Discurso durante a 26ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

REPUDIO A DECLARAÇÃO DO PRESIDENTE GEORGE W. BUSH, DOS ESTADOS UNIDOS DA AMERICA, DE NÃO APOIAR O PROTOCOLO DE KYOTO.

Autor
Osmar Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Osmar Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • REPUDIO A DECLARAÇÃO DO PRESIDENTE GEORGE W. BUSH, DOS ESTADOS UNIDOS DA AMERICA, DE NÃO APOIAR O PROTOCOLO DE KYOTO.
Publicação
Publicação no DSF de 03/04/2001 - Página 4873
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, GEORGE BUSH, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ACORDO, CONFERENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (ECO-92), MOTIVO, PRESERVAÇÃO, INDUSTRIA, ENERGIA.
  • ANALISE, GAS CARBONICO, POLUIÇÃO, AUMENTO, TEMPERATURA, PREJUIZO, CAMADA DE OZONIO, NECESSIDADE, INTERVENÇÃO, POLITICA INTERNACIONAL, OBJETIVO, PROJETO, DEFESA, BIODIVERSIDADE.

O SR. OSMAR DIAS (Bloco/PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o jornal O Estado de S.Paulo de hoje traz uma notícia que considero da maior gravidade. Trata-se da decisão adotada pelo Presidente dos Estados Unidos, George Bush, de não apoiar o Protocolo de Kyoto. Isso é fruto da arrogância do presidente americano, é fruto da arrogância das autoridades americanas, que pensam poder decidir pelo mundo. E esse é um assunto que interessa ao mundo.

Todos se lembram da Eco-92, quando foi estabelecido um acordo, formalizado no Protocolo de Kyoto, no Japão, em 1998. Pois o amplo debate travado no Rio de Janeiro em torno de mecanismos, medidas e providências que os países deveriam adotar para a preservação dos recursos naturais no mundo resultou em diversas medidas adotadas por países que participaram daquela Convenção. Uma delas, por exemplo, é a elaboração de uma legislação que trata de regular o acesso aos recursos genéticos de cada país. Nós, no Brasil, bem que tentamos aprovar essa legislação. A Senadora Marina Silva apresentou o projeto, fui o Relator e apresentei um Substitutivo, que foi aprovado no Senado. Esse Substitutivo, de minha autoria, está até hoje aguardando a aprovação da Câmara dos Deputados.

Seria muito importante que o Governo brasileiro tivesse uma atitude que demonstrasse a sua disposição em ver na prática aquilo que foi acertado na Convenção de 1992, porque, hoje, o Ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, divulga nota oficial rechaçando posições unilaterais em torno desta questão que envolve o presidente americano, que disse que não vai adotar o Protocolo de Kyoto. Ele disse que não vai adotar porque a regulamentação dos limites para a emissão de gases, conforme estabelece o Protocolo de Kyoto, poderia trazer conseqüências danosas à economia americana, já que o custo da energia, principalmente no oeste americano, é crescente e tem influenciado diretamente o custo de produção de lá.

O Ministro Sardenberg foi feliz quando afirmou que o problema da mudança climática é global e só pode ser tratado em um sistema global. Só esta frase, Sr. Presidente, já revela o quanto está sendo arrogante o presidente americano ao dizer ao mundo que não vai aceitar, simplesmente, o Protocolo. E o que dizia o Protocolo? O Protocolo de Kyoto estabelecia uma meta de redução dos gases tóxicos - o gás metano, o dióxido de carbono e outros gases que hoje ameaçam a camada de ozônio, como o óxido nitroso, etc. -, uma redução de 5% na emissão de gases por parte de cada um dos 55 países, os países mais poluidores da atmosfera, os que ameaçam mais a camada de ozônio. E esses países assinaram, portanto, o Protocolo, que estabeleceriam medidas, programas, até com incentivo dos próprios governos, para que as indústrias pudessem, dentro de um prazo estabelecido entre 2008 e 2012, reduzir a emissão de gases tóxicos em 5% em relação àquilo que foi emitido em 1990.

A meta parecia até pouco ousada, porque, se há um risco enorme de termos conseqüências desastrosas em relação a este assunto - ou seja, com a destruição da camada de ozônio, poderemos ter conseqüências danosas à vida na Terra -, estabelecer uma meta de só 5% de redução, pareceu-me naquele momento pouca ousadia e até complacência demais com a situação dramática que já começamos a viver.

Sr. Presidente, os cientistas dizem o seguinte: A continuar com essa emissão de gases que temos hoje, em 2100, a temperatura da Terra poderá estar cerca de 3,5 graus centígrados acima daquela que é nossa temperatura média hoje.

É muito significativo, Sr. Presidente. Em função disso, também se prevê que os oceanos poderão aumentar seu nível de 15 a 90 cm. Com isso, teremos algumas conseqüências previsíveis, como a inundação de cidades litorâneas e a inviabilização de algumas culturas, o que comprometerá a produção de alimentos no mundo. Além disso, em função da alteração climática, poderá haver a epidemia de algumas doenças. São problemas que colocarão em risco a própria vida na Terra.

