Discurso durante a 21ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

NECESSIDADE DO CONGRESSO NACIONAL DE ELABORAR O ORDENAMENTO JURIDICO E INSTITUCIONAL REFERENTE A POLITICA DE SANEAMENTO BASICO PARA O PAIS.

Autor
Paulo Hartung (PPS - CIDADANIA/ES)
Nome completo: Paulo César Hartung Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SANITARIA.:
  • NECESSIDADE DO CONGRESSO NACIONAL DE ELABORAR O ORDENAMENTO JURIDICO E INSTITUCIONAL REFERENTE A POLITICA DE SANEAMENTO BASICO PARA O PAIS.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 27/03/2001 - Página 4084
Assunto
Outros > POLITICA SANITARIA.
Indexação
  • REGISTRO, TRAMITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROJETO DE LEI, INICIATIVA, GOVERNO, DIRETRIZ, POLITICA, SANEAMENTO BASICO.
  • IMPORTANCIA, IDENTIFICAÇÃO, COMPETENCIA, MUNICIPIOS, ESTADOS, UNIÃO FEDERAL, GESTÃO, SANEAMENTO.
  • EXPECTATIVA, PRODUÇÃO, SUBSTITUTIVO, COMPOSIÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, JOSE SERRA, EX SENADOR, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), ADOLFO MARINHO, RICARDO FERRAÇO, DEPUTADO FEDERAL, DEFESA, PRIORIDADE, COMPETENCIA, GOVERNO MUNICIPAL, SETOR, SANEAMENTO, OBRIGATORIEDADE, INCLUSÃO, ABASTECIMENTO DE AGUA, TRATAMENTO, ESGOTO.
  • COMENTARIO, DADOS, CENSO DEMOGRAFICO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, SANEAMENTO BASICO, BRASIL.

O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, alguns aspectos de ordem legal envolvem a discussão em torno de uma política de saneamento básico para o País. São pontos que, na minha opinião, devem nortear o debate, agora quando foi instalada e começou a funcionar, na Câmara dos Deputados, a Comissão Especial que analisará o projeto de lei que o Governo enviou ao Congresso. Já foi escolhido, inclusive, também o Relator, o competente Deputado Adolfo Marinho. Esse projeto do Governo, Sr. Presidente, foi enviado em fevereiro deste ano, com a finalidade de propor diretrizes para o setor.

Primordial nessa discussão é a necessidade de se identificarem as situações em que se configura a competência comum e a disciplina da cooperação entre os entes federados na gestão dos serviços de saneamento básico diante das diversas situações que se apresentam e o devido esclarecimento das suas propriedades.

Acredito que esse venha a ser o ponto forte da controversa discussão que ora se inicia e que anteriormente orientou a apresentação de vários projetos nesta Casa e na Câmara dos Deputados.

Creio que os projetos do Senador e atual Ministro da Saúde José Serra, dos Deputados Adolfo Marinho, que já citei, e Ricardo Ferraço e o projeto de minha autoria, entre outros que tratam da temática saneamento, contêm os elementos suficientes para a produção de um substitutivo que venha a colocar na legislação o município no papel de principal ator da política de saneamento, dirimindo de vez essa questão.

Penso, também, que o Congresso Nacional tem condições de estabelecer um ordenamento jurídico-institucional que regule a expressão prática daquele serviço e, em última instância, seu desenvolvimento para o bem-estar dos cidadãos do nosso País.

É certo, ainda, que a identificação das situações caracterizadas como de competência comum revela, por exclusão, aquelas de competência exclusiva, inexistentes no caso dos Estados, portanto sempre associadas ao município, individualmente, em conformidade com o inciso V do art. 30 da Constituição Federal, uma vez que se configura exclusivamente o “interesse local”.

Essa linha de raciocínio leva à conclusão de que a Constituição não ampara qualquer possibilidade de os Estados serem os detentores de competência exclusiva em nenhuma situação. Assim sendo, há necessidade de se fazer menção explícita a essa hipótese.

Não havendo sido atribuída nenhuma competência exclusiva à União ou aos Estados, o referido artigo constitucional representa a evidência da competência municipal, em regime de exclusividade, sempre que se configurar exclusivamente o “interesse local”.

