Discurso durante a 19ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

ANALISE DOS PROBLEMAS QUANTITATIVOS E QUALITATIVOS DO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR.:
  • ANALISE DOS PROBLEMAS QUANTITATIVOS E QUALITATIVOS DO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO.
Publicação
Publicação no DSF de 23/03/2001 - Página 3827
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ASSUNTO, PROBLEMA, QUALIDADE, ENSINO SUPERIOR, INSUFICIENCIA, VAGA, RECURSOS, MANUTENÇÃO, SISTEMA.
  • COMENTARIO, ESTATISTICA, CENSO ESCOLAR, ENSINO SUPERIOR, AMBITO, CRESCIMENTO, UNIVERSIDADE FEDERAL, FACULDADE, UNIVERSIDADE PARTICULAR, AVALIAÇÃO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), PROVOCAÇÃO, MELHORIA, QUALIDADE, AUMENTO, POS-GRADUAÇÃO, PROFESSOR.
  • DEFESA, DESCENTRALIZAÇÃO, UNIVERSIDADE, REGIÃO NORTE, REGIÃO CENTRO OESTE, BENEFICIO, PESQUISA, QUALIFICAÇÃO, MÃO DE OBRA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a edição nº 6 da revista Veja, de 14 de fevereiro de 2001, traz, em matérias distintas, duas ordens de problemas em relação ao ensino superior, que, mutatis mutandis, se dão em todos os serviços sociais de amplo espectro: problemas relativos à qualidade do ensino oferecido e problemas quantitativos, referentes ao número de vagas e à disponibilidade de recursos a serem alocados para a manutenção do sistema.

            O primeiro aspecto é abordado na matéria “Provão neles?”, que trata da participação dos universitários no “Show do Milhão”, do SBT. O programa, que vai ao ar nas noites de quarta, quinta e domingo, no SBT, traz sempre como coadjuvantes três universitários. Esses estudantes, que são trocados a cada edição do programa, viraram motivo de chacota pela ignorância que demonstram. Quando a frase “Vou pedir ajuda aos universitários” é pronunciada por um candidato ao prêmio milionário, o público se delicia, antecipando as besteiras que virão.

Quanto aos problemas quantitativos do ensino superior, a matéria “O X da questão” mostra que a maioria dos brasileiros não está preparada para participar da “festa” do mundo globalizado. O País tem enormes desafios pela frente. Só 11% dos jovens em idade de freqüentar a universidade estão matriculados. É um padrão muito baixo até entre os vizinhos latinos. Na Argentina e no Chile esse índice é de 30%. O mais dramático da situação é que o emprego para o pessoal sem qualificação está desaparecendo. Entre os universitários, a taxa de desemprego é de 3%, ou seja, padrão de economia norte-americana. Para quem não acabou o ensino médio é de 13%, o dobro da média brasileira.

Em linhas gerais, Sras. e Srs. Senadores, está assim colocado o dilema do ensino superior brasileiro: é preciso promover a sua expansão para atender às necessidades do desenvolvimento do País e da empregabilidade da população, mas é necessário fazê-lo sem descuidar da qualidade, essencial para a promoção das transformações sociais requeridas.

Esse dilema atinge indistintamente as universidades federais, estaduais, municipais, públicas e privadas. Entretanto, as últimas avaliações do ensino superior permitem considerar que o problema da quantidade aflige, particularmente, as universidades públicas, ao passo que a questão da qualidade é especialmente grave nas universidades privadas.

Verificando essa hipótese, podemos consultar os resultados do Censo da Educação Superior, em relação à expansão de vagas, e do Provão, em relação à qualidade do ensino. Os números do Censo do Ensino Superior mostram que, entre 1994 e 1999, mais do que dobrou o total de brasileiros que conseguiram concluir o curso médio: de 700 mil para além de 1,7 milhão. Nesse mesmo período, a população matriculada no ensino superior cresceu 43%, aproximando-se da marca de 2,4 milhões. Em 1999, o crescimento beirou os 12%, com a incorporação de 250 mil estudantes. Três são as características a destacar nesse número: a expansão foi maior no ensino privado (17%), no Nordeste (15%) e nos cursos noturnos (13%). O primeiro índice comprova que, sem uma recuperação da capacidade de financiamento do sistema público, a rede particular - onde já estão 65 de cada 100 universitários - continuará absorvendo a maior parte da demanda por um diploma de curso superior, como requisito para a vida profissional.

Desde 1994, os cursos pagos acumulam um crescimento de 59,1%. As federais, 21,8%. Esse desempenho das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) pode estar deixando fora da universidade jovens sem condições de estudar em outra faculdade, que não a pública. Se considerarmos que apenas 13% dos jovens entre 18 e 24 anos estão na universidade, num País com uma péssima distribuição de renda, é lógico supor que, dos 87% excluídos, boa parte não tem recursos para pagar por ensino superior.

Como se vê, Sras. e Srs. Senadores, o sistema está diante de um impasse. De um lado, o Ministro da Educação, Paulo Renato, insiste na tese do uso mais eficiente dos recursos já disponíveis nas universidades para continuar a expandir o ensino superior federal. De outro, os dirigentes dessas instituições, que dizem ser impossível manter o ritmo de crescimento sem investimentos específicos.

Para o Ministro, um dos principais estímulos ao crescimento das Ifes foi exatamente a mudança na matriz orçamentária - ou seja, na forma como o MEC distribui o dinheiro entre as universidades. Hoje, ela é baseada nos serviços que a instituição presta e no número de alunos que atende. Os dirigentes, entretanto, consideram que o quadro não é tão positivo. Segundo a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais, o valor gasto pela União com as federais em 1994, corrigido pela inflação acumulada desde então, foi R$160 milhões maior que em 1999. Assim, para atuar nas mesmas condições que há cinco anos, as universidades deveriam receber muito mais do que lhes foi destinado.