É evidente que alguém poderá pensar que essas alterações estão muito longe de acontecer. O pai de V. Exª, com certeza, nasceu no começo do século, assim como o meu. Eles presenciaram o desenrolar de todo um século e continuam conosco em um novo século. Quando estavam no início do século pensavam que, possivelmente, nem estariam vivos quando chegasse o ano 2000, o que, naquela oportunidade, era muito distante. Estamos falando em 2100, que chegará daqui a pouco. Cem anos nada significam para a humanidade. Estamos falando de um aumento de temperatura que, na média, poderá ser de 3,5°C; e de um aumento do nível do mar que pode variar entre 15 a 90 cm. Se não tomarmos providências mais drásticas, colocaremos a humanidade em grande risco. Mas o Presidente dos Estados Unidos se acha no direito de decidir pelo mundo. E os 55 países são responsáveis exatamente pela emissão de 55% dos gases tóxicos que ameaçam a camada de ozônio. Então, esses países têm a obrigação de dar o exemplo.

Sr. Presidente, sabe qual é o país que mais gases emite para a atmosfera? Exatamente os Estados Unidos. Mas o presidente americano ignora que os Estados Unidos têm o maior efeito poluidor da atmosfera do mundo. E eles poderiam agora dar um grande exemplo, dizendo: “Precisamos continuar produzindo em nossas indústrias, porque a nossa economia depende disso; mas não temos o direito de colocar em risco a própria humanidade, não temos o direito de desestimular a aplicação do Protocolo de Kyoto”. Aliás, sem dúvida nenhuma, o referido Protocolo é o salvo-conduto das futuras gerações, que poderão sofrer demais pela inconseqüência e arrogância do presidente americano.

Se faço esse pronunciamento na tarde de hoje, Sr. Presidente, é para dizer que o Brasil sempre é atacado com relação à preservação da Amazônia, por exemplo. E os americanos gostam de dar palpite, gostam de fazer aqui um carnaval, um palanque, um teatro, uma encenação sobre o que deve ou não ser feito com a nossa Amazônia, que segundo os americanos deveria ser considerada patrimônio da humanidade. De fato, é patrimônio da humanidade; mas, se o é e se temos a obrigação de preservá-lo, é evidente que também temos o direito de cobrar da mesma forma dos Estados Unidos, que praticamente já destruíram sua vegetação e agora têm que contar, sim, com a preservação da Amazônia para que continuem respirando.

É muito bonito o discurso que afirma que a Amazônia é o pulmão do mundo. Isso é verdade, mas é o pulmão do mundo porque o Brasil teve a consciência, a sabedoria de conservar aquela que é a fonte da maior riqueza em biodiversidade do mundo. A nossa Mata Atlântica também está preservada, mas quase sempre vejo americanos dando palpite sobre como preservá-la.

Outro dia, veio um francês metido à besta ao Rio Grande do Sul e liderou a destruição de lavouras transgênicas. O Brasil é obrigado a assistir a esse espetáculo de falsidade, de hipocrisia daqueles que não souberam preservar seus recursos naturais, que destruíram praticamente sua vegetação - e aqui incluo a França. O País presidido pelo Sr. George W. Bush - outro exemplo nesse sentido - não tem mais como considerar suas reservas florestais suficientes para a produção do oxigênio necessário para abastecer a sua população. E temos que continuar preservando a nossa Amazônia, a nossa Mata Atlântica e aceitando, muitas vezes, a interferência indesejável de pessoas que se acham nesse direito.

Como eu dizia, Srs. Senadores, veio um francês queimar lavouras transgênicas e saiu do Brasil como se fosse herói. Muitos brasileiros defenderam esse cidadão. O Secretário da Agricultura do Rio Grande do Sul, por exemplo, patrocinado pelo Governo, foi à França para servir de testemunha de defesa no processo movido na Justiça francesa contra José Bové. O francês iria para a cadeia não fosse esse testemunho do Secretário, que considerou heróico o ato praticado por ele aqui no Brasil. Na verdade, foi uma grande interferência na nossa soberania. Sempre defendo que nós, os brasileiros, é que devemos decidir qual a melhor opção para nós, brasileiros. A decisão sobre os transgênicos - tema muito relacionado à questão do meio ambiente, que abordo desta tribuna - deve ser nossa. Nós é que devemos decidir se adotaremos ou não, com cautela, uma política de liberação dos transgênicos, para permitir ou proibir opções aos produtores e aos consumidores. O debate deve ser travado, mas somos nós, os brasileiros, que devemos decidir, sem a interferência inoportuna, indesejável de quem quer que seja, como aconteceu com aquele francês coroado herói lá no Rio Grande do Sul.

