Discurso durante a 27ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

APRECIAÇÕES AO SENADO FEDERAL DO PROJETO DE TRANSPOSIÇÃO DE AGUAS DO SÃO FRANCISCO.

Autor
Paulo Souto (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Paulo Ganem Souto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • APRECIAÇÕES AO SENADO FEDERAL DO PROJETO DE TRANSPOSIÇÃO DE AGUAS DO SÃO FRANCISCO.
Aparteantes
Geraldo Melo, Ney Suassuna, Tasso Rosado, Waldeck Ornelas.
Publicação
Publicação no DSF de 05/04/2001 - Página 5382
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • OPINIÃO, ORADOR, NECESSIDADE, RATIFICAÇÃO, SENADO, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, BACIA HIDROGRAFICA, GARANTIA, INTERESSE PUBLICO, ESTADOS.
  • OPOSIÇÃO, PROJETO, MINISTERIO, INTEGRAÇÃO, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, QUESTIONAMENTO, AUSENCIA, CAPTAÇÃO DE RECURSOS, BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO (BID), BANCO MUNDIAL.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, FALTA, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, CONTINUAÇÃO, PROJETO, RECURSOS HIDRICOS, ATRASO, OBRA PUBLICA, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO CEARA (CE), ESTADO DA BAHIA (BA), IRRIGAÇÃO, MARGEM, RIO SÃO FRANCISCO.
  • APREENSÃO, FALTA, VIABILIDADE, ESTUDO ECONOMICO, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, PRIORIDADE, IRRIGAÇÃO, INFERIORIDADE, ABASTECIMENTO DE AGUA, POPULAÇÃO, DEFESA, REVISÃO.

            O SR. PAULO SOUTO (PFL - BA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, algum tempo atrás, quando se discutia a Lei da Agência Nacional de Águas, tentei, por meio de uma emenda ao projeto, que coubesse ao Senado Federal ratificar o instituto da outorga de água quando ela se referisse a transposição de águas de uma bacia hidrográfica para outra.

Como se trata de uma questão que envolvia interesses federativos, eu considerava que projetos com essa importância fossem discutidos pelo Senado Federal. Não apenas por isso, mas também porque os projetos de transposição, que envolvem naturalmente interesses de vários Estados, dizem respeito essencialmente a um bem natural que, se perdido ao longo do tempo, é absolutamente irrecuperável. As populações que, de alguma forma, perdem água dentro de uma bacia, não têm praticamente nenhuma possibilidade de recuperarem essa perda. Por isso, em qualquer país do mundo, projetos como esse são longamente discutidos, à exceção do que aconteceu na Espanha na época da ditadura de Franco. Nos Estados Unidos, por exemplo, projetos como esse, depois de apresentados, foram discutidos durante muito tempo, e só foram realizadas depois de entendimentos entre os Estados interessados.

Voltarei hoje a esse assunto, não mais com esse enfoque e quero, desde já, deixar assentado um pré-requisito básico para essa discussão: não há nenhum tipo de oposição preconceituosa e preconcebida do meu Estado e minha, particularmente, com relação à idéia, com relação à concepção, de que poderia haver, sob determinadas condições, e preferencialmente no âmbito de um amplo projeto sobre recursos hídricos, uma transposição de águas do rio São Francisco, para atender às populações do Nordeste brasileiro. Nós não somos particularmente contra a idéia, mas, depois que conheci razoavelmente o Projeto, posso dizer de forma muito clara que, sou absolutamente contra esse Projeto que aí está. E há, também, um outro pré-requisito que quero deixar claro: de que não existe, absolutamente, nenhum tipo de posição partidária nesse sentido, porque ela seria inconcebível, e também porque, devo reconhecer, o Ministro da Integração Nacional, o nosso colega, Senador Fernando Bezerra, tem à frente do seu Ministério tomado iniciativas extremamente louváveis.

O SR. TASSO ROSADO (PMDB - RN) - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador?

O SR. PAULO SOUTO (PFL - BA) - Concederei o aparte a V. Exª tão logo conclua o meu raciocínio.

