Discurso durante a 24ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

POSICIONAMENTO FAVORAVEL A CONTINUIDADE DA FABRICAÇÃO, PELO BRASIL, DE MEDICAMENTOS CONTRA A AIDS PATENTEADOS POR EMPRESAS ESTRANGEIRAS.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • POSICIONAMENTO FAVORAVEL A CONTINUIDADE DA FABRICAÇÃO, PELO BRASIL, DE MEDICAMENTOS CONTRA A AIDS PATENTEADOS POR EMPRESAS ESTRANGEIRAS.
Publicação
Publicação no DSF de 30/03/2001 - Página 4473
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, PROGRAMA, BRASIL, COMBATE, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), REDUÇÃO, PROPAGAÇÃO, DOENÇA.
  • DEFESA, CONTINUAÇÃO, BRASIL, FABRICAÇÃO, MEDICAMENTOS, COMBATE, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), CUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, AMBITO NACIONAL, NORMAS, AMBITO INTERNACIONAL.
  • COMENTARIO, CRIME, POSSIBILIDADE, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), IMPEDIMENTO, BRASIL, CONTINUAÇÃO, PROGRAMA, COMBATE, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), CONDENAÇÃO, MORTE, PORTADOR, DOENÇA.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há cerca de um mês o governo dos EUA pediu oficialmente à Organização Mundial do Comércio a criação de uma comissão de arbitragem para decidir, em relação a dois dos doze medicamentos que compõem o conhecido coquetel de remédios contra a Aids, se a legislação brasileira é legal à luz das normas internacionais, isto é, se o Brasil pode ou não fabricar os remédios Nelfinavir e Efavirenz patenteados por empresas estrangeiras aqui não sediadas.

Ressalte-se de logo que o programa brasileiro de combate à Aids é considerado pelos meios científicos internacionais como o melhor até hoje posto em prática, e recomendado como modelo a todos os países do Terceiro Mundo. Enquanto infelizmente cresce assustadoramente, em alguns países, o avanço da doença, no Brasil temos a ventura de constatar o contrário: as mortes provocadas pelo terrível vírus, em 1996, foram estimadas em 9.310 pessoas infectadas. No ano 2000, caíram para 1.200.1

Pesquisa do Banco Mundial, em 1994, indicava que o Brasil chegaria ao ano 2000 com 1 milhão e duzentas mil pessoas portadoras do HIV. No entanto, existem hoje 530 mil soropositivos. Esse sucesso se deve à decisão governamental de amparar as pessoas infectadas pelo vírus HIV, que recebem gratuitamente o coquetel de remédios. Nos dias atuais, cerca de 100 mil pessoas tomam diariamente o coquetel, ao custo de 330 milhões de dólares por ano despendidos pelo governo federal.

Se fossem comprados os remédios no mercado externo, seu custo subiria para 1,5 bilhão de dólares por ano. Somente os preços cobrados pelos dois citados remédios importados, Nelfinavir e Efavirenz, correspondem a 36% do orçamento anual no combate à Aids.

Motivo suficiente, como se vê, para que o Brasil queira produzi-los.

É bom que se diga que a legislação brasileira autoriza a produção local de qualquer remédio nos casos de utilidade pública ou quando o laboratório detentor da patente não produz o remédio no Brasil e cobra preços extorsivos para fornecê-lo.

A legislação internacional, a seu turno, permite ao país fazer um “licenciamento compulsório” desses dois remédios, pagando os laboratórios pelo uso temporário da fórmula a preços que o país considera justos.

Parece claro, portanto, que o Brasil, fabricando os dois referidos medicamentos sob um “licenciamento compulsório”, está cumprindo estritamente a sua própria legislação e as regras internacionais. Não haveria nenhuma razão para preocupação se não fora o caso ser entregue à Organização Mundial do Comércio, o mesmo organismo que, recentemente, condenou a Embraer para favorecer as exportações dos aviões canadenses Bombardier.

