Pronunciamento de Geraldo Cândido em 21/03/2001
Discurso durante a 18ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
COMEMORAÇÃO HOJE, DO DIA INTERNACIONAL DA ELIMINAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
- Autor
- Geraldo Cândido (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
- Nome completo: Geraldo Cândido da Silva
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
HOMENAGEM.:
- COMEMORAÇÃO HOJE, DO DIA INTERNACIONAL DA ELIMINAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
- Publicação
- Publicação no DSF de 22/03/2001 - Página 3741
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
-
- HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, ELIMINAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, OPORTUNIDADE, ANALISE, SITUAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO, NEGRO, AFRICA DO SUL, BRASIL.
O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, 21 de Março, é o Dia Internacional da Eliminação da Discriminação Racial. Este dia foi instituído pela ONU em sinal de protesto pelo assassinato de 69 pessoas negras, pela polícia da África do Sul, em 1960, quando manifestavam-se pacificamente contra a obrigatoriedade do uso de passaporte interno, exigido, àquela época, à população negra para locomoção dentro de seus próprios territórios. Esta data rememora as atrocidades praticadas durante décadas pelo apartheid na África do Sul. Não obstante, a realidade no Brasil não tem sido diferente desse contexto, pois o racismo é visível em nosso país, mesmo que o ufanismo e a malfadada ideologia de “democracia racial” queira ocultar.
Racismo denomina-se uma doutrina que sustenta a superioridade de determinada raça. É a segregação e marginalização de uma raça por outra que se declara superior. Infelizmente, a civilização não conseguiu eliminar a discriminação e o ódio racial, que estão nas manchetes dos jornais para todos verem. Uma minoria que ainda persiste em separar a raça humana por critério nazista, eugênico e estético. Nesse sentido, uns dos mais destacados exemplos de discriminação racial, já ocorrido no mundo, foi o sistema do apartheid na África do Sul, pois nele permitiu-se aos brancos que representavam menos de um quinto da população, dirigissem os assuntos do país durante décadas.
Segundo artigo da professora e advogada Maria Aparecida Ribeiro, “No regime de apartheid, a liberdade de movimentos e os direitos políticos e socioeconômicos da população não branca eram limitados. Sendo que 87% do território era reservado à minoria branca, enquanto os africanos eram mantidos à força nos 13% restante, área de baixa qualidade produtiva. Como, também, as empresas comerciais e industriais estavam nas mãos de brancos ou de estrangeiros, que tiravam vantagem do regime, pois conseguiam lucros expressivos graças à exploração dos africanos, que trabalhavam por míseros salários (dados das Nações Unidas ).
A segregação racial determinava que as várias raças não freqüentassem os mesmos locais: igrejas, escolas, restaurantes, cinemas, praias, clubes ou acontecimentos desportivos. Passar por entradas separadas, usar cabinas telefônicas, táxis, hospitais e cemitérios diferentes. Os não-brancos são tolhidos de exercerem certos empregos ou funções, sendo apenas permitidos os servis e mal pagos. Nos jardins zoológicos, galerias de arte, museus e jardins públicos, os horários de visitação são distintos para brancos e negros. As relações sexuais entre pessoas de raças diferentes são extremamente proibidas pela “lei de 1950, sobre os costumes”.
Deve-se destacar que houve reação contra essa situação, tanto na África do Sul, com o Congresso Nacional Africano que lutava pela igualdade dos grupos étnicos, como internacionalmente, com os grupos anti-racista de diversos países pressionando seus governos regionais para se posicionarem contra o regime segregacionista. Esses movimentos deram resultado positivo, o Congresso Nacional Africano é legalizado e seu principal líder Nelson Mandela consegue anistia. Depois de um longo processo de negociação interna e internacionalmente ocorrem eleições em 1994, Mandela é eleito e assume a Presidência da África do Sul, colocando definitivamente um fim no racismo legalizado do país.
Em seguida, Srªs e Srs. Senadores, destaco que a realidade no Brasil se diferencia pouco da situação social da África do Sul. Pois ao contrário do que muitos afirmam, no Brasil, a convivência entre as diferentes raças não é um "mar de rosas", porque vivemos em um país racista e excludente - que o digam a população negra e a indígena. Os afro-descendentes vivem sob a herança da escravidão, sujeita a todo tipo de discriminação e preconceitos que interferem na construção da identidade e nas condições de vida. Os resultados da escravidão podem não estar presentes em nossa memória, mas os resultados da desigualdade são concretos.
