM BELEM, NO ULTIMO FINAL DE SEMANA.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • REGISTRO DA REALIZAÇÃO DO I FORUM INTERNACIONAL DE HEPATOLOGIA, EM BELEM, NO ULTIMO FINAL DE SEMANA.
Publicação
Publicação no DSF de 13/03/2001 - Página 2817
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, REALIZAÇÃO, ENCONTRO, AMBITO INTERNACIONAL, MUNICIPIO, BELEM (PA), ESTADO DO PARA (PA), PARTICIPAÇÃO, ORADOR, PESQUISADOR, CIENTISTA, DEBATE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, PORTADOR, DOENÇA, NECESSIDADE, TRANSPLANTE DE ORGÃO, TRANSFUSÃO DE SANGUE.
  • COMENTARIO, PROGRESSO, GOVERNO FEDERAL, DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, MEDICAMENTOS, SETOR DE INFLAMAVEIS SUL (SIS), SIMULTANEIDADE, AUSENCIA, ESTABELECIMENTO, SOLUÇÃO, CARATER PERMANENTE, NECESSIDADE, EXAME, LABORATORIO, PACIENTE, REGIONALIZAÇÃO, TRATAMENTO, INTERVENÇÃO, SEGURADOR, PLANO, SAUDE, OBRIGATORIEDADE, GARANTIA, TRATAMENTO MEDICO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, ESTABELECIMENTO, GOVERNO FEDERAL, POLITICA, AMBITO REGIONAL, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO, RECURSOS, PARCERIA, GOVERNO ESTADUAL, VIABILIDADE, REDUÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, INCENTIVO, AUTO SUFICIENCIA, SANGUE, DERIVADOS.
  • RECONHECIMENTO, TRABALHO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), RECUPERAÇÃO, SITUAÇÃO, ABANDONO, PORTADOR, DOENÇA, DEFESA, NECESSIDADE, GARANTIA, AUSENCIA, DISCRIMINAÇÃO, SEGURADOR, PLANO, SAUDE, ATENDIMENTO, PACIENTE.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero trazer ao Plenário do Senado Federal notícias de uma oportunidade que tive de participar do 1º Fórum Internacional de Patologia, ocorrido no último final de semana, na cidade de Belém, no Estado do Pará, onde tivemos o prazer de ver reunido cientistas de renome internacional e cientistas no nosso País oriundos dos diversos Estados que discutiram, de maneira profunda e sensível, esse grande desafio que tem o Brasil pela frente de enfrentar as chamadas doenças do fígado, as hepatites que hoje afligem milhares de brasileiros, onde se colocou mais uma vez com clareza a situação da hepatite C que atinge, segundo as projeções epidemiológicas, de três a mais milhões de pessoas no nosso País. E a lamentável expectativa de que a velocidade do atendimento à saúde nesta área tem sido menor do que a necessidade da população. Ali nós tivemos a oportunidade de refletir sobre os mais diversos ângulos, as dificuldades, os acertos, os avanços e aquilo que tem sido possível fazer enquanto entidades científicas em si, enquanto em parceria com o setor público e, ao mesmo tempo, a presença a presença de organizações não-governamentais que atuam no setor de uma maneira em buscar a reforçar a solidariedade e as conquistas sociais e individuais em às doenças.

Tivemos o prazer de ter também presente ao encontro o Senador Sebastião Rocha e o Prefeito da cidade de Belém, Edmilson Rodrigues, que, com brilhantismo, encerrou o evento, fundando ali a Associação dos Portadores das Doenças Hepáticas do Estado do Pará, especialmente as hepatites.

