Discurso durante a 18ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O RELATORIO DAS ATIVIDADES DA ANEEL - AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA, NO PERIODO DE 1998 A 200.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENERGIA ELETRICA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O RELATORIO DAS ATIVIDADES DA ANEEL - AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA, NO PERIODO DE 1998 A 200.
Publicação
Publicação no DSF de 22/03/2001 - Página 3750
Assunto
Outros > ENERGIA ELETRICA.
Indexação
  • COMENTARIO, RELATORIO, ATIVIDADE, AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA (ANEEL), DEMONSTRAÇÃO, ESFORÇO, REGULAMENTAÇÃO, SUPERVISÃO, FISCALIZAÇÃO, SETOR, ENERGIA ELETRICA.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Aneel, Agência Nacional de Energia Elétrica, vem de distribuir o relatório de atividades que cobre o seu período de existência, que vai de 1998 a 2000. Junto com esse relatório, foi divulgado um documento mais sucinto, intitulado “Principais Realizações, 1998-2000”, de consulta mais rápida, que fornece um quadro bastante esclarecedor dos principais e positivos esforços que vêm sendo desenvolvidos pela Aneel em sua missão regulamentadora, de supervisão e fiscalização do setor elétrico.

Se bem que as atividades e responsabilidades atribuídas à Aneel, por lei, sejam muito variadas, creio que merecem destaque aquelas relacionadas com a defesa dos interesses mais diretos dos consumidores de energia elétrica, nas diversas categorias em que se dividem. Vai se tornando claro para a sociedade que os serviços de energia elétrica estão sendo fiscalizados com crescente eficácia e que os direitos dos consumidores vão se ampliando, gradualmente, na sua efetiva concretização.

Ao observar o que se passa no campo de atuação da Aneel, cabe, a meu ver, ampliar a perspectiva, e tecer algumas reflexões sobre questões conexas, tais como o próprio conceito de agência reguladora autônoma, modelo que o Brasil, e numerosos outros países, vêm adotando crescentemente; além disso, vale examinar a questão da reforma do setor elétrico, que, a exemplo do que ocorre em quase todo o mundo, está em marcha também em nosso país.

Essas questões são muito atuais, não só porque concentraram o interesse público nos anos 90, entre nós e internacionalmente, mas também porque, a par das esperanças e debates que suscitam o novo modelo de agência e as reformas ditas desregulamentadoras, ou competitivas, sugerem também problemas correlacionados com essas mudanças. Por exemplo, entre nós, a questão da relutância dos investidores privados em realizarem efetivamente seus investimentos de geração, dado que o nosso modelo de reforma ainda contém alguns vazios a serem definidos, o que afasta muitos empreendedores. Problema muito sério, pois é preciso assegurar que tenhamos usinas suficientes para sustentar o crescimento da economia, e até mesmo o aumento vegetativo do consumo.

Internacionalmente, a charada do que seja uma boa reforma do setor elétrico, está presente dramaticamente no noticiário, com a crise de energia elétrica na Califórnia, o Estado mais rico dos Estados Unidos, e que realizou uma radical reforma em 1996, cujos maus frutos estão agora surgindo.

Sr. Presidente, inicio esta breve análise com um comentário de caráter histórico sobre o modelo de agência reguladora de caráter autônomo. É, sem dúvida, uma criação norte-americana, resultado de uma evolução que começou no século passado e assumiu sua forma típica após algumas décadas. Os americanos, no início desse processo, frente aos atritos entre consumidores e empresas concessionárias prestadoras de serviços públicos, experimentaram resolvê-los por via judicial, o que se revelou moroso e impraticável. Depois, tentaram a via do legislativo, que também mostrou-se pouco ágil, dado que os conflitos, envolvendo tarifas, atendimento universal e qualidade dos serviços, renovavam-se e mudavam de feição a todo momento.

Tampouco achavam adequado dar o poder de supervisionar, arbitrar divergências e detalhar normas a um mero setor administrativo no seio do Poder Executivo. Procuraram criar uma entidade de governo que aliasse características dos três Poderes: normatizar, nos limites autorizados pelo Legislativo, servir de juiz de conflitos e fiscalizar o dia-a-dia, como faz o Executivo.