Depois que conheci o Projeto, por mais que tenha tentado, não consigo decifrar o seguinte enigma: por que o Governo Federal não apresenta às agências internacionais o projeto de financiamento da transposição das águas do São Francisco para o Nordeste setentrional?

O Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento têm sido, ao longo dos últimos anos, parceiros firmes do Brasil em programas de recursos hídricos, sobretudo para o Nordeste. De tal forma que nada seria mais natural do que a sua participação, no que seria o objetivo prioritário do Ministério da Integração Nacional. Por que o Governo Federal, que pede dinheiro para tantas coisas, não pediria para o seu principal projeto para o Nordeste?

Sabe-se que os recursos orçamentários do Governo Federal não têm sido suficientes sequer para a contrapartida de programas já financiados. Veja-se, por exemplo, o caso do Proágua*, que é um projeto muito interessante, que se destina a aproveitar reservas de água e mananciais já existentes, e não estão sendo aproveitados, para fazer, por exemplo, a adução e permitir que essa água que já está acumulada em grande parte dos Estados brasileiros, chegue até as nossas populações. E o que tem acontecido com o Proágua? Os cronogramas estão atrasados porque faltam recursos do Governo Federal para as contrapartidas que possibilitem aproveitar esta água e fazer com que ela chegue até as populações, que é o que todos nós seguramente desejamos.

Exemplos marcantes encontram-se em Estados receptores e fora do Proágua que estão com cronogramas atrasados, como, por exemplo, a Barragem do Castanhão, sob a responsabilidade do DNOCS. Apesar do grande empenho do governo cearense, as obras, que foram iniciadas há mais de cinco anos, estão atrasadas. Também no Ceará projetos de irrigação de grande importância como o Tabuleiro de Russas* e o Baixo Acaraú* encontram-se inacabados, após dez anos de investimentos. Na Bahia, os projetos do Vale do Salitre* e Baixo Irecê* também não têm a velocidade que nós desejávamos e que seria importante para que fossem rapidamente concluídos.

De onde sairiam, então, os recursos próprios tão expressivos para um projeto que se diz inicialmente orçado em três bilhões, mas que não terá qualquer efeito positivo se forem gastos apenas três bilhões - que significa apenas a parte principal da obra do projeto?

Apesar disso, não se cogita, por algum motivo que não entendo qual, chegar até os organismos internacionais, que têm tanta boa vontade com relação ao programa de recursos hídricos do Brasil, para tomar esses recursos. Afinal de contas, Srs. Senadores, se a todo momento, aqui, aprovamos projetos de financiamento para tantos programas importantes, por que não chega ao Senado um pedido de financiamento para que este projeto seja efetivamente feito mais rapidamente, de acordo o que desejam aqueles que o defendem.

A partir, portanto, dessa constatação, passei a examinar a última versão do projeto, procurando dados que não fossem aqueles relacionados às óbvias objeções de natureza ecológica sobre as intervenções de um rio, que, independentemente da transposição - isto é verdade: o rio São Francisco não vai ficar degradado pelo projeto da transposição, ele já está degradado hoje - não se pode atribuir à futura transposição os problemas ambientais do rio. Mas, na verdade, hoje ele já apresenta um estado aterrador de degradação ambiental, que poderá ser agravado.

Não vou discutir aqui o problema ambiental. A primeira e surpreendente constatação é que cerca de 70% e 75% da água transposta destina-se à irrigação e apenas 20% ao consumo humano. Essa é uma primeira constatação do projeto que acredito ser extremamente importante e sobre a qual devemos meditar. Não se trata de um projeto destinado prioritariamente a resolver, como se propalou, a questão da sede dos nordestinos de alguns Estados, mas sim um megaprojeto que pretende irrigar - esses números não são bem conhecidos - entre 200 e 300 mil hectares.

Para se ter uma idéia do significado desse número, a Codevasf e as suas predecessoras, em 50 anos de existência, implantaram apenas 90 mil hectares irrigados no Nordeste, de iniciativa da Codevasf na própria bacia do São Francisco. Assim, pretende-se irrigar, em pouco anos, fora da bacia do São Francisco, duas ou três vezes mais área do que a Codevasf e suas antecessoras irrigaram na mesma bacia em 51 anos.

