Pronunciamento de Antonio Carlos Magalhães em 15/03/2001
Fala da Presidência durante a 14ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
ASSOCIANDO-SE A MANIFESTAÇÃO DE PESAR DO SENADOR ROBERTO SATURNINO. ANALISE DA SITUAÇÃO DE ABANDONO EM QUE SE ENCONTRA A PRODUÇÃO DE CACAU NO PAIS. (COMO LIDER)
- Autor
- Antonio Carlos Magalhães (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
- Nome completo: Antonio Carlos Peixoto de Magalhães
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Fala da Presidência
- Resumo por assunto
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CALAMIDADE PUBLICA.
POLITICA AGRICOLA.:
- ASSOCIANDO-SE A MANIFESTAÇÃO DE PESAR DO SENADOR ROBERTO SATURNINO. ANALISE DA SITUAÇÃO DE ABANDONO EM QUE SE ENCONTRA A PRODUÇÃO DE CACAU NO PAIS. (COMO LIDER)
- Publicação
- Publicação no DSF de 16/03/2001 - Página 3089
- Assunto
- Outros > CALAMIDADE PUBLICA. POLITICA AGRICOLA.
- Indexação
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- SOLIDARIEDADE, VOTO DE PESAR, DESASTRE, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), MORTE, TRABALHADOR.
- GRAVIDADE, SITUAÇÃO, PRODUÇÃO, CACAU, BRASIL, ESTADO DA BAHIA (BA), CRISE, ORIGEM, PREÇO, MERCADO INTERNACIONAL, SECA, OCORRENCIA, PRAGA, EFEITO, DESEMPREGO, FALENCIA, PRODUTOR, PERDA, ARRECADAÇÃO, TRIBUTOS, REDUÇÃO, EXPORTAÇÃO, INICIO, IMPORTAÇÃO.
- ANALISE, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, COMISSÃO EXECUTIVA DO PLANO DA LAVOURA CACAUEIRA (CEPLAC), GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DA BAHIA (BA), TENTATIVA, RECUPERAÇÃO, LAVOURA, CACAU, UTILIZAÇÃO, BIOTECNOLOGIA, COMBATE, PRAGA.
- GRAVIDADE, DIVIDA, PRODUTOR RURAL, CACAU.
- APOIO, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DA BAHIA (BA), SOLICITAÇÃO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), BANCO DO BRASIL, INCLUSÃO, LAVOURA, CACAU, PROGRAMA, SANEAMENTO, DIVIDA, PRODUTOR, COLABORAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, DESENVOLVIMENTO AGRICOLA, REGIÃO.
O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES (PFL - BA. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não vou falar hoje sobre o espetáculo de ontem na Comissão de Ética, que teve alguns aspectos circenses, tampouco sobre o Banco do Pará. O Banpará e a Comissão de Ética serão julgados, e com maior rapidez do que se pensa, pelo povo brasileiro.
Em primeiro lugar, quero me solidarizar com o Senador Roberto Saturnino pela tragédia ocorrida no Rio de Janeiro, de que tomo conhecimento agora, com a diretoria da Petrobras e com o povo fluminense. Essa solidariedade é necessária porque o Rio tem que ter realmente um apoio maior, decisivo, como as outras grandes cidades brasileiras.
Vou falar hoje sobre o cacau, sobre o abandono do cacau.
Srªs e Srs. Senadores, devo reconhecer que o assunto que me traz à tribuna foi, em passado muito recente, motivo de prazer e de orgulho para todos os baianos que sobre ele falaram e escreveram. Vou falar sobre o cacau da Bahia, ou melhor, sobre o cacau do Brasil. Mas, infelizmente, não falarei do cacau com o orgulho e o prazer com os quais tanto falou Jorge Amado. Falarei de outro modo, com tristeza.
Nós, brasileiros, não podemos aceitar inertes a morte do cacau.
Para uma melhor avaliação dos senhores, desejo relembrar que a agonia do cacau no Brasil se inicia por volta dos anos 80, quando a conjugação de dois perigosos ingredientes abalou a economia agrícola mais pujante da época: o declínio dos preços internacionais e a irregularidade na distribuição de chuvas na região.
Para completar, em 1989, descobriu-se, na região cacaueira baiana, a doença vassoura-de-bruxa, causada por um fungo de efeito devastador, suspeitando-se, inclusive, que sua chegada se deva a uma ação criminosa.
Portanto, os três fatores que mencionei - queda nos preços no mercado internacional, ocorrência da vassoura-de-bruxa e seca - provocaram uma crise sem precedentes, pois além da descapitalização que vinha num processo lento, porém contínuo, afetando os produtores de cacau, também provocaram uma crise de liquidez em todo o setor de produção primária do cacau.
Instalou-se um processo de forte degradação da estrutura social. Pelo menos - vejam bem! - 150 mil empregos foram perdidos. Os desempregados incharam as grandes cidades da região. Levas de trabalhadores formaram verdadeiras favelas em cidades importantes como Porto Seguro, Ilhéus e Itabuna.