Assim, chegaram ao seu modelo de “Public Comission”, que é a agência autônoma, dirigida por pequena junta de administradores e especialistas com mandato fixo. No modelo de serviço público vigente na maior parte do século XX, nos Estados Unidos, a concessionária privada tinha o dever de prestar bom serviço, com tarifa fixada pela agência em nível que fosse razoável para o consumidor e que assegurasse à empresa o lucro fixado por lei.

É bom observar que o privatismo americano persistiu quase absoluto naquele país, por todo o século, mas no resto do mundo a situação sofreu interessantes mutações. Nas primeiras décadas do século, a regra, no mundo, era empresas privadas. Houve, a seguir, uma insatisfação crescente com tal situação, à medida em que a energia elétrica foi se revelando um fator estratégico no desenvolvimento econômico; em paralelo, as empresas privadas demonstravam um interesse comercial excessivamente estreito e pouca consideração com os objetivos maiores da sociedade.

Na Europa passou-se a estatizar o setor elétrico. De resto, a onda da estatização foi generalizada, principalmente logo após a Segunda Guerra Mundial, abrangendo ferrovias, siderúrgicas, telefonia, aviação e vários outros setores. No Brasil, começamos a estatizar nos anos 50, a princípio timidamente e, depois, em massa. Quando não estatizadas, as concessionárias do setor elétrico, como a Light, estavam submetidas ao modelo americano: tarifas fixadas pelo governo e lucros assegurados.

Outra característica muito importante vigente em todo esse período era o monopólio territorial e a integração, em uma mesma empresa, das atividades de geração, transmissão e distribuição. Eram coisas simplesmente vistas como naturais: que a concessionária tivesse o monopólio de um território e que atuasse como empresa integrada.

A partir dos anos 80, em nível internacional, assistimos a uma espécie de volta do pêndulo: a insatisfação generalizada, agora, era com a rigidez e ineficiência das empresas estatais, nos casos onde elas predominavam, e insatisfação, no caso das concessionárias privadas, com a excessiva segurança de que gozavam, o que constituía incentivo à ineficiência, altos custos e, portanto, altas tarifas asseguradas por lei. Passou a ser uma idéia internacional com grande força de penetração a de que também no setor elétrico deveria ser introduzida a competição, os saudáveis mecanismos de mercado.

Começaram as reformas, país após país. Onde o setor era estatal, privatizou-se e introduziu-se a competição; onde era privado, bastou fazer a reforma competitiva. E a agência autônoma, de recorte norte-americano, mostrou-se adequada a servir de árbitro e supervisor dos setores reformados.

Essas reformas, em geral, tiveram apoio público majoritário. Era como se a sociedade voltasse a aceitar a empresa privada, por estar ela, sociedade, mais segura de conseguir controlar o ambiente do serviço prestado, já que haviam se sofisticado os mecanismos institucionais e se fortalecido as práticas democráticas.

No Brasil, pesou muito a favor da realização de uma reforma privatizante e competitiva o fato de as estatais constituírem uma carga penosa para os governos; elas absorviam recursos que faziam falta nas áreas sociais; em muitos casos, elas se transformaram em organizações pesadas, sujeitas a influências indevidas e a pressões corporativas. Ao invés de “empresas do público”, algumas haviam se tornado prisioneiras de interesses privados. Além do mais, vendê-las era obter um reforço do caixa dos governos.

Coroando isso tudo, há o fenômeno do modismo. A um modismo de desenho das instituições é difícil de resistir. Não vai nisso um julgamento necessariamente negativo. O modismo institucional da democracia, hoje vigente no mundo, é positivo. Há 20 anos, na América Latina e na Europa Oriental, não era assim. Há 60 anos, um modismo institucional de grande força era o regime de perfil fascista.

É preciso que cada país que procedeu a reformas no setor elétrico faça a sua avaliação dos resultados do processo, de seus prós e de seus contras. No caso do Brasil, a reforma ainda não se completou, e parte de seu desenho ainda sequer foi feito.