Tivemos ali momentos importantes. Eu destacaria, no cenário federal, para uma reflexão das autoridades brasileiras, a grande desproporção da distribuição dos serviços aos portadores de doenças hepáticas. São Paulo reúne dezessete centros capazes da execução de transplante de fígado. Outros centros se colocam de maneira muito esparsa, nos Estados de Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, sendo que o Distrito Federal está começando a dar os seus passos no transplante para a cura das doenças hepáticas. A Amazônia brasileira, com quase vinte milhões de habitantes, não dispõe sequer de um centro avançado de fígado, nenhuma unidade capaz de promover transplante de fígado. E é sabido, pela literatura médico-científica, que, na Amazônia, temos a maior concentração proporcional de portadores crônicos de hepatites, especialmente a hepatite B, e, com grande surpresa, uma elevação muito clara do vírus C da hepatite que atinge milhões de pessoas no nosso País e 250 milhões de pessoas só no continente europeu, sendo que o Governo norte-americano tem uma preocupação exacerbada em relação a isso.

Colocou-se a nossa incapacidade de atender a todos os pedidos e a tristeza de testemunharmos que a fila de transplante de fígado já chega a uma casuística de mais de 50% de mortes das pessoas que estão ali, à espera de um transplante. São pessoas de todo o Brasil que têm de se dirigir a São Paulo, a esses Estados que falei e ali enfrentam essa problemática, e o resultado é a morte de mais de 50 pessoas.

O Governo, de uma maneira acertada na sua intenção, definiu que era preciso estabelecer uma fila única junto com a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, o que seria a busca de um princípio de eqüidade, para que todos tivessem o mesmo direito de alcançar o transplante. Não é a mesma política adotada nos Estados Unidos, na França e em outros países, onde, além do critério da fila única, da busca do atendimento, há o critério de gravidade associada, para que se evite a demora que uma pessoa possa enfrentar, na complexidade, numa evolução desfavorável de sua doença, possibilitando-lhe o direito de ser atendida por prioridade.

Lamentavelmente o Brasil não conseguiu avançar nessa discussão, em que pese a boa intenção da decisão tomada anteriormente. E o resultado é essa tragédia da perda de mais de 50% das pessoas que estão na fila aguardando o transplante.

Espero sinceramente que essa discussão tenha prioridade no Ministério da Saúde. Levaremos a discussão à Comissão de Assuntos Sociais, tentando estabelecer uma audiência pública com representantes do Ministério da Saúde, na Sociedade Brasileira de Hepatologia e das entidades de Organizações Não-Governamentais a fim de encontrarmos uma solução conjunta.

O Governo Federal avançou na distribuição do medicamento, mas não conseguiu o que hoje já é uma gratuidade pelo Sistema Único de Saúde aos portadores crônicos, não conseguiu estabelecer uma solução definitiva para as necessidades dos exames laboratoriais para os pacientes; não conseguiu estabelecer a regionalização do tratamento e não conseguiu intervir para que a seguradora e os planos de saúde possam obrigatoriamente garantir o tratamento a esses pacientes também.

            A mesma medicação trata a hepatite: o interferom. Trata-se de uma medicação cara e de custo elevado, adotada pelas seguradoras e pelos planos de saúde para o tratamento de alguns tipos de tumor maligno, mas não para os casos de hepatite que atingem milhões de brasileiros.

É uma lógica incompreensível. Esperamos que, com avançadas discussões, possamos estabelecer mais segurança e garantir direitos ao cidadão brasileiro na hora da aflição dessa doença.

Vale lembrar também a grande preocupação que tivemos na mudança da discussão técnica e dos conceitos. Pretende-se aproveitar a peça de transplante, no caso, o fígado, de pessoas ainda em vida, avançar na discussão e na tecnologia desse recurso terapêutico, utilizando também, dentro das possibilidades, os chamados fígados não ideais para a hora de um transplante, porque aumentam a cobertura de solidariedade ao doente e a sua expectativa de vida, trazendo um benefício a toda a sociedade, que não pode continuar pagando o preço que atualmente vem pagando em relação à hepatite.

Outro ponto destacado nesse evento foi a situação das unidades de hemodiálise deste País. Há unidades de hemodiálise que atuam na substituição do rim de uma pessoa que está com seu órgão em insuficiente funcionamento. Setenta por cento dos pacientes de algumas unidades de hemodiálise deste País encontram-se vitimados pela contaminação do vírus C da hepatite. É uma situação alarmante, preocupante e inaceitável do ponto de vista da intervenção do Estado em relação às entidades prestadoras desse atendimento.