Como exemplo de casos concretos, o Sr. Leon Fredja , em seu artigo - Crimes de racismo - crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, etnia, religião ou procedência nacional, descreve algumas circunstâncias reais, referentes a práticas racistas:
O Tribunal de Alçada de Minas Gerais condenou Yara Menez a indenizar seu vizinho Genésio Rodrigues em R$ 5.000,00, a título de danos morais. Yara chamou Genésio, publicamente, de “macaco”, “negro fedorento” e “urubu”, palavras depreciativas e preconceituosas, ferindo a moral do ofendido.
No Rio de Janeiro, o Juiz da 7ª Vara Criminal condenou a 2 anos de detenção, com sursis, a empresária Rosselita Lima, que teria se referido a uma candidata a emprego como “negrinha maltrapilha e sem modos”.
Diante desses relatos, apresentei um Projeto de Lei, aprovado no Senado e remetido à Câmara dos Deputados, que busca impedir a discriminação que ocorre com a veiculação de anúncios de seleção de pessoal. A sociedade tem assistido a inúmeros casos de discriminação nos processos de admissão no emprego, baseados em critérios preconceituosos como o da exigência de “boa aparência”. Isto fere o princípio constitucional da igualdade, sem distinção de qualquer natureza. Tal exigência, quando não coibida, impede muitas pessoas de terem acesso a empregos públicos ou da iniciativa privada.
Não restam dúvidas que a exigência de “boa aparência” é discriminatória. A expressão pode ser interpretada de diversas formas. O critério da “boa aparência” para admissão em emprego significa um conceito abrangente e subjetivo, que pode excluir tanto pessoas com problemas dermatológicos de manchas na pele, ou que estejam acima do peso (pessoas gordas), razão pela qual não se enquadram nos padrões de beleza atuais, requeridos através da exigência da “boa aparência”, como principalmente é utilizado para excluir pessoas de outras etnias, notadamente os afro-descendentes, o que significa dizer, que a empresa não pretende contratar pessoa negra. É óbvio que não existe qualquer relação entre a aparência de um cidadão com a competência para o exercício profissional. Por isso, propomos por meio de Projeto de Lei uma punição mais direta a quem desrespeitar o princípio da “igualdade com eqüidade”, constante da nossa Carta Magna, quando exigir “boa aparência” como critério para admissão em emprego.
Além disso, Srªs e Srs. Senadores, temos uma pesquisa apresentada pelo Dieese sobre o “Mapa da População Negra no Mercado de Trabalho”, o qual anexo ao meu discurso, que fora divulgado no ano passado. Nela constata-se que a população negra ainda é muito discriminada. “O documento do Dieese demonstra que a discriminação racial é um fato cotidiano, que interfere em todos os espaços do mercado de trabalho no Brasil, sobrepondo-se até mesmo à discriminação por sexo. As mulheres negras enfrentam, assim, um cenário duplamente discriminatório, sexual e racial.
A comparação das taxas de desemprego do ano passado mostrou que 86,4% dos desempregados da região metropolitana de Salvador (BA) são negros. Em Recife e no Distrito Federal, cerca de 68%. Esse índice cai para 40% na região metropolitana de São Paulo e para 15,4% em Porto Alegre. Em todas as regiões, as mulheres negras compõem os maiores índice de desempregados.
Entre os assalariados, constata-se que os rendimentos de trabalhadores negros são sistematicamente inferiores aos dos não-negros. Segundo resenha do Dieese sobre o Mapa, os rendimentos inferiores dos negros expressam o conjunto de fatores que reúne desde a entrada precoce no mercado de trabalho, a maior inserção da população negra nos setores menos dinâmicos da economia, a elevada participação em postos de trabalho precários e em atividades não-qualificadas e as dificuldades que cercam as mulheres negras no trabalho.
Apesar da legislação brasileira condenar o racismo, vê-se que ainda existem práticas racistas, discriminatórias e constrangedoras. São os resquícios herdados do colonialismo europeu. Não basta estar na lei, carece urgentemente acioná-la, embora muitas lutas estão caminhando neste sentido: movimentos, grupos, instituições, comissões pastorais, programas governamentais e educativos, OAB, Ministério Público e a própria Magistratura.
Todas as denúncias de racismo já foram feitas. O mito da democracia racial está ultrapassado. Exigimos, portanto, ações efetivas do Estado que retire a população afro-descendente da condição de marginalização perante a sociedade brasileira, para que tenhamos orgulho de conviver na multiplicidade de raças e de culturas, pois não é possível construir um projeto de nação e de cidadania sem levar em conta a marginalização dos afro-descendentes brasileiros.
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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR GERALDO CÂNDIDO EM SEU PRONUNCIAMENTO:
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