Na Inglaterra, a reforma pioneira de Margareth Thatcher parece que não foi malsucedida, já que o novo partido no poder, o trabalhismo de Tony Blair, não a reverteu. Mas o novo governo corrigiu defeitos, como o excessivo lucro manipulativo de algumas empresas, sobre as quais foi imposto um tributo especial, para punir ganhos injustificáveis.

Por ora, o que se tem como exemplo claro de fracasso é o caso da Califórnia, estado que tem um PIB 50% superior ao do Brasil, uma população que é 1/5 da nossa e um consumo de energia elétrica semelhante ao nosso. Lá, tudo o que podia dar errado, deu. É útil comparar a reforma deles com a nossa, ver em que diferem e o que têm de comum.

A Califórnia sofre uma gravíssima escassez de energia elétrica, que ameaça o futuro econômico do Estado. As tarifas subiram explosivamente, pelas regras de mercado de oferta e demanda. As grandes distribuidoras estão à beira da falência. As empresas de geração estão manipulando o mercado, simulando escassez maior que a real e maximizando seus lucros. Ao contrário do que pensavam os formuladores da reforma competitiva de 1996, não houve uma corrida para construir novas usinas geradoras, o que, se tivesse ocorrido, teria introduzido a desejada saudável competição.

Algumas diferenças entre o que ocorreu na Califórnia e o que ocorre entre nós: primeiro, em 1996, havia excedente de energia na Califórnia e eles foram totalmente surpreendidos pela virada da economia da próspera Era Clinton, que frustrou os pressupostos dos desenhadores da reforma. No Brasil, a consciência da escassez de geração esteve presente desde o início da reforma.

Segundo: a Califórnia lançou a reforma competitiva sem o “colchão” de uma transição prudente.

Terceiro, eles reservaram ao Poder Público poucos instrumentos de intervenção para o caso de os mecanismos de mercado levarem a distorções perversas. No Brasil, temos mecanismos de transição, como os contratos chamados “iniciais”, impostos por lei a geradores e distribuidores, ou, ainda, algumas funções por enquanto reservadas à Eletrobrás. E o Poder Público, na reforma brasileira, permanece bastante atuante.

E quanto às distorções que podem ocorrer em um setor elétrico parcialmente funcionando sob mecanismos de mercado, como é o do Brasil? Nosso modelo prevê competição entre as empresas geradoras para vender às distribuidoras; e competição para comercializar energia aos chamados consumidores livres, que, por ora, são os grandes consumidores, como indústrias e shopping-centers. Esses mecanismos, entre nós, acabam de ser institucionalizados e ainda não passaram pelo crivo da experiência.

Creio que a sistemática adotada em nossa reforma nos garante contra más surpresas no futuro. O Ministério de Minas e Energia contratou, em 1996, uma importante consultora internacional para propor o desenho institucional de um novo setor elétrico, modernizado; essa proposta passou pelo crivo crítico de muitas dezenas dos nossos melhores técnicos e de várias audiências públicas; finalmente, a parte do desenho já concluída foi transformada em lei pelo Congresso.

Sr. Presidente, ainda não temos a “quilometragem de amaciamento” exigida para conhecer melhor como vai funcionar nossa reforma. Por hora, o Ministério de Minas e Energia tem dedicado seu maior esforço a programar a nova geração que nos é indispensável, e a tentar atrair os correspondentes investimentos privados.

No entanto, pelo bom exemplo da atuação da Aneel, nossa postura é de otimismo. Fizeram bem o Governo e o Senado em reconduzirem a um segundo mandato a direção da Aneel. Os relatórios da Aneel, que aqui pretendi comentar brevemente, nos trazem esperança e confiança. O setor elétrico, em sua imensa complexidade técnica e institucional, é peça fundamental para o progresso e o bem-estar do País. Fica aqui, portanto, registrado o merecido apoio aos que se esforçam e trabalham para o sucesso do Brasil nesse campo de atividade.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/03/2001 - Página 3750