Ora, todos sabemos - e a OMC finge que não sabe - que a Bombardier é amplamente subsidiada pelo governo do Canadá. Não só subsidiada como escandalosamente favorecida pela suspeita política daquele país, como ocorreu no escandaloso episódio da vaca louca. A própria opinião pública canadense mostrou-se preocupada com os acontecimentos que envolveram a leviana acusação da existência da doença vaca louca no Brasil, obrigando o governo daquele país a, mais cedo do que se esperava, recuar da sua denúncia, que graves prejuízos causaram à economia brasileira. E mais: os canadenses começaram a suspeitar das relações que vinculam as lideranças dominantes naquele país com a empresa Bombardier.

Acrescente-se que, nas últimas semanas, vários artigos têm acusado a OMC de estar a serviço dos países ricos em desfavor das nações em desenvolvimento. Põe-se na vanguarda das reivindicações que habitualmente prejudicam os países que lutam por crescimento, suspeita que se agravou com o episódio da Bombardier contra os subsídios às exportações de aviões da Embraer.

Mais uma vez, pois, o Brasil poderá ser julgado pela OMC...

Antes do programa brasileiro, o tratamento com o coquetel custava cerca de US$15 mil por ano, só possível para os ricos. Hoje, o custo é de US$3.000 e se vão criando condições de ser reduzido, a curto prazo, para até US$600.

Uma vitória dos EUA nessa matéria na Organização Mundial do Comércio tornaria inviável o programa brasileiro de combate à Aids. Por outro lado, não se poderia, no Brasil ou em outros laboratórios estrangeiros, sequer aprimorar o coquetel, na busca de maior eficácia no combate ao vírus HIV, e até mesmo à cura dos portadores dessa terrível doença.

Ainda não me referi ao aspecto humanitário do problema que não parece sensibilizar laboratórios nesses tempos de globalização. Seria um ato criminoso impedir-se, por problemas de patente ou de maiores lucros, a continuidade do programa brasileiro de combate à Aids, considerado o melhor do mundo. É o mesmo que condenar à morte milhares de portadores de HIV, aqui ou alhures, que podem sobreviver com o coquetel brasileiro. Por razões humanitárias, se já não bastassem as da própria legislação, a OMC não pode prejudicar o programa brasileiro.

Acreditamos que, desta feita, os acontecimentos têm teor diferente ao do episódio dos aviões da Embraer. A opinião pública internacional está a favor do Brasil no que concerne ao nosso programa de combate à Aids.

Há cerca de duas semanas, o laboratório Merck, pressionado pela opinião pública - perplexa com a epidemia da doença na África -, cortou pela metade o preço de dois medicamentos anti-Aids, passando a vendê-los abaixo do custo de fabricação. E a 14 deste mês, seguiu-lhe o exemplo a norte-americana Bristol-Myers Squibb, anunciando a redução de preços para os medicamentos Videx e Zerit, igualmente de combate à Aids. Não obstante, essas duas empresas, juntamente com outros 37 representantes de multinacionais, mantêm litígio judicial para impedir que a África do Sul, cumprindo lei local de 1997, produza remédios genéricos.

Sr. Presidente, dos 36 milhões de infectados pelo HIV no mundo, 25 milhões sediam-se na África. Desses, cerca de 1 milhão e duzentas mil são crianças menores de 15 anos de idade.

A situação, pois, é trágica, calamitosa.

Esperamos que a pressão da opinião pública internacional seja um fator muito importante para permitir que o Brasil possa fabricar os medicamentos que tanto conforto têm trazido aos portadores do HIV. Frente a tal pressão, os laboratórios multinacionais receiam assumir a pecha de mercantilistas desumanos e, assim, comprometerem o prestígio das suas patentes na comercialização de outros medicamentos.

Oxalá tal perspectiva se efetive.

Era o que eu tinha a dizer.

Obrigado.

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Dados do Ministério da Saúde informados em artigo de Benjamin Steinbruch, FSP, 6.03.01, pág. B2


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/03/2001 - Página 4473