Discurso durante a 28ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

SUCESSO DO PROGRAMA "JUSTIÇA DINAMICA", LANÇADO EM 1998, PELO JUIZADO DA INFANCIA E DA JUVENTUDE DE BOA VISTA - RR.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • SUCESSO DO PROGRAMA "JUSTIÇA DINAMICA", LANÇADO EM 1998, PELO JUIZADO DA INFANCIA E DA JUVENTUDE DE BOA VISTA - RR.
Publicação
Publicação no DSF de 05/04/2001 - Página 5377
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • GRAVIDADE, AUMENTO, VIOLENCIA, INFANCIA, JUVENTUDE, BRASIL, EFEITO, AUSENCIA, JUSTIÇA SOCIAL, DESEMPREGO, RECESSÃO, FALTA, EDUCAÇÃO, SAUDE, DESEQUILIBRIO, FAMILIA, DEFICIENCIA, APLICAÇÃO, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
  • ELOGIO, INICIATIVA, PROJETO, VARA DE MENORES, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DE RORAIMA (RR), AGILIZAÇÃO, JULGAMENTO, REDUÇÃO, IMPUNIDADE, REINCIDENCIA, DELINQUENCIA JUVENIL, RECEBIMENTO, PREMIO, ORGANISMO INTERNACIONAL.
  • EXPECTATIVA, REPRODUÇÃO, BRASIL, PROGRAMA, JUSTIÇA, ESTADO DE RORAIMA (RR).

         O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, no contexto da problemática da violência em nosso País, um dos aspectos que mais preocupa é o da delinqüência infanto-juvenil.

         Diariamente, os meios de comunicação trazem ao nosso conhecimento notícias da prática de crimes bárbaros por adolescentes ou de seu envolvimento em quadrilhas comandadas por adultos e que se dedicam ao crime organizado. A crueldade manifesta em muitos desses atos - várias vezes absolutamente desmotivados, desprovidos de qualquer sentido - revelam a insensibilidade e o desprezo pela vida alheia e até pela própria com que atuam esses jovens. E ainda mais assustador é constatar que tais condutas, atualmente, não são praticadas apenas por adolescentes, registrando-se, inclusive, o envolvimento de crianças.

         Evidentemente, esse estado de coisas deixa a todos perplexos e estarrecidos. Mobilizada pelo tratamento sensacionalista dado ao tema pelos meios de comunicação de massa, a opinião pública reage de forma irracional, legitimando respostas violentas aos adolescentes ou mesmo às crianças que venham a cometer uma infração penal. A partir de uma ótica simplista, passam a aventar alternativas que vão desde a redução da idade de responsabilidade penal até a pena de morte, sob o argumento de que a legislação vigente supostamente garantiria impunidade às crianças e aos adolescentes infratores.

         Mas, na verdade, aqueles que estudam o problema e trabalham quotidianamente com jovens infratores sabem que a violência praticada por eles nada mais é do que reflexo da violência característica do meio em que vivem. Os principais vilões que geram esse quadro assustador são, sem dúvida alguma, a desestruturação familiar, a falta de programas sociais e de políticas educacionais e de saúde, a crise econômica, o desemprego e a recessão, coadjuvados, ainda, pelo enaltecimento da violência que se observa nos produtos da cultura de massa veiculados pelos meios eletrônicos de comunicação.

         O Estatuto da Criança e do Adolescente, injustamente apontado como responsável pelo aumento da delinqüência juvenil e como garantidor de impunidade, ao contrário, prevê e estimula ações práticas e concretas de prevenção e controle da delinqüência, mediante uma política de atendimento e um sistema de responsabilização sócio-educativo, com a previsão de sanções progressivas - inclusive de natureza restritiva ou privativa de liberdade - a serem aplicadas aos adolescentes que cometam ato infracional. E essa responsabilidade sócio-educativa do jovem brasileiro vale desde seus 12 anos de idade. A inimputabilidade constitucionalmente prevista das crianças e adolescentes não implica, portanto, sua irresponsabilidade ou impunidade.

         Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, como em tantos outros casos no Brasil, o problema não é a falta de uma legislação adequada, mas sim as deficiências na sua aplicação. O Estatuto da Criança e do Adolescente é um diploma legal moderno, redigido em conformidade à Constituição Federal e à normativa internacional configuradora da Doutrina da Proteção Integral, esculpida em documentos como as Regras de Beijing, as Diretrizes de Riad e as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade.

         O que ocorre é que, infelizmente, nos 10 anos decorridos desde sua entrada em vigência, o Estatuto da Criança e do Adolescente nunca foi aplicado na sua globalidade, acabando por aparecer para a população, erroneamente, como um estimulador da delinqüência juvenil e de sua impunidade.

         Um dos principais fatores desse descrédito e dessa sensação de impunidade entre a opinião pública, a mídia e a polícia é, sem dúvida alguma, a lentidão da Justiça da Infância e da Juventude na prestação da tutela jurisdicional, pois um julgamento imediato do jovem infrator é fundamental para viabilizar o rompimento do processo delinqüencial.