Foi tremendo o impacto sobre a atividade comercial da região, vários estabelecimentos foram fechados. Decresceu a arrecadação de impostos, diminuindo ainda mais a capacidade do poder público local de assistir a população. As estruturas de apoio ao cacau tornaram-se ociosas, fábricas foram fechadas. As operações portuárias foram reduzidas drasticamente.
A produção baiana, que contribuía em mais de 90% da produção brasileira e chegara a quase 400 mil toneladas em 1986, sequer ultrapassou 115 mil toneladas no ano 2000.
A receita cambial brasileira anual do cacau, que, no auge, trouxe para o País em torno de US$1 bilhão, no ano passado ficou em torno de US$100 milhões, portanto em 10%. As mais de 40 empresas que trabalhavam com a exportação de cacau na Bahia hoje são apenas quatro.
O Brasil, de maior produtor mundial, passou, a partir de 1997, a importador de cacau. Parece impossível, mas é verdade. Mas pasmem, senhores, essa ironia perversa não pára por aí. Ela ainda é mais cruel.
Em dezembro de 1999, um navio de bandeira liberiana aporta na Bahia trazendo duas grandes tristezas: a primeira, o cacau importado para movimentar a nossa indústria; a segunda, dez imigrantes africanos clandestinos que, intoxicados por produtos utilizados no armazenamento do cacau, morreram nos porões do navio, em meio ao cacau importado da Costa do Marfim.
Parece até que Castro Alves, ao escrever Navio Negreiro, antevira a cena de mais de cem anos depois. Morrem na Bahia, ironicamente, terra que tão bem os acolheu e que celebra a cada dia a alegria da vida.
Mas o que foi feito?
Até 1995, não aconteceu nenhuma ação importante do Governo Federal. Sequer foram asseguradas as condições mínimas de funcionamento da Ceplac. Foi necessário, em 1991, o Governo do Estado, quando eu estava lá, e a iniciativa privada oferecerem suporte a essa instituição, por meio do Fundecau, que assegurou recursos financeiros para as pesquisas.
A partir de 1995, depois de uma grande luta política, respaldada por todos os setores sociais da região, a qual tive a satisfação de liderar, conseguiu-se sensibilizar as autoridades federais para elaborar um plano de recuperação para a lavoura em crise, embora os recursos alocados tenham sido insuficientes e - o que é pior de tudo - não ajustados à situação, particularmente pelos elevados juros cobrados e especialmente pela exclusão de um número muito grande de produtores. Apenas para dar uma idéia a V. Exªs, dos oito mil produtores que pleitearam o financiamento, apenas quatro mil foram atendidos. Esse programa projetava a aplicação, em quatro anos, de R$340 milhões para o soerguimento da economia cacaueira regional, mas só aplicou R$125 milhões.
Esse plano, partindo do conhecimento técnico que se tinha à época sobre a doença, recomendou o seu controle por meio de métodos culturais e químicos.
Infelizmente, os resultados não foram os esperados, dada a agressividade da moléstia, que encontrou ambiente propício ao seu desenvolvimento nas condições climáticas da Bahia.
Os resultados, embora aquém das expectativas projetadas, não podem negar o mérito da manutenção dos cacauais vivos e da colheita de alguma produção, apesar de ter aumentado o endividamento dos produtores que acreditaram na única proposta técnica disponível àquela época.
Como se não bastasse, o excessivo e inconcebível atraso na liberação do crédito aos produtores refletiu-se na interrupção dos tratos culturais recomendados, o que, por conseqüência óbvia e esperada, contribuiu para que as plantas não demonstrassem uma recuperação frente à doença.
Em 1996, a vassoura-de-bruxa atingiu praticamente toda a área cultivada, algo em torno de 600 mil hectares.
Mas a sorte não nos abandonou de todo. Os talentosos pesquisadores da Ceplac descobriram que vários cacaueiros abandonados, em meio a áreas altamente infestadas, mostram-se tolerantes à vassoura-de-bruxa. Com esse material botânico, várias outras plantas foram enxertadas, e, após meses de exaustivas pesquisas, ficou comprovada a tolerância dos enxertos à moléstia, abrindo-se, assim, uma nova esperança para a superação da crise.
Para consolidar esse momento positivo, foi com invulgar alegria que constatamos serem sadios os frutos obtidos nas primeiras colheitas.
Por volta de 1998, esses avanços tecnológicos ensejaram o início de uma nova fase do programa, proposta pelo Governo da Bahia, agora alicerçada por novas e promissoras orientações técnicas: clonagem do cacaueiro infestado com a doença e elevação do número de plantas por hectare. Para tanto, seriam utilizados R$215 milhões do saldo remanescente da primeira etapa. A nova proposta preconizou a recuperação de 300 mil hectares de cacau.
Com o objetivo de imprimir uma maior velocidade ao programa, o Governo da Bahia, em 1999, criou uma unidade de produção de mudas e garfos de clones resistentes à vassoura-de-bruxa. Nessa unidade, denominada Biofábrica do Cacau, já foram investidos R$7 milhões, oriundos, principalmente, do Governo baiano.
A Biofábrica, além de assegurar a viabilidade técnica do programa, garante aos produtores mudas de qualidade comprovada e a preços acessíveis, para que se possa reabilitar a região.
