Discurso durante a 12ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

INTERPELAÇÃO AO SR. MINISTRO DE ESTADO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, SR. CELSO LAFER.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • INTERPELAÇÃO AO SR. MINISTRO DE ESTADO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, SR. CELSO LAFER.
Publicação
Publicação no DSF de 14/03/2001 - Página 2906
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • INTERPELAÇÃO, CELSO LAFER, MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), SOLICITAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, ACORDO, NATUREZA COMERCIAL, NECESSIDADE, ATENÇÃO, DEFESA, INTERESSE NACIONAL, REALIZAÇÃO, DEBATE, NEGOCIAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA).
  • QUESTIONAMENTO, ATO NORMATIVO, ITAMARATI (MRE), ADOÇÃO, REGIME, CONTROLE, MANIFESTAÇÃO, DIPLOMATA, PREJUIZO, DEBATE, PROBLEMA, POLITICA EXTERNA, ESPECIFICAÇÃO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA).
  • INTERPELAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), POSSIBILIDADE, REALIZAÇÃO, PLEBISCITO, CONSULTA, SOCIEDADE, ACORDO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA).

O SR EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Sr. Presidente Jader Barbalho, Senhor Ministro das Relações Exteriores Celso Lafer, em discurso anteontem, mencionado por V. Exª, o Presidente Fernando Henrique Cardoso considerou injustas as regras da Organização Mundial do Comércio referentes a subsídios, destacando “como as regras da OMC sobre subsídios tratam igualmente de países diferentes, permitem interpretação desfavorável" a países como o Brasil.

            Mais adiante, referindo-se à questão do crédito favorecido, que está na raiz da disputa Embraer/Bombardier e do nosso conflito com o Canadá, a OMC declarou ser “absurdo” exigir que países menos desenvolvidos “apliquem, em seus financiamentos, as mesmas taxas aplicadas pelas economias mais desenvolvidas”.

Essas observações são corretas. Essas e outras regras da OMC são injustas, e deveriam mudar em uma próxima rodada de negociação multilateral. Contudo, é preciso destacar que o Governo brasileiro contesta, no caso da Embraer, assim como no das patentes farmacêuticas, regras e critérios aos quais o Brasil aderiu ao final da rodada Uruguai.

Pergunto:

1. Essas experiências infelizes não sugerem que o Governo brasileiro, em especial o Itamaraty, precisa, no futuro, negociar acordos comerciais com maior cuidado, maior competência e maior preocupação com o interesse nacional?

2. Uma negociação eficiente não pressupõe debate público e aberto sobre as negociações internacionais nas quais o Brasil está e estará envolvido? Preocupa particularmente a negociação da Alca, que pode ser muito perigosa para o Brasil.

Desse debate amplo sobre acordo de peso estratégico, não podem ser excluídos os diplomatas brasileiros, que têm não só a competência e a experiência para avaliar essas questões, como o direito constitucional à livre manifestação de pensamento prevista o art. 5º, incisos IV e IX da Constituição Federal de 1988. Não obstante o direito inalienável e inviolável da liberdade de expressão, pensamento e informação sob qualquer forma ou veículo, V. Exª surpreendeu a todos por tentar, por ato normativo, portanto, inconstitucional, adotar um regime de controle e autorização prévia para as manifestações públicas de diplomatas, mesmo quando a título pessoal e até, por incrível que pareça, quando publicam trabalhos em revistas especializadas ou acadêmicas.

Pergunto:

Além de contrariar a sua conhecida tradição liberal com essa atitude, V. Exª não está prejudicando o debate franco, transparente, e bem fundamentado de questões estratégicas como as questões da Alca, da OMC e outras?

O Governo canadense, provavelmente em função de suas fortes ligações com a empresa Bombardier, também cometeu o mesmo tipo de abuso. Foi punida a cientista canadense, funcionária do Ministério da Saúde, que considerou política e não sanitária a decisão de seu governo de impor um embargo à carne brasileira. Segundo a Veja, não é a primeira vez que essa cientista canadense sofre punições e tentativa de censura. Há alguns anos quiseram proibi-la de se expressar publicamente e tentaram submeter suas opiniões ao crivo de burocratas do Ministério da Saúde, tentativa semelhante que agora se está implementando no Brasil.

