Discurso durante a 19ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

IMPORTANCIA ECONOMICA DA PLATAFORMA CONTINENTAL BRASILEIRA. NECESSIDADE DO REAPARELHAMENTO DA MARINHA DE GUERRA PARA FISCALIZAÇÃO DA ZONA ECONOMICA EXCLUSIVA - ZEE, DENTRO DAS NORMAS DEFINIDAS PELA CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DIREITO DO MAR - CNUDM.

Autor
Romero Jucá (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FORÇAS ARMADAS.:
  • IMPORTANCIA ECONOMICA DA PLATAFORMA CONTINENTAL BRASILEIRA. NECESSIDADE DO REAPARELHAMENTO DA MARINHA DE GUERRA PARA FISCALIZAÇÃO DA ZONA ECONOMICA EXCLUSIVA - ZEE, DENTRO DAS NORMAS DEFINIDAS PELA CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DIREITO DO MAR - CNUDM.
Publicação
Publicação no DSF de 23/03/2001 - Página 3823
Assunto
Outros > FORÇAS ARMADAS.
Indexação
  • ANALISE, IMPORTANCIA, OCEANO, COMERCIO EXTERIOR, FONTE, ALIMENTOS, MINERIO, DEFESA, REFORÇO, MARINHA MERCANTE, MARINHA DE GUERRA, EXERCICIO, SOBERANIA, ZONA ECONOMICA EXCLUSIVA, MELHORIA, FISCALIZAÇÃO, NAVIO ESTRANGEIRO, PESCA, ATIVIDADE PREDATORIA.
  • ANUNCIO, REUNIÃO, COMISSÃO, CONSERVAÇÃO, ATUM, OCEANO ATLANTICO, REVISÃO, COTA, PESCA, PRETENSÃO, MINISTERIO DA AGRICULTURA (MAGR), AMPLIAÇÃO, PERCENTAGEM, BRASIL, NECESSIDADE, REFORÇO, MARINHA DE GUERRA, FISCALIZAÇÃO.

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB - RR) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, imaginemos, por um instante, que estamos a olhar um mapa-múndi e que concentramos o olhar no Brasil. A primeira impressão que nos assoma é causada pela dimensão territorial do País, a poucos outros comparável. No momento seguinte, percebemos outra obviedade: a extensão de sua linha costeira, integralmente situada frente a mares navegáveis por todo o ano. Salta-nos, portanto, à vista, a partir desse exercício imaginário, a irresistível vocação marítima de nosso País.

Estou ciente, também, do destino histórico da interiorização da ocupação humana de nosso território, que é a grande conquista do processo peculiar de formação do País. Eu mesmo, aqui nesta Casa e nesta tribuna, estou a representar um Estado lá bem do interior, do fundo da Amazônia, distante do mar e da fração do continente sul-americano que originalmente cabia à colonização portuguesa, pelo Tratado de Tordesilhas, e que viria a se tornar o Brasil. Essa circunstância, contudo, não me impede de reconhecer no oceano uma das áreas estratégicas do interesse nacional.

Oceano por onde vieram os elementos branco e negro que aqui se juntaram e se caldearam ao elemento indígena para constituir a maior nação plurirracial do mundo.

Oceano que, apesar dos progressos da aviação, ainda é a principal via do transporte de mercadorias do comércio internacional; oceano que nos integra ao mundo e leva, em nossos produtos, o nome do Brasil para os mais distantes lugares do planeta.

É no mar -- em suas microalgas --, afirmam-no os cientistas, que está a verdadeira fonte do oxigênio necessário à vida do planeta, e não, como pensa muita gente, nas florestas. No mar também -- nos nódulos encontrados em seu fundo -- que se encontra uma riqueza extraordinária em metais, que são recursos indispensáveis a nossa civilização industrial. No mar se encontra também a alimentação protéica mais saudável utilizada hoje -- o peixe -- e a comida do futuro -- o minúsculo crustáceo chamado krill, que existe em quantidade abundante e deverá constituir, segundo estudiosos, a garantia de alimentação para os vários bilhões de criaturas humanas que estarão vivendo nos próximos séculos.