         Consciente dessa realidade, a Vara da Infância e da Juventude da Capital de meu Estado, ao tempo em que era seu titular o hoje Desembargador Mauro Campello, elaborou, juntamente com a sociedade e diversos órgãos governamentais, um projeto destinado a agilizar os julgamentos e diminuir o número de processos e a reincidência, o programa “Justiça Dinâmica”.

         Para mim, que tive oportunidade de prestar algum apoio necessário à implementação desse programa, é motivo de grande satisfação vir hoje a esta tribuna registrar seu enorme sucesso.

         Com efeito, o programa “Justiça Dinâmica” tem sido tão bem-sucedido que já foi três vezes agraciado com o Prêmio Sócio-Educando, instituído pelo Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente - ILANUD/Brasil, pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância - ANDI, pelo BNDES, pela Fundação Educar DPaschoal e pela UNICEF. O objetivo desse prêmio é incentivar a implementação mais efetiva e criativa do Estatuto da Criança e do Adolescente, no que se refere à aplicação e execução de medidas sócio-educativas destinadas aos adolescentes autores de ato infracional, com ênfase no caráter educativo das medidas.

         O programa “Justiça Dinâmica” foi lançado em 1º de agosto de 1998 pelo Juizado da Infância e da Juventude de Boa Vista com o propósito de executar todos os procedimentos necessários à responsabilização do adolescente no período de tempo mais próximo ao cometimento da infração, mediante trabalho articulado de todos os agentes do sistema de controle judicial da delinqüência juvenil.

         Com a conscientização e o esforço de cada colaborador da Justiça Infanto-Juvenil, conseguiu-se proporcionar ordem normal aos processos, que agora são quase sempre concluídos no mesmo dia, ou dentro do prazo máximo de 45 dias. Assim, o adolescente recebe resposta imediata ao seu comportamento tipificado como ato infracional, sendo incluído em um processo sócio-pedagógico capaz de fazê-lo romper com a caminhada da delinqüência e evitar a reincidência. Com o atendimento imediato, evita-se que o decurso do tempo para o julgamento do caso acabe acarretando a irresponsabilização do adolescente, o que contribuiria para sua permanência na trajetória de marginalização e para o reforço à noção de impunidade.

         O programa “Justiça Dinâmica” proporcionou uma definição clara do andamento do processo e das atribuições dos diversos agentes do sistema - Polícias Militar e Civil, Ministério Público, Defensoria Pública, Juizado da Infância e da Juventude e entidades de atendimento. No Juizado, os servidores foram envolvidos na realização de suas tarefas mediante capacitação, treinamento e reuniões constantes de avaliação e planejamento. O cartório judicial passou a agilizar os processos de forma simples e prática, dividindo-se em setores de atuação: do ato infracional, da execução de medidas sócio-educativas e do cível.

         O setor interprofissional assumiu sua verdadeira identidade, dividindo-se também em grupos de atuação nas mesmas três áreas. O primeiro grupo, que cuida da área infracional, procede um imediato atendimento ao adolescente em conflito com a lei e aos seus familiares, elaborando o estudo do caso e indicando ao Juízo a melhor medida a ser aplicada no caso de reconhecimento da prática de ato infracional. Já nesse atendimento garante, caso seja necessário, a escolarização, saúde, assistência social e outros programas necessários ao desenvolvimento do adolescente e seus familiares, conscientizando estes últimos de sua responsabilidade em acompanhar o filho durante todo o processo.

         O segundo grupo, que cuida da execução das medidas sócio-educativas, cumpre uma rotina de fiscalização das entidades responsáveis por essa execução, monitorando sua proposta pedagógica e articulando a sua melhoria, além de acompanhar cada processo judicial de execução da medida, emitindo pareceres para auxiliar o Juiz. O último grupo, que atua na área cível, além de assessorar o Juízo em processos dessa natureza - adoção, guarda, destituição ou suspensão de pátrio poder, alimentos etc. -, desenvolve programas de reatamento e manutenção do vínculo familiar em parceria com outros órgãos.

         A Divisão de Proteção à Infância e à Juventude - antigo Comissariado de Menores - criou diversas equipes, desde aquela que fiscaliza bares, boates, festas, desfiles, aeroportos e rodoviárias, até uma equipe de busca e localização de adolescentes e seus familiares, a qual geralmente consegue localizar membros da família extensa do adolescente, facilitando, dessa forma, a intervenção do setor interprofissional e das entidades executoras de programas no fortalecimento dos vínculos familiares.

         Com essa mudança de paradigma, a eficácia do programa “Justiça Dinâmica” ficou evidenciada em dados estatísticos surpreendentes, já no ano de 1999, os quais demonstram que essa linha de ação é eficaz no controle da delinqüência juvenil, especialmente mediante a aplicação das medidas sócio-educativas em regime aberto.

         Graças ao programa, a Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Boa Vista - que no passado chegou a ter 2 mil e 036 processos em tramitação - conseguiu alcançar, em maio deste ano, a marca histórica de apenas 677 processos em andamento. A previsão era de que no corrente mês apenas cerca de 400 processos estivessem aguardando sentença, o que representa uma redução de 81% de feitos em tramitação e corresponde ao número ideal de processos sob responsabilidade de um Juiz, segundo parâmetros da Associação dos Magistrados do Brasil - AMB.

         Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, a política de atendimento sócio-educativa estruturada na Comarca de Boa Vista veio viabilizar a aplicação e execução de todas as medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Essas medidas, que são na verdade processos educacionais especiais, contemplam propostas sócio-pedagógicas, ou seja, mecanismos próprios e eficazes capazes de modificar as situações de fato existentes e que foram causadoras da prática do ato infracional. Desse modo, possibilitam ao sócio-educando um despertar de sua responsabilidade social, de modo a evitar a reincidência.

         O espetacular resultado observado em Roraima foi que, após a adoção dessa nova filosofia, a reincidência foi inferior a 1% dos sócio-educandos que ingressaram no sistema de controle judicial da delinqüência juvenil. Além disso, nenhuma rebelião ocorreu na instituição destinada ao cumprimento das medidas em regime fechado.

         O que o Juizado da Infância e da Juventude de Boa Vista conseguiu realizar, na verdade, foi a colocação em prática do novo paradigma criado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, ou seja, a substituição do binômio culpa/castigo pelo binômio culpa/educação. E foi essa conquista que levou a UNICEF, o ILANUD e as demais entidades a distinguirem Roraima, já no ano de 1998, com dois Prêmios Sócio-Educando, o primeiro referente às execuções de medidas sócio-educativas de internação e semi-liberdade, por meio do Programa Centro Sócio-Educativo, e o segundo referente às execuções de medidas sócio-educativas de prestação de serviços à comunidade, mediante o Programa Trabalhando o Futuro. Já no ano seguinte, na segunda edição do Prêmio, o programa “Justiça Dinâmica” voltou a ser distinguido, desta feita na categoria “Juízes”.

         Entre os resultados do programa “Justiça Dinâmica” observados no ano de 1999, devem ser destacados os seguintes:

         - Diminuição da prática de infrações entre os adolescentes;

         - Agilização, sem prejuízo da eficiência, do funcionamento do sistema de controle judicial da delinqüência juvenil, possibilitando o julgamento do caso no mesmo dia da prática do ato infracional ou da apresentação do adolescente em Juízo;

         - Redução da impunidade;

         - Estrito cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, promovendo-se a garantia de direitos e a adequada utilização de medidas sócio-educativas;

         - Fim da banalização das medidas em regime fechado e incremento da utilização das medidas em regime aberto, com aplicação de somente 26 medidas em regime fechado contra 306 em regime aberto, entre estas, 168 advertências;

         - Aumento da utilização do instituto da remissão, registrando-se 310 remissões concedidas, o que veio evitar um maior contato do adolescente com o Sistema de Justiça;

         - Redução da reincidência, registrando-se apenas 05 reincidentes entre os 595 adolescentes julgados;

         - Promoção de soluções criativas e resolutivas para formação da cidadania dos adolescentes autores de atos infracionais;

         - Desmistificação da violência juvenil, demonstrando-se que os adolescentes cometem muito mais atos infracionais contra o patrimônio do que contra a vida, registrando-se 197 furtos e 29 roubos em face de 40 homicídios tentados ou consumados;

         - Ingresso no Sistema de Justiça de adolescentes de diversas faixas de renda familiar e diversos níveis de escolaridade.

         Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, com o Programa “Justiça Dinâmica”, o Poder Judiciário de Roraima conseguiu dar efetividade ao Estatuto da Criança e do Adolescente, montando, com o apoio da sociedade, um verdadeiro sistema de controle da delinqüência juvenil e de recuperação do jovem infrator. O sucesso do Programa “Justiça Dinâmica” demonstra de forma cabal que as medidas sócio-educativas previstas no Estatuto, quando corretamente aplicadas, são capazes de cumprir com sua finalidade com eficiência maior que a pura e simples retribuição penal, não havendo necessidade de ingresso do jovem no sistema penitenciário.

         A experiência roraimense joga por terra os mitos referentes à impunidade do adolescente em conflito com a lei, bem como aqueles referentes à responsabilidade do Estatuto da Criança e do Adolescente pelo aumento da delinqüência juvenil. Na verdade, fica amplamente demonstrado que o Estatuto é uma lei suficientemente severa no que concerne às conseqüências jurídicas decorrentes de atos infracionais praticados por adolescentes, oferecendo uma resposta social justa e adequada a esses atos.

         Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, os jovens são, indiscutivelmente, o patrimônio mais precioso deste País. Não podemos permitir que continuem abandonados e desassistidos. Não podemos permitir a continuidade do dantesco quadro que se observa nas instituições supostamente destinadas à recuperação de jovens infratores, onde as condições de vida são abjetas e as rebeliões violentas são rotineiras.

         Vamos tomar esse belo exemplo que nos vem de Roraima e reproduzir o programa “Justiça Dinâmica” pelo Brasil afora.

         Era o que tinha a dizer.

         Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/04/2001 - Página 5377