A pergunta que faço é esta: isso parece razoável? Ora, na medida em que se trata essencialmente de um projeto voltado para a atividade produtiva, é preciso evidentemente que tenha lógica econômica e financeira. Vai-se retirar água de uma região que não tem excesso de água, porque sabemos que não temos na região do São Francisco - Minas Gerais, Bahia, Sergipe e Alagoas - excesso de água, cuja potencialidade de irrigação nas margens da bacia alcança um milhão de hectares, onde muitos projetos estão interrompidos ou sequer foram iniciados. Mesmo para esses projetos - e quero me referir aos projetos das margens do rio São Francisco -, o Governo Federal vem há sete anos estudando o que denominou o “novo modelo de irrigação”, buscando reduzir o aporte de recursos públicos.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Permite-me V. Exª um aparte, posteriormente?

            O SR. PAULO SOUTO (PFL - BA) - Pois não, gostaria apenas de concluir a primeira parte e, em seguida, concederei os apartes.

A pergunta inevitável é se a irrigação dependente de adução de água nas condições previstas para a transposição poderia ganhar competitividade, principalmente quando se deseja uma participação expressiva do setor privado? Que condições são essas da água que vai ser transportada para irrigar a partir do transporte da água do rio São Francisco: o bombeamento para vencer desníveis de até 300 metros; distâncias totais a serem transpostas pela água até dois mil quilômetros, incluindo canais, túneis, aquedutos e condutos forçados; perdas por evaporação e infiltração que podem chegar a 25%; necessidade de 360 megawatts, somando-se à energia que vai deixar de ser gerada e a que será consumida pelo bombeamento; grande complexidade no gerenciamento de um projeto de tal natureza, que necessariamente deveria ser operado pelos usuários.

Uma questão fundamental, considerando que se trata de um projeto voltado essencialmente para a irrigação - em condições, à primeira vista, muito complexas -, é se saber quem serão os seus clientes. Quem são os clientes dessa água, para irrigar 200 ou 300 mil hectares no Nordeste, no futuro, pois, afinal de contas, eles vão consumir mais de 70% da água. Um investimento com essas características precisa antecipadamente conhecer o seu mercado.

O Sr. Tasso Rosado (PMDB - RN) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. PAULO SOUTO (PFL - BA) - Ouço V. Exª.

O Sr. Tasso Rosado (PMDB - RN) - Agradeço-lhe a boa vontade. Como representante do Rio Grande do Norte e, talvez, como um dos Estados mais beneficiados com a transposição do São Francisco, eu gostaria também de fazer alguns adendos ao pronunciamento de V. Exª. Acredito que o São Francisco hoje, como V. Exª mesmo disse, já padece da sua potencialidade em função do assoreamento. Acredito que uma das maneiras de conseguirmos revitalizar a importância econômica do rio São Francisco seria fazer com que ele se tornasse mais abrangente e atuasse em todo o Nordeste. Realmente, o projeto inicial já sofreu as suas transformações. Hoje, a transposição não teria somente a finalidade de fazer irrigação, mas de abastecer os reservatórios já existentes. No Rio Grande do Norte, por exemplo, temos Armando Ribeiro Gonçalves; temos a barragem de Santa Cruz e, impedidos de estiagem e de seca, seriam reabastecidos por intermédio do São Francisco. No Ceará, temos também o Castanhão. Sabemos também perfeitamente que a transposição do São Francisco seria uma primeira etapa. A segunda seria a transposição do Tocantins. Portanto, como nordestino que sou, como nordestino que V. Exª é, em vez de combatermos esse projeto, poderíamos buscar soluções para superar as dificuldades técnicas e de financiamento, para que realmente pudéssemos integrar toda a região nordestina, transformando-a em uma única região. O Nordeste hoje também já sofre de discriminação. Existem regiões no Nordeste mais desenvolvidas que outras, e o Estado de V. Exª é um exemplo disso. A Bahia sobressaiu-se mais que os outros Estados; não que tenha um potencial econômico maior, mas talvez porque, lá, tenha havido políticos mais atuantes. Porém, o meu Estado, o Rio Grande do Norte, também tem condições econômicas, apenas precisa receber a devida atenção do Governo Federal e a compreensão de outros nordestinos, como V. Exª, para que juntemos as nossas forças e possamos transformar realmente a nossa região. Muito obrigado.