Para nós, brasileiros, o mar tem importância econômica fundamental hoje em dia, porque é da plataforma continental que extraímos a maior parte de nosso petróleo, fonte energética ainda decisiva para o progresso e a autonomia econômica das nações. Não deixarei de mencionar o potencial turístico de nosso litoral, com suas praias paradisíacas e escarpas espetaculares. Como as Srªs e os Srs. Senadores devem saber, o turismo é hoje a atividade econômica de maior lucratividade e a que mais cresce em todo o mundo. Nesses tempos difíceis, não podemos desperdiçar essa fonte de divisas.

Sr. Presidente, observe como os países poderosos sempre reconheceram a importância do domínio dos mares. Na antigüidade os romanos, os ingleses, até a primeira metade do século XX, e hoje os americanos, sempre fizeram questão de manter uma armada poderosa, que assegure a preservação de seus interesses políticos, econômicos e militares em todo o globo. A pesca industrial é uma outra atividade altamente lucrativa, que faz a riqueza, por exemplo, do Japão.

Toda essa importância do domínio dos mares deve nos fazer conscientes do papel estratégico que tem a Marinha para um país extenso e marítimo como o nosso. Uma Marinha Mercante, para nos garantir a capacidade de comercializar com o mundo, levando nossos produtos exportáveis a seus compradores e nos trazendo de volta os artigos de que necessitamos; e uma Marinha de Guerra, para nos fornecer a segurança do exercício de nossa soberania, definida pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), de 1982, sobre o Mar Territorial, sobre a Zona Contígua e sobre a Zona Econômica Exclusiva.

Como esses conceitos costumam ser confundidos, principalmente pelo pouco aprofundamento com que os meios de comunicação geralmente tratam a matéria, farei um rápido esclarecimento. Mar Territorial, de acordo com a CNUDM, constituído pelas 12 milhas a partir da linha de costa, é área sobre a qual o Estado costeiro exerce plena soberania, estendida ao espaço aéreo e ao subsolo.

As 12 milhas seguintes, sempre de acordo com a Convenção, constituem a Zona Contígua. Nela o Estado costeiro, embora não tenha a soberania plena que tem sobre o Mar Territorial, pode tomar medidas de fiscalização contra infrações a suas leis e regulamentos aduaneiros, fiscais, sanitários ou de imigração.

Na Zona Econômica Exclusiva (ZEE), que compreende as 12 milhas da Zona Contígua e mais 176 milhas -- alcançando, portanto, 200 milhas a partir da linha do litoral --, o Estado costeiro tem direito soberano de exploração, aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, renováveis e não-renováveis, das águas, do leito do mar e de seu subsolo. Pode instalar e utilizar ilhas artificiais, instalações e estruturas, fazer investigações científicas e tem ainda jurisdição sobre a proteção ecológica e ambiental do mar.

Pode o Estado costeiro, ainda, fixar as quantidades permitidas de captura de recursos vivos -- isto é, o volume de pesca -- para todos os navios pesqueiros, nacionais e estrangeiros. Os demais Estados gozam, ali, de completa liberdade de navegação, de sobrevôo e de colocação de cabos e oleodutos submarinos -- coisas de que não dispõem na área do Mar Territorial.

Signatário da CNUDM, o Brasil teve de renunciar à pretensão plasmada no Decreto-Lei 1.098, de 1970, que determinava um Mar Territorial de 200 milhas. Isso não reduz a responsabilidade de nossos governantes sobre a soberania que continuamos a ter sobre o mar.

Exercer essa soberania, Srªs e Srs. Senadores, não é tarefa fácil para um país pobre de recursos, que vive premido por necessidades sociais mais urgentes que as relativas à Defesa. Considerem, ainda, que nosso litoral se estende ao longo de mais de 4 mil milhas marítimas. Se multiplicamos esse número pelas 200 milhas da ZEE, temos cerca de 800 mil milhas marítimas quadradas -- ou 4,5 milhões de quilômetros quadrados de território a patrulhar.

Teremos, então uma idéia do enorme esforço feito pela nossa Marinha de Guerra. Sem os equipamentos modernos necessários para fiscalizar a área da ZEE, impedindo a pesca predatória por parte de navios-fábrica estrangeiros, nossa Força Naval faz o que pode, sem mesmo contar, segundo autoridades militares especialistas no assunto, com uma ação mais incisiva do Itamaraty nos foros internacionais. O ex-Ministro da Marinha Mário César Flores, desanimado, chega a dizer que a ZEE brasileira é “lero-lero”.