Sr. Presidente, vejo aqui o Senador Iris Rezende, que falará hoje sobre um assunto de extrema importância. Realmente, um dos assuntos mais importantes do momento é a necessidade de o Governo assumir a bandeira da pecuária brasileira nesta hora de crise mundial. E temos que apoiar o Governo, pois, apesar de tantos discursos protestando contra a sua falta de atitude, no caso do Canadá ele se comportou bem. Eu e o Senador Iris Rezende participamos daquela comissão para debater com o Canadá aquela briga que na verdade era mais política do que comercial. Vamos compor outra comissão para darmos continuidade a esse debate.

Sabemos que o Governo tem providências a adotar para colocar o Brasil numa situação privilegiada no mercado internacional. Queremos apresentar sugestões, opinar sobre o assunto e apoiar o Governo neste caso em que o Ministro da Ciência e Tecnologia protesta contra o governo americano. O governo americano não tem o direito de decidir pelo mundo, não tem o direito de quebrar um protocolo assinado pelo Presidente Bill Clinton em 1998, em Kyoto. Os Estados Unidos não têm o direito de dizer para o mundo que continuarão poluindo, que continuarão agredindo a camada de ozônio e continuarão colocando em risco a humanidade daqui a 50 ou 100 anos. Eles se interessam agora pelo lucro das empresas, mas dizem que não podem aumentar o custo da produção porque têm problemas com o custo da energia. Ora, em vez disso, o Presidente americano deveria dar exemplo aos países menos poderosos, aos países que atravessam problemas com a sua dívida interna e com sua dívida externa. Neste momento, George W. Bush deveria colocar os organismos financeiros do próprio país para financiar a preservação de recursos naturais em países como o Brasil, que dão exemplo de como defender seus recursos naturais, principalmente a nossa Amazônia e a Mata Atlântica.

Há problemas? É evidente que há. Mas o Governo americano tem que se espelhar no exemplo brasileiro, até porque, sendo os americanos a dominar hoje a economia mundial e considerando que um dia não tiveram o menor constrangimento em destruir seus recursos naturais, eles devem satisfação à humanidade por causa dessa destruição e devem investir nesses países com recursos naturais e biodiversidade remanescentes, para que estes sejam mantidos.

Não é justo, é desumano até que o Presidente americano tenha adotado essa postura de péssimo exemplo, porque os outros países sentir-se-ão estimulados a descumprir o Protocolo de Kyoto. Se os Estados Unidos têm problemas com energia, nós também os temos; todos os países do mundo enfrentam dificuldades com o custo crescente desse insumo necessário e indispensável para a atividade industrial. Se eles enfrentam problemas com os custos de produção, nós também os enfrentamos. E não podemos exigir que os outros países cumpram o Protocolo de Kyoto e passem a ter desigualdade em relação aos americanos na competição no mercado internacional. Os Estados Unidos têm o maior poder econômico, o maior mercado de exportação, são o país líder nas exportações, principalmente no que se refere a produtos industrializados; se eles se negam a cumprir as regras estabelecidas no Protocolo de Kyoto, como exigiremos que outros países passem a cumpri-lo?

Estamos tratando não simplesmente de um assunto político, de interesse de um ou outro país, mas de interesse da humanidade. Este Congresso tem a obrigação de apoiar o Governo brasileiro, por intermédio de suas comissões técnicas. Eu o farei por meio da Comissão de Assuntos Sociais, que cuida do meio ambiente. Também poderemos, pela Comissão de Relações Exteriores, adotar alguma medida ou algum projeto de resolução, enfim, algum mecanismo que possa apoiar o Governo Federal, que, neste caso, está procedendo da forma mais acertada.

Temos uma negociação dura pela frente, em que o Presidente Fernando Henrique Cardoso propõe que a Alca seja adiada para 2005 - e há uma pretensão do Governo americano para antecipar a Alca para 2003. Alguém já disse desta tribuna que a Alca não se justifica sem a presença do Brasil. Ora, se temos essa importância, esse valor, se somos indispensáveis para a composição da Alca, por que então o Congresso e o Governo brasileiros não exigem do Governo americano que reveja a sua posição em relação ao Protocolo de Kyoto? Vamos colocar isso como moeda de troca. O Brasil só conversa sobre a Alca se o Governo americano aceitar cumprir o Protocolo de Kyoto.

Dessa forma, Sr. Presidente, vamos impor a nossa liderança para o bem do Brasil e do mundo, porque essa é uma questão que interessa a todas as pessoas do Planeta. Não podemos arriscar a vida no mundo porque o Presidente dos Estados Unidos não pretende colocar em risco as suas indústrias. É uma troca injusta e desumana que vamos combater!

Sr. Presidente, solicito à Mesa que encaminhe cópia deste meu discurso ao Ministro da Ciência e Tecnologia, que agiu com extremo patriotismo, e principalmente ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, a fim de que Sua Excelência saiba que, nessas horas, o Congresso brasileiro sempre estará ao lado do Governo brasileiro para defender a nossa soberania, os nossos direitos e os direitos da humanidade.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/04/2001 - Página 4873