Gostaria de fazer uma ponderação: este País não pode mais aceitar essa prática de desigualdade tão violenta. Não podemos imaginar que sejamos incapazes, nas nossas regiões, de estabelecermos uma política de tratamento, de tecnologia e de cobertura em relação a algumas doenças, como faz muito bem atualmente São Paulo. Este Estado vai até o nosso encontro, presta a sua solidariedade, tenta levar a sua tecnologia, mas estabelece, também como tese, que precisamos ter os nossos serviços.

Fico imaginando o que é morar na Amazônia e viver essa falta de serviços com tecnologia avançada. Existem profissionais capacitados da Amazônia e que saíram do Brasil em busca de formação avançada ou vieram para os grandes centros do Brasil à procura de formação mais qualificada e retornaram aos seus Estados.

Mas ainda não há uma política regional de desenvolvimento tecnológico muito bem estabelecida. O resultado é que as desigualdades regionais têm aumentado e trazido uma profunda injustiça e dificuldade. Imagine, Sr. Presidente, a situação do portador de uma doença de fígado crônica que sai do seu Estado - como o Acre, o Amapá, Rondônia ou Amazonas - em busca de um transplante em São Paulo, deixando a sua família abandonada, ficando na mais profunda dificuldade de adaptação num grande centro e esperando um, dois ou três anos para que aquele recurso de tratamento possa ocorrer - se ocorrer, porque já falei que mais de 50% dos pacientes têm sua vida ceifada antes do momento do atendimento à sua doença.

Então, pensem que isso pode ser substituído se houver uma inversão de prioridades, uma melhor distribuição dos recursos e parceria com os Governos estaduais para que se possa avançar no sentido da regionalização do tratamento dessas situações. Assim, mudaremos, sem dúvida alguma, os nossos indicadores.

Essa questão não está concentrada apenas na área da saúde. Fiz um levantamento recente e dirigi-me ao Ministro da Cultura a fim de mostrar a razão da desigualdade regional no investimento do recurso federal. Mostrei ao Sr. Ministro Francisco Weffort que, para o Sudeste, foram investidos R$28 milhões em relação à cultura no ano passado. Para a Amazônia brasileira, R$1,8 milhão apenas. Não é possível imaginarmos que a cultura amazônica venha a ser inferior à cultura do Sudeste brasileiro. Espero que o Governo Federal possa estar atento, reflita sobre isso, entenda que é possível avançar tendo como visão as diversas regiões deste País, com confiança nas populações, que já estão bem formadas na Amazônia e tanto podem contribuir com o desenvolvimento científico do Brasil.

O processo do transplante não é complexo. Temos condições de realização de transplante em qualquer das nossas regiões brasileiras. O Centro-Oeste nos deu uma grande lição: conseguiu o mesmo número de transplantes - não falando apenas de transplantes de fígado - que a Região Sudeste do Brasil, porque teve uma ação operosa, um senso de prioridade, de organização e investimento, alcançando esse resultado. Então, não precisamos acreditar que apenas São Paulo, por sua grande capacidade financeira, é que está à altura da execução desse serviço; a região Norte do Brasil pode, perfeitamente, estender a sua contribuição, a região Nordeste pode e deve avançar na sua contribuição de centro de desenvolvimento em assistência à saúde, de maneira avançada, e temos o dever, com isso, de fazer com que haja uma menor desigualdade entre as regiões.