Fico, portanto, com a conclusão do estudo elaborado pelo Professor Antonio Carlos Parlatore, para a Prefeitura de Vitória, no sentido de que “é inquestionavelmente inconstitucional qualquer hipótese de conferir ao Estado competência exclusiva para prestar os serviços destinados ao atendimento de dois ou mais municípios, integrantes ou não de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas ou microrregiões”.

É um erro tratar os serviços de abastecimento de água e os de esgotamento sanitário como dois serviços distintos. Esgotamento sanitário representa apenas a seqüência natural do fluxo de água, nesse caso na condição de água servida. Portanto, estamos aqui falando de resíduos cujo afastamento torna-se necessário. Essa é uma lógica que se impõe por razões de segurança e conforto, com implicações diretas na saúde pública e na preservação do meio ambiente.

A lei ambiental, Sr. Presidente, impõe tratamento dos esgotos como condição para a existência de sua rede coletora. Não é admissível, embora nossa história esteja cheia de exemplos que contrariam esses princípios, prover água potável sem adequados sistemas de coleta, tratamento e disposição final das águas servidas resultantes.

Se esse preceito não vem norteando os serviços de água e esgoto nos centros urbanos, sobretudo nas periferias, é justamente pela ausência de regras que definam o marco regulatório e também a titularidade desses serviços.

Os últimos governos federais demoraram muito tempo para detectar esse problema, por descaso, por imobilismo ou por outros motivos. E, portanto, o atual Governo, que já está do meio para o final deste segundo mandato, e os próximos governos terão pela frente uma missão quase hercúlea no sentido de reparar tanta injustiça social numa área importante e decisiva, como é essa área de saneamento.

O Plano Nacional de Saneamento, o velho Planasa, do tempo do regime militar, criado pelo também extinto Banco Nacional da Habitação - BNH -, em 1971, foi a última iniciativa do Governo para executar um política nacional de saneamento. Desde a promulgação da Constituição de 1988, muito se tem falado sobre as necessidades do setor. Fala-se muito, mas age-se pouco. Ou seja, pouco ou quase nada tem sido feito num setor tão importante para a vida, para a qualidade de vida e para a saúde das pessoas.

A estadualização feita pelo Planasa da política de saneamento, a partir da criação de uma empresa de economia mista do setor em cada Unidade da Federação, resultou numa completa desconexão entre concessionária, usuário e poder concedente.

            Essas empresas, Sr. Presidente, não dominavam condições essenciais para uma boa gestão, como a formalização de contratos quanto a investimentos e padrões de serviço, a participação e fiscalização pelo poder concedente e a política tarifária, gerando as mais variadas formas de administração empresarial ineficiente, sob um comportamento político displicente, no mínimo displicente, dos governos estaduais.

Números do próprio Governo indicam que as perdas de faturamento das empresas estaduais do setor de saneamento chegam a 38,1%, ou seja, daquela água que é captada e tratada, na hora da distribuição, perde-se quase 40% da água. Em algumas das empresas, e, em dez empresas, pelo levantamento que me chegou às mãos, em dez companhias, esse índice de desperdício chega a 50%.

A questão do saneamento é mais um componente na crise social que vive o nosso País. O êxodo rural, que se intensificou a partir da década de 50, gerou aglomerações urbanas desestruturadas, nos centros e nas periferias das grandes e médias cidades.

São áreas que reclamam políticas públicas que garantam segurança, transporte, habitação, emprego e renda e que se somam à própria falta de saneamento acessível a todos, desenhando um cenário socioeconômico marcado pela injustiça social e agravando ainda mais a péssima distribuição de renda que temos no nosso País.

O Sr. Romero Jucá (PSDB - RR) - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador Paulo Hartung?

O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES) - Pois não, nobre Senador Romero Jucá.