De fato, é forçoso reconhecer que o aumento do ritmo de crescimento das universidades requer investimentos específicos na qualificação dos professores, na recuperação e ampliação das salas de aula, laboratórios e bibliotecas. Afinal, não interessa promover a expansão com prejuízo da qualidade do ensino oferecido.

Quanto a esse último fator - a qualidade - deve-se reconhecer um grande avanço, pelo menos nas iniciativas de avaliação do ensino superior. A esse respeito, é preciso admitir que nunca houve no ensino superior brasileiro tanta supervisão, tanta avaliação e tanta transparência na autorização, reconhecimento e recredenciamento de cursos e instituições, como nestes últimos cinco anos. Nesse processo, assume especial papel o Exame Nacional de Cursos - o Provão, um dos elementos da prática de avaliação. Seu objetivo é medir a qualidade de cursos de graduação do País por meio do desempenho dos formandos. Além do Provão, existe a Avaliação das Condições de Oferta, em que especialistas selecionados pelo MEC visitam as instituições para verificarem a qualidade do corpo docente, da infra-estrutura e do currículo. Dependendo do resultado obtido nas avaliações, ou os cursos recebem autorização para continuar a funcionar ou passam pelo processo de renovação de reconhecimento, em que podem ser fechadas. A partir do resultado obtido pelos formandos no Provão em cada área, o MEC distribui os cursos por conceitos de A a E.

Alvo de reações e críticas, no início, o Provão consagrou-se não só como instrumento de avaliação, mas, principalmente, como mecanismo de estímulo à melhoria da qualidade do ensino superior. A maioria dos cursos submetidos ao processo de renovação de autorização de funcionamento do Ministério da Educação melhorou o seu desempenho. É o que revela o resultado do Provão.

Em 2000, participaram do Provão mais de 191 mil alunos de 2.888 cursos de 18 áreas. Dos 131 cursos que estão passando pelo processo de renovação devido aos baixos conceitos obtidos na avaliação, 52% conseguiram resultados mais positivos este ano.

Os dados coletados pelo Provão mostram, ainda, um aumento na qualificação dos docentes. Em 1996, 33% dos professores das instituições de ensino superior tinham títulos de mestrado ou doutorado e, este ano, 55% do corpo docente têm essa titulação em todos os cursos avaliados.

Entre os 555 cursos que tiveram conceitos “E” em uma das duas listas para renovação da autorização, 56,4% elevaram seus conceitos. Já dos 76 cursos que obtiveram conceitos “D”, 48,7% alcançaram conceitos melhores em 2000.

Os cursos de Medicina também mostram de forma clara essa melhoria. Dos 15 cursos que tiveram conceito “D” em 1999, dez deles progrediram em 2000. E entre os seis que tinham “E”, no ano passado, quatro melhoraram os seus conceitos.

Na primeira lista, divulgada em 1998, 67 cursos de Administração, Direito e Engenharia Civil passaram pelo processo de renovação por terem obtido três conceitos D ou E consecutivos. Em 1999, outros 64 cursos, incluindo estas três áreas, mais Engenharia Química, Medicina Veterinária, Odontologia e Medicina, também ingressaram nesse processo.

A par de estimular a melhoria dos cursos de nível superior, o Provão desencadeou, ainda, o surgimento de outras iniciativas de avaliação, como é o caso da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, que, recentemente, divulgou uma relação de 52 faculdades de Direito recomendadas por seu desempenho. A lista da OAB foi baseada em três critérios: o índice de alunos de cada instituição aprovados no teste da entidade para o exercício da advocacia, o desempenho das faculdades nas últimas três edições do Provão e o resultado na Avaliação das Condições de Oferta - inspeção feita pelo MEC.

Como se vê, Sras. e Srs. Senadores, alguma coisa vem sendo feita pela melhoria da qualidade do ensino. O Provão tem revelado a fragilidade das instituições privadas quanto à qualidade e o censo tem demonstrado a inadequação da relação candidatos/vagas, nas instituições públicas.

Um último aspecto preocupa-me, especialmente, em relação às universidades brasileiras, e a esse respeito já me pronunciei em outras oportunidades. Refiro-me à imperiosa necessidade de se promover iniciativas destinadas à implantação de alternativas diferenciadas para as regiões Norte e Centro-Oeste, baseadas na descentralização e no aumento de investimentos nessas regiões.

A Amazônia e o Centro-Oeste são regiões de ecossistemas diferenciados, de equilíbrio delicado e que necessitam de um desenvolvimento específico. Não será possível realizar esse desenvolvimento sem que sejam colocados à disposição dessas regiões os meios necessários, gerados diretamente da pesquisa e da qualificação de recursos humanos - o que só poderá ser feito pelas universidades locais.

Finalizando, Sras. e Srs. Senadores, retomo a colocação inicial: buscamos, hoje, a expansão qualitativa do ensino superior. À medida que surgem mais cursos, queremos que os de má qualidade desapareçam e o conjunto melhore. Para tanto, é recomendável persistir na avaliação dos cursos, mas é preciso, também, investir na qualificação de professores, na melhoria das instalações e equipamentos e na descentralização de recursos, se quisermos dispor de um ensino superior à altura de nossas justas ambições e reais possibilidades, como povo e como Nação.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/03/2001 - Página 3827