Quais as razões que fazem esse programa não avançar de forma definitiva?
A primeira razão é a seguinte: o estoque das dívidas (composto por dívidas securitizadas, reescalonadas e/ou renegociadas), quando acrescido daquelas originadas pela primeira etapa do programa (controle cultural, sem resultado econômico consistente), tem impedido as contratações por falta de garantias. Ou seja, os produtores que participaram das etapas anteriores estão seriamente penalizados, pois não poderão participar da nova etapa (enxertia), em virtude da atitude draconiana do Governo Federal.
Devido a essa grave dificuldade, o Governo da Bahia apresentou ao Ministério da Fazenda uma proposta que visa superá-la. Primeiramente, foi pedida a renegociação das dívidas dos produtores nas condições atuais estabelecidas pelo Governo Federal para o PESA - Programa Especial de Saneamento de Ativos - e solicitado ao BNDES e ao BN o financiamento de 10,3% para a aquisição dos Certificados do Tesouro Nacional, em face da total descapitalização dos produtores.
Devo lamentar que, de todas essas lavouras cultivadas neste País, a única que não obteve os benefícios do Programa (PESA) foi exatamente a que mais necessitava: o nosso cacau. Ontem, eu queria perguntar sobre isso ao Ministro Pratini de Moraes, mas a sessão se destinava a tratar de outro assunto, e não me cabia desrespeitar o Regimento da Casa. Mas fica o apelo.
O cacau do Brasil não quer favores. O cacau quer tratamento justo por tudo aquilo que ele representou, representa e ainda representará para o desenvolvimento brasileiro. O cacau quer tão-somente a mesma prioridade e atenção dadas a outros setores da nossa economia, que são igualmente tão importantes e que atravessaram crises até mais agudas, como foi o caso do sistema financeiro, que absorveu do Tesouro Nacional a soma que V. Exªs bem conhecem.
Queremos, sim, a essência da mesma decisão política que demonstra ser a agricultura também importante para o Brasil.
Mas a minha preocupação vai além.
Não desejo ser profeta do caos, mas tenho o dever e a responsabilidade de alertar a todos: a morte do cacau está levando à destruição o pouco que resta da nossa Mata Atlântica, patrimônio que transcende as fronteiras do nosso País.
O Governo da Bahia tem feito a sua parte. Em Ilhéus, há o Pólo de Informática, o Pólo Calçadista - mais de 37 empresas atraídas e em funcionamento na área por uma influência exclusiva do Governo. Fizemos as estradas de toda a região, para que o turismo se desenvolvesse. Criamos o moderno Projeto Genoma do Cacau, com o apoio da Unicamp, de universidades estaduais, CEPLAC, entre outros. Criamos o Programa de Diversificação Agrícola, que precisamos levar avante.
Mas, sozinhos, não teremos êxito. O Governo Federal precisa entender esse assunto. Não queremos mascarar ineficiências ou inviabilidades técnicas ou econômicas. Queremos, sim, cooperação. E eu sei que existem negociações do Governo da Bahia com o Ministério da Fazenda, BNDES e o Banco do Brasil, mas é necessário que esses pleitos sejam atendidos imediatamente.
Queremos a renegociação do estoque das dívidas, em bases compatíveis com as condições atuais dos produtores, do padrão tecnológico e da economia regional.
Queremos a compreensão do Governo Federal de que a situação do cacau na Bahia é de crise absoluta. Daí a necessidade da viabilização de novos financiamentos com encargos financeiros idênticos aos outros programas agropecuários do Brasil.
Queremos o fortalecimento da CEPLAC, um instrumento técnico essencial à recuperação do cacau, que está inteiramente abandonada.
Queremos que se concebam as novas bases do Programa do Cacau, dentro de estratégias auto-sustentáveis de preservação e moderno manejo da Mata Atlântica.
Queremos ver próspero, ativo, econômico e socialmente, um dos mais lindos e conservacionista sistemas de produção agrícola deste País.
Queremos continuar colhendo os frutos de ouro do cacau, que fazem a alegria da gente do Sul da Bahia.
Queremos salvar esse símbolo da terra.
Queremos, sim, voltar a dar orgulho ao mestre Jorge Amado - que ainda vive - e esperança a mais de 90 Municípios e a 3 milhões de baianos.
É isso o que desejamos, e, para isso, chamo a atenção do Governo Federal, na certeza absoluta de que todas essas reivindicações serão atendidas com a urgência que o caso requer.
Sr. Presidente, outros assuntos me trarão à tribuna, como o caos do problema rodoviário no Brasil. Não há lugar neste País onde as estradas não estejam realmente numa situação de calamidade pública, mas isso será assunto para outro dia, porque não tenho o direito de passar do tempo a mim destinado, já que V. Exª foi tolerante nesse aspecto. Em outra sessão, virei para mostrar os problemas rodoviários do Brasil; as estradas passaram a ser uma máquina de crimes, uma máquina de assassinatos, realizados não só por assassinos profissionais, mas também por todos que, desesperados, nelas trafegam.
Muito obrigado.