O Sr. Romero Jucá (PSDB - RR) - Senador Paulo Hartung, serei breve. Gostaria apenas de registrar que comungo com as posições de V. Exª. Sem dúvida nenhuma, os municípios não podem perder seus direitos com relação à municipalização do saneamento. Aqui no Senado Federal estaremos vigilantes para que isso não ocorra. Existem projetos tramitando, projetos díspares, de posições diferentes. Existia já a intenção, creio que de alguns segmentos, de estadualizar o setor. Mas não vamos permitir que os municípios sejam vilipendiados em seu direito. Temos a certeza de que a municipalização de tais ações é o caminho correto para universalizar o atendimento e resgatar o déficit que V. Exª citou. Portanto, desejo empreender meu apoio às palavras de V. Exª e registrar que nesta Casa também estaremos vigilantes no sentido de não permitir que os municípios sejam prejudicados e que a Constituição brasileira seja modificada, como desejam fazer, com essa nova linha de estadualizar os serviços de saneamento. Meus parabéns pelo posicionamento.

O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES) - Senador Romero Jucá, agradeço e acolho o aparte de V. Exª. O envio do projeto ao Congresso Nacional deve ser saudado por todos nós. De certa forma, o Governo saiu do imobilismo, que era uma posição pior. Ou seja, em 1971 - e aqui está presente o Senador Gilberto Mestrinho que se lembra muito bem -, havia o Planasa. Após isso, mais nada. Na Constituinte de 1988, gerou-se uma expectativa muito grande. Muito se falou, pouco se fez. Então, é um mérito o envio do projeto.

Há uma outra providência da maior importância embutida no projeto, que é transformar as concessões em concessões não onerosas. Muda, de certa forma, a metodologia adotada para a concessão de serviço público em nosso País. O que vai pagar a concessão não é dinheiro - para que se faça aquilo que foi feito na empresa de Manaus - para pagar custeio, pessoal ou qualquer tipo de investimento. A empresa vai conseguir uma concessão de 15 ou 20 anos. Seja empresa pública, seja empresa privada, o tratamento é o mesmo - e assim deve ser. E ela vai pagar essa concessão com investimentos, metas físicas em direção à universalização e tarifa baixa.

Então, o projeto tem méritos. Mas contém um erro grave - e aí vou passar a palavra ao Senador Bernardo Cabral. O projeto tenta mudar a Constituição por lei, o que não é possível. Eu sou economista, não sou jurista, mas sei que é forçar a barra.

Eu queria agregar ao meu pronunciamento um aparte do Senador Bernardo Cabral.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL - AM) - Senador Paulo Hartung, eu vou dividir a minha intervenção em dois instantes. O primeiro, para dizer que V. Exª talvez não esteja percebendo a densidade de seu pronunciamento. V. Exª ataca, além do lado social, a profunda miséria que se instalou nas periferias das capitais com o êxodo do interior para elas - e ali a população vive, sem infra-estrutura, sem saneamento -, para chegar ao que V. Exª diz: o quê? Que a falta dessas circunstâncias implica em endemias, em epidemias, num raro descortino do homem público responsável, para ver a saúde da população. Esse é um aspecto que V. Exª abordou, sem nenhuma correção a ser feita. Ao contrário, os que estão lhe ouvindo já fazem, por aderência, o seu apoio à sua manifestação. O segundo ponto é que, lamentavelmente, o projeto padece de um vício de origem, que é esse que V. Exª já identificou. Não é possível, na hierarquia legal, colocar-se uma infraconstitucionalidade, seja lei ordinária ou lei complementar, insurgindo-se contra o Texto Constitucional. O mais grave é que o Governo, queira ou não queira, doa ou não doa o que vou dizer, já transformou a Constituição num canteiro de obras. Se é para fazer mais uma reforma constitucional, que se faça, mas que se faça direito. Pois isso vai bater na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e ali será julgada a sua inconstitucionalidade, apesar do mérito - e comungo com V. Exª -, que pelo menos saiu da letargia que vinha desde 1971. Quero dizer que V. Exª aborda um assunto que precisa ser refletido com a gravidade que ele encerra. Estamos atravessando no País um descaso muito grande com esse problema social, por falta exatamente de planejamento naquilo que deve ser feito a partir do que o povo tem - que V. Exª sabe: saúde pública e educação do pessoal que vem do interior para a capital. Por isso, Senador Paulo Hartung, o pronunciamento de V. Exª merece louvores. Quero a ele aderir, apresentando meus cumprimentos a V. Exª.