Outro exemplo em relação a isso é a recente política de auto-suficiência em sangue e hemoderivados. O Estado de Pernambuco é a melhor unidade produtora de um hemoderivado, que é um componente do sangue chamado albumina, porque acreditou que era possível no Nordeste brasileiro se investir nisso. O Brasil perde milhões de reais porque não é auto-suficiente na política de sangue e especialmente de hemoderivados. Se tivermos os olhos voltados para uma melhor distribuição de serviços, de tecnologia e de resultados à população, o custo do Governo Federal talvez será muito menor, pois pacientes do interior do Acre não precisão ser transferidos até o Estado de São Paulo ou de Goiás. Se houver um investimento definitivo, poderemos homogeneizar e equilibrar o desenvolvimento tecnológico para essas situações.

Portanto, venho prestar esta homenagem aos pesquisadores e cientistas brasileiros que estavam naquele fórum, destacadamente o Dr. Tércio Gensini, do Estado de São Paulo, Drª Gilda Porta, Drª Edna Strauss, Dr. Sérgio Marone, que também representa o Estado de São Paulo, Drª Deborah Crespo, Dr. Miguel Chap Chap, Dr. Raimundo Paraná, que muito bem representou o Estado da Bahia, com uma das melhores visões avançadas no que diz respeito ao desafio do Brasil em enfrentar a hepatite C neste milênio. Algumas revistas americanas consideram a hepatite C como a doença emergente mais importante do milênio. Já se contabilizam mais ou menos 600 milhões de vítimas do vírus no mundo todo. Por isso, precisamos encontrar uma solução definitiva para a doença.

Esse encontro de pesquisadores trouxe a oportunidade de se ver a Amazônia daqui a dez anos. Se seguirmos ali o que foi estabelecido como visão de tecnologia, de controle social, considerando-se também a necessidade de revisão das ações de governo, poderemos encontrar um ponto de equilíbrio e de justiça social mais avançado neste País.

Diante disso, o que trago ao Senado Federal é uma homenagem aos organizadores desse Encontro, agradecendo-lhes a oportunidade que tive de participar dos debates, de participar deste momento de solidariedade aos portadores de doenças hepáticas da Amazônia brasileira, postos diante de uma visão ética que sempre coloca a dignidade humana como primeiro ponto da discussão científica, o que demanda a revisão das ações governamentais.

Reconhecemos que o Ministério da Saúde tem se destacado na recuperação desse abandono em que se encontravam os portadores de doenças hepáticas. E espero que o Ministério possa avançar mais e garantir que não haja mais discriminação por parte das seguradoras de saúde e dos planos de saúde em relação ao atendimento dos pacientes. Além disso, que possamos rever a chamada e lamentável “fila única de transplante”, adotando - como em outros países - o critério de gravidade também, para que se possam salvar vidas. Agora mesmo, nesse Encontro, foi divulgado um recente trabalho da Clínica Mayo onde se estabeleceram três critérios. Segundo esses critérios, qualquer Estado do Brasil, com medidas simples de laboratório, pode dizer qual doente deve ter seu tratamento abreviado para que não se perca sua vida nos próximos 90 dias. Para isso, basta que sejam detectados três critérios de gravidade em relação à sua doença, dando-lhe prioridade no tratamento.

Como gestores públicos, é mister que tenhamos a capacidade de ouvir os técnicos para que apuremos o senso de prioridade e entendamos que o Brasil tem que ser visto por regiões, por direitos individuais, por direitos coletivos, com vistas à promoção de avanços na qualidade de vida.

Srs. Senadores, gastamos mais de R$600 milhões por ano com o tratamento da Aids. É correto que se faça isso, é um avanço de que se orgulha o Brasil inteiro. Contudo, ao mesmo tempo, não é justo que o gasto com os portadores das doenças hepáticas seja ínfimo - não chegando sequer a 10% dos gastos com as vítimas da Aids -, porque temos milhões de cidadãos vitimados pelas hepatites que têm os mesmos direitos e merecem ser tratados em sua dignidade.

Então, registro esse Fórum como algo auspicioso para a Amazônia, que integrou as regiões do Brasil, encontrou a solidariedade dos cientistas de São Paulo e das regiões também avançadas nesse campo do Brasil. E a Amazônia é um excelente espaço de desenvolvimento científico na área da saúde.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/03/2001 - Página 2817