O SR. PAULO SOUTO (PFL - BA) - Agradeço a V. Exª esse aparte. É justamente com esse objetivo que V. Exª acaba de expor que estou ocupando a tribuna.

Eu disse muito claramente, no início do projeto, que, hoje, não tenho restrições preliminares à idéia e ao conceito. É penoso, vamos privar algumas populações, mas creio que esse é um sacrifício, que, eventualmente, poderia ser feito dentro de certas condições.

Não tenho, portanto, restrições quanto à idéia, quanto à concepção, mas estou convencido de que esse projeto não é a melhor forma de pôr em prática essa idéia. Por isso mesmo, estou de acordo com V. Exª, quando diz que o nosso objetivo é tentar melhorá-lo, é tentar fazer com que esse seja um bom projeto para o Brasil.

Nesse momento, não quero colocar-me na posição que têm sido colocados representantes de Sergipe, de Alagoas ou da Bahia, como se fôssemos preliminarmente contra o projeto. O que queremos ter é convicção - que se faça o melhor projeto para o Brasil, que seja sobretudo de viabilidade social ecológica, econômica, financeira e que beneficie principalmente as populações que têm problemas de abastecimento de água.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PAULO SOUTO (PFL - BA) - Concedo um aparte ao nobre Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna - Nobre Senador Paulo Souto, o rio tem 2.670 m³/s. Imagine que fosse este pedaço de papel! Estamos falando em tirar este pedacinho de todo este total. São 70 m³/s! Significa nada! Estamos pensando em tirar isso lá embaixo, depois que essa água já passou pela Bahia, depois que já passou por Minas. É uma água que corre para o mar. A não ser que ela seja imprescindível para o Oceano Atlântico, ela deverá correr para o oceano. Nada mais, nada menos do que isso. Além do mais, ela vai atender cerca de 10 milhões de pessoas. Quando esse projeto estiver concluído, 75% da água será destinada à irrigação. Imagine que 25% de 10 milhões seriam 2, 5 milhões de pessoas. Dois milhões e meio de pessoas passando sede! Convido V. Exª para ir ao meu Estado conhecer a situação. No Estado de V. Exª também há o problema da seca, mas há menos que no nosso Estado, porque, no nosso, 73% do solo é cristalino. A água fornecida pelos carros-pipa parece caldo-de-cana colorido! Há dois anos e meio certas cidades não têm água. Essas pessoas passariam a ter uma água de melhor qualidade. Um país é feito pela solidariedade entre seus habitantes. Acho que se atendêssemos 100 pessoas, já compensaria o sacrifício; mas dois milhões e meio, é muita gente! Por último, eu diria a V. Exª que não assoreamos o rio e que julgo legítimo que as Bancadas da Bahia, de Minas, de Alagoas e de Sergipe lutem, porque devem tentar conquistar o seu objetivo. Porém, o que pedimos agora é um direito bíblico: água para quem tem sede. No meu caso, isso é específico e verdadeiro. Portanto, convido V. Exª para, quando quiser, visitar as áreas do Cariri e do Curimataú e ver cidades que, há dois anos e meio, não têm um pingo d’água. Porém, como esse pouquinho de água cairá permanentemente, também permanentemente ela estará enchendo os reservatórios - poderá até ter outras finalidades. O que queremos no Estado da Paraíba é água para os consumos humano e animal. Muito obrigado.

O SR. PAULO SOUTO (PFL - BA) - Agradeço a V. Exª o aparte.

Quero insistir que não estou questionando absolutamente o fato, pelo menos preliminarmente, da retirada de 2% da água; não estou questionando isso. Para o que, neste momento considero necessário, é uma explicação sobre a utilização de quase 75% da água do projeto para irrigação. Esse projeto tem que demonstrar sobretudo economicidade, senão mais uma vez vamos reservar água - e o projeto está todo calcado na viabilidade por meio da irrigação - e não vamos ter sucesso. Não tenho qualquer objeção preliminarmente, do ponto de vista conceitual, com relação a um projeto que seja essencialmente destinado a atingir uma grande parte da área do Nordeste que não tem água, mas não é isso que vejo nesse projeto. Pelo menos, pelo que conheço até agora, ele atingiria aproximadamente 5% da região semi-árida e seria, como eu disse, um megaprojeto de irrigação.