O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES) - Muito obrigado, Senador Bernardo Cabral. Gostaria de comentar o aparte de V. Exª nas duas vertentes. Quanto à primeira vertente, os números que a Organização Mundial de Saúde nos oferece são auto-explicativos. A cada US$1.00 que um governo investe em saneamento, economizará de US$3.00 a US$4.00 em remédio, unidades de saúde, hospitais, médicos, enfermeiras e assim por diante. A segunda vertente é sobre a questão constitucional, que me preocupa. Não adianta esta Casa aprovar o projeto e amanhã os Municípios de São Paulo, do Rio de Janeiro ou de Tocantins se sentirão agredidos por uma legislação infraconstitucional e vão recorrer ao Supremo Tribunal Federal. Continuaremos paralisando o setor de saneamento e continuaremos sem um marco constitucional que permita investimentos públicos e privados, que é o que precisamos romper.

Eu gostaria de oferecer, ao concluir meu pronunciamento, Sr. Presidente, alguns dados do Censo 2000, que revelam a gravidade da situação: 25% dos domicílios brasileiros não têm atendimento de rede de abastecimento de água tratada; 55% não têm acesso a esgoto sanitário. Quer dizer, 30 milhões de cidadãos nos centros urbanos não possuem esgoto.

Estou defendendo, Sr. Presidente, a necessidade de aprovar no Parlamento regras claras que criem um ambiente jurídico favorável à pluralidade institucional do setor.

Haverá empresas municipais, empresas metropolitanas, empresas de capital privado ou público, mas haverá regras sólidas e um marco regulatório firme.

No momento em que o Congresso Nacional se debruçar efetivamente sobre uma proposta concreta para instituir-se uma política nacional para o setor de saneamento, Sr. Presidente, é preciso ficar claro que os caminhos como os da privatização selvagem ou do alijamento dos municípios do processo de decisão não são, no mínimo - para ser generoso -, os mais recomendáveis. O exemplo que temos deram errado ou estão dando errado.

Estabelecendo regras nítidas e abrangentes, capazes de criar um ambiente favorável ao aporte de capital público ou privado, de estabelecer condições claras para a universalização dos serviços e para a confirmação da concessão não onerosa - um dos pontos prioritários desse projeto -, estará o Congresso, seguramente, dando valiosa contribuição para a definição e construção de uma política que atenda, em igualdade de condições, o conjunto da população.

A propósito, apresentei um projeto hoje que trata do corte de água - que é um outro aspecto. Trata-se de uma discussão importante de que esta Casa terá de participar. Uma concessionária, seja ela pública ou privada, pode ou não cortar o fornecimento de água de um usuário que ficou 3 ou 4 meses sem pagar pelo serviço. Estou trazendo essa discussão ao Congresso, justamente porque penso que não pode cortar o abastecimento, mas sim reduzi-lo a um mínimo necessário para a sobrevivência humana. Mas essa é uma outra discussão agregada nesse tema.

Para terminar, Sr. Presidente, o passo fundamental para a melhoria desses serviços possivelmente foi dado pelo Governo - um pouco tarde, é verdade - ao enviar a lei para o Congresso Nacional.

O nosso Partido, o PPS, tomou a decisão de ir ao Palácio do Planalto, recentemente, propor a retirada da urgência constitucional. Esse gesto foi um pouco mal interpretado. Quero dizer que o nosso objetivo é que a matéria seja bem discutida, aprofundada, sem açodamento, mas a queremos votada no correr deste ano de 2001 e isso tem que ficar muito claro.

Aprovar a matéria de maneira consciente representa o início de um processo de melhoria da qualidade de vida dos brasileiros que têm direito a água tratada e têm direito ao esgoto sanitário. Não é favor! Representa para cada um de nós a oportunidade de garantir em lei, indiscriminadamente, o acesso a um serviço essencial à saúde e à dignidade dos mais 160 milhões dos cidadãos do nosso País.

Muito obrigado, Sr. Presidente. Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/03/2001 - Página 4084