Os programas de reaparelhamento da Marinha de Guerra, apesar da exceção representada pela recente compra à França do navio-aeródromo São Paulo, estão engavetados, em sua maioria. Tanto o plano de construção de corvetas, aprovado na gestão do Presidente José Sarney, quanto o projeto de um navio-patrulha médio, capaz de operar com helicópteros, nunca saíram do papel. Certa má vontade do público, voltada aos militares, fruto talvez do longo tempo de regime militar, faz com que muita gente se esqueça das necessidades da Defesa, e despreze sua importância estratégica nos interesses maiores do País.

Enquanto isso, a pesca ilegal segue irrefreável. Nos anos 80, por exemplo, houve a quase extinção dos camarões no litoral do Amapá, com seus cardumes devastados por pesqueiros japoneses, coreanos e europeus. Se recuamos um pouco mais no tempo, para o início dos anos 60, nos lembraremos que o Presidente francês, General Charles De Gaulle, teria proferido sua célebre frase sobre o Brasil na oportunidade da guerra da lagosta, quando nosso País tentou impedir navios franceses de pescar de forma predatória esses crustáceos em nossa costa nordestina.

Não seríamos um país sério exatamente por nossa incapacidade de impor nossos direitos de soberania sobre o mar. Não seríamos um país sério exatamente por, não dispondo de material dissuasório, querermos falar grosso e defender nosso mar. Não seríamos um país sério, enfim, por nos limitarmos à bravata.

Srªs e Srs. Senadores, mencionei a guerra da lagosta porque está prevista para este ano de 2001 uma nova batalha diplomática envolvendo direitos de pesca de atum, espadarte e marlins nas águas do Atlântico Sul. Hoje, países como Espanha, Estados Unidos, Formosa e Portugal, entre outros, capturam mais de 70% da cota de 600 mil toneladas autorizada pela Comissão Internacional para a Conservação do Atum Atlântico (ICCAT). Acontece que está marcada para ocorrer este ano, na Bélgica, uma reunião da ICCAT na qual as cotas poderão ser redefinidas.

A pretensão do Brasil nesta reunião, segundo Gabriel Calzavara, diretor do Departamento de Pesca e Aquicultura do Ministério da Agricultura, é de reivindicar para o Brasil 50% dessa tonelagem, de modo a deslocar para o alto-mar nossa pesca industrial e deixar as águas litorâneas para a pesca artesanal, de importância social.

Pois bem, o Brasil já cumpre quase todos os requisitos exigidos pela CNUDM para a reivindicação, por um país, da soberania sobre sua ZEE prevista na Convenção. Já tem concluídos os levantamentos de profundidade de toda a plataforma continental, os estudos sísmicos, e, segundo a Comissão Interministerial dos Recursos do Mar, integrada pela Marinha e por mais 12 Ministérios, está por finalizar outros estudos sobre os recursos do oceano e da plataforma.

Teme-se, porém, que uma coisa torne todo esse esforço inútil. Assim como o General De Gaulle, os governantes dos países ricos podem novamente passar por cima de nossos direitos, simplesmente porque não temos o recurso de uma Marinha de Guerra com poder de dissuasão suficiente para defender toda nossa ZEE. A Marinha conta com a colaboração dos grandes pesqueiros de bandeira brasileira para localizar e denunciar os navios estrangeiros em atuação ilegal na área da ZEE, além de prever ações conjuntas com a Força Aérea Brasileira -- esta também, infelizmente, com seus equipamentos severamente sucateados, pouco pode fazer ou ajudar.

Face a todas as dificuldades impostas pelas limitações orçamentárias, precisamos reconhecer o denodo com que nossa Marinha de Guerra procura realizar sua missão na Zona Econômica Exclusiva. Precisamos, igualmente, analisar com o devido cuidado os pedidos de recursos da área da Defesa. Está provado que, embora não estejamos sob risco iminente de invasões, embora não tenhamos inimigos belicosos ou disputas territoriais com vizinhos, há um papel específico das Forças Armadas que não pode ser descuidado: o de fazer saber a possíveis invasores que os custos materiais e humanos de qualquer violação de nossa soberania podem ser elevados.

Por tudo isso, a Marinha de Guerra do Brasil merece nosso aplauso e nossa atenção como parlamentares, em nossa atuação sobre a elaboração do orçamento nacional. Sendo um habitante da Amazônia, outra área de nosso território particularmente sensível à cobiça internacional, trago bem viva na consciência a importância de uma defesa capacitada, equipada e pronta a agir quando se fizer necessário.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/03/2001 - Página 3823