Um estudo econômico mostra que as tarifas médias de água, destinadas ao consumo humano, irão subsidiar fortemente as tarifas para a irrigação, de tal sorte que 80% das receitas previstas derivam de 30% da água destinada aos consumos humano e industrial; ou seja, o que seria a principal finalidade, que é o abastecimento humano, vai sobretudo subsidiar a irrigação ou, então, vamos ter um subsídio público para isso.

            Admito até que um projeto desse tipo, um projeto destinado ao abastecimento humano, nessas condições, não considere o investimento inicial para o estudo de viabilidade econômica, é que considere apenas o custo operacional. Acho que o Governo até poderia fazer isso, mas, do ponto de vista de se tratar de um projeto de irrigação, temos que estar convencidos de que esse é um projeto viável econômica e financeiramente.

As empresas de saneamento poderiam pagar aquelas tarifas? O conjunto de todos esses fatos torna extremamente improvável conferir credibilidade às taxas de retorno apresentadas, ainda mais que dois fatos extremamente importantes reforçam a idéia de que podem não estar corretos. Primeiro, foram apropriados benefícios resultantes do uso final da água sem que tenham sido considerados os custos resultantes, como, por exemplo, as inversões na adução e na distribuição de água para consumo humano ou irrigação. Ou seja, os benefícios seriam provavelmente sobre investimentos que iriam a 10 e a 15 bilhões; e eles foram considerados a custos de apenas três bilhões, o que, portanto, altera de forma, eu diria, quase comprometedora o estudo da viabilidade econômica desse projeto, que, como eu disse, é um projeto essencialmente voltado para a irrigação.

            Também não foram considerados apropriadamente os tempos nos quais serão iniciados os projetos de irrigação, o que também mascarou os valores encontrados; não há nenhuma dúvida que os projetos de irrigação não serão iniciados nos tempos previstos, o que certamente reduzirá os valores encontrados para a taxa de retorno.

O SR. PRESIDENTE (Carlos Wilson) - Senador Paulo Souto, a Mesa lembra que o tempo de V. Exª está esgotado. Observa, ainda, que vários Senadores estão pedindo aparte, mas solicita a compreensão do Plenário para que dê oportunidade a outros Senadores. São muitos os que estão inscritos, além dos representantes de Lideranças, e, no final, esses serão prejudicados.

O Sr. Geraldo Melo (Bloco/PSDB - RN) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PAULO SOUTO (PFL - BA) - Sr. Presidente, peço a compreensão de V. Exª para conceder um breve aparte ao Senador Geraldo Melo, conhecedor profundo dessas questões.

Concedo o aparte a V. Exª, Senador Geraldo Melo.

O Sr. Geraldo Melo (Bloco/PSDB - RN) - Senador Paulo Souto, agradeço a V. Exª. Sr. Presidente, peço desculpas por insistir neste aparte, mas como S. Exª ultrapassou somente 1 minuto e 20 segundos do seu tempo, não será um exagero.

O SR. PRESIDENTE (Carlos Wilson) - E V. Exª é o próximo inscrito.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB - RN) - É verdade. Senador Paulo Souto, concordo com V. Exª que há a necessidade de que se disponha segurança no País com relação às características do projeto de transposição das águas do São Francisco. Seria uma irresponsabilidade conduzi-lo de outra maneira. No entanto, não tenho nenhum motivo para crer que esse projeto vá ser conduzido irresponsavelmente.

O SR. PAULO SOUTO (PFL - BA) - Senador, eu não disse isso, por favor.