Pois bem, o caso foi parar na Justiça e a cientista venceu, ficando autorizada a dar opiniões públicas sobre questões consideradas de interesse nacional.

A tentativa de puni-la novamente, agora em fevereiro, tenho certeza, terá o mesmo desfecho. O exame dos arts. 5º e 220 da nossa Constituição não deixam margem a dúvidas quanto ao desfecho que teria questão semelhante aqui no Brasil.

Pergunto: como professor de Direito, de vocação liberal, V. Exª terá coragem de cercear e punir diplomatas que, sem violar segredo profissional, obviamente; sem se valer de dados confidenciais, venham a expressar opiniões divergentes das suas sobre grandes temas da política externa como a Alca, OMC e outras, ignorando a Constituição?

Frise-se que o ato do Ministério das Relações Exteriores, recém- divulgado, é tão-somente uma circular, ato normativo fundamentado em lei anterior à Constituição e por esta não recepcionada.

A escritora Hannah Arendt, que V. Exª conhece tão bem por ser um dos seus maiores admiradores no Brasil - inclusive, como seu colega na Fundação Getúlio Vargas, professor, sei tão bem o quanto V. Exª a admira e divulga a sua obra no Brasil -, por exemplo, em O que é política, destaca que a liberdade da ação do homem encontra-se intimamente ligada à possibilidade de sua manifestação política. Daí que a atitude do Itamaraty em restringir a expressão e manifestação do pensamento de seus diplomatas provoca amarra em profissionais que, por seu ofício e bagagem intelectual, deveriam ser os mais atuantes na preocupação e análise da situação internacional do País.

Concluindo, não acredita V. Exª que, para a própria elaboração das diretrizes de política externa, é fundamental que aqueles que mais intensamente a vivem possam exercer a mais ampla liberdade de externar as suas opiniões, sem o receio de punição?

            Em homenagem ao Ministro Celso Lafer, permita-me, Sr. Presidente, ler breves palavras da própria Hannah Arendt sobre a questão da liberdade de expressão: “A liberdade de externar opinião, o direito de ouvir opiniões de outros e de também ser ouvido, que para nós constitui também parte indispensável da liberdade política, suplantou a liberdade não em contradição com ela, mas que possui uma natureza bem diferente, característica do agir e do falar, desde que seja uma ação.”

            Creio que V. Exª conhece toda a obra dela e poderá reconhecer essa parte em O que é política.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Agradeço ao Ministro Celso Lafer, mas avalio que alguns diplomatas podem se sentir um tanto receosos em relação a essa portaria. Vamos supor que um órgão de imprensa esteja perguntando a um diplomata brasileiro a respeito de assuntos como os que estamos tratando aqui, seja a Alca, seja a OMC, seja a crise havida com o Canadá e os cuidados que precisamos ter daqui para frente. Então, por hipótese, para um melhor esclarecimento nosso, pergunto ao Ministro: esse diplomata deverá solicitar a permissão do Secretário-Geral do Itamaraty para dar a entrevista e em que termos? Como fica a sua situação numa circunstância como essa? Acredito que isso possa até ser objeto de um esclarecimento para todos os Senadores.

Concluindo, Sr. Presidente, eu gostaria de fazer uma última indagação. Na Suíça, acaba de ocorrer um plebiscito sobre a adesão do país à União Européia. Em outros países europeus, também houve, nos anos recentes, consultas populares sobre questões internacionais dessa ordem de importância. Dada a amplitude da iniciativa lançada pelos Estados Unidos, as enormes implicações para definição das políticas públicas no Brasil e a posição internacional do País, não seria o caso de submeter a questão da Alca a um plebiscito, de maneira consistente com as observações de V. Exª nesta tarde, que mais de uma vez reiterou a importância de se consultar todos os segmentos da sociedade a respeito de um acordo de transcendental importância para a vida de muitos brasileiros?


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/03/2001 - Página 2906