O Sr. Geraldo Melo (Bloco/PSDB - RN) - Eu sei que V. Exª não o disse, mas eu estou dizendo que seria uma irresponsabilidade partir o País para aplicar recursos desse vulto num projeto dessa envergadura sem que todos os problemas de engenharia, ecologia e economia envolvidos, além dos problemas operacionais subseqüentes - que são muito graves e importantes -, estejam devidamente resolvidos e equacionados. Mas creio que o Ministro da Integração, Fernando Bezerra, engenheiro por formação profissional e detentor de uma longa experiência na área, tem consciência da necessidade de todos esses assuntos serem completamente esgotados. Eu queria apenas pedir ao representante da Bahia que me esclarecesse um ponto: V. Exª falou sobre o uso do projeto destinado à irrigação, que vai abranger duas ou três vezes uma área que a Codevasf* levou cinqüenta anos para irrigar. Eu, realmente, reconheço que é uma meta ambiciosa demais, mas, se isso acontecer, não creio que seja criticável. Entendo que é um lado extremamente positivo do projeto. No entanto, V. Exª diz que vai-se fazer isso privando-se populações de água e, até agora, não ouvi, em lugar nenhum, se dizer quem, efetivamente, será privado de água com o desvio desses 70 m³ por segundo. Eu gostaria de ser esclarecido a respeito disso.

            O Sr. Waldeck Ornélas (PFL - BA) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PAULO SOUTO (PFL - BA) - Senador Geraldo Melo, vou responder, com muita satisfação, a V. Exª, mas, antes, peço ao Sr. Presidente que me dê a oportunidade de conceder um rápido aparte ao Senador Valdeck Ornélas.

O Sr. Waldeck Ornélas (PFL - BA) - Senador Paulo Souto, V. Exª traz ao debate dessa questão a informação tremendamente preocupante de que 75% da água pretendida pelo projeto de transposição destinam-se a atividades de irrigação e não de abastecimento humano, que é o argumento emocional envolvido nessa questão. Aliás, nesse particular, cabe-me dizer que a população baiana residente no semi-árido, em termos numéricos, é exatamente igual à soma das populações totais da Paraíba e do Rio Grande do Norte. V. Exª, de modo judicioso, criterioso e cuidadoso, como é do seu feitio - inclusive pela sua condição de ex-Superintendente da Sudene - traz uma apreciação extremamente positiva, a respeito da qual a Casa deve refletir. Lembro-me muito bem que V. Exª sempre defendeu que houvesse a execução de um plano de recursos hídricos global para o Nordeste. Entendo que a ausência de uma política de desenvolvimento regional está transformando esse projeto numa proposta alternativa, o que ele não é, que não corresponde ao interesse do Rio Grande do Norte e da Paraíba.

O SR. PAULO SOUTO (PFL - BA) - Muito obrigado, Senador Waldeck Ornélas.

Senador Geraldo Melo, ao falar das populações, referi-me, especificamente, ao fato de que ao se retirar um recurso natural de onde ele poderia ser utilizado e transportá-lo para outro local, as gerações futuras poderão ser sacrificadas.

Para concluir, esses e muitos outros fatos indicam a necessidade de uma profunda revisão no projeto, tanto na sua concepção como nos estudos de viabilidade apresentados, pois tudo leva a crer que existam erros capitais na sua formulação, os quais podem, inclusive, invalidá-lo. Talvez por isso haja resistências, na sua apresentação para o financiamento por um organismo internacional, que certamente iria analisá-lo detidamente. E se o Governo não quer essa solução, ou seja, não quer apresentar esse projeto a um órgão que financie bons projetos, principalmente de recursos hídricos no Nordeste, poderia, pelo menos para nossa garantia, submetê-lo a uma junta de consultores independentes para ter segurança de que não estaria desperdiçando recursos públicos com um projeto inviável. Todos queremos - quero deixar claro -, e certamente também o Governo, um projeto que seja sustentável em todas as suas dimensões: social, econômica, financeira e ambiental.

Não se resolve essa questão simplesmente distribuindo-se recompensas aos Estados doadores - que precisam recebê-las porque essa é uma condição para todo projeto de transposição -, mas, antes disso, tendo-se convicção de que será um bom projeto para o Brasil. Na versão atual, a meu juízo, esse não será um bom projeto.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/04/2001 - Página 5382