Pronunciamento de João Alberto Souza em 16/04/2001
Discurso durante a 34ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
ALERTA AS AUTORIDADES SOBRE O PERIGO DE "COLOMBIANIZAÇÃO" DO BRASIL, EM FACE DA ESCALADA DO CRIME ORGANIZADO.
- Autor
- João Alberto Souza (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MA)
- Nome completo: João Alberto de Souza
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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SEGURANÇA PUBLICA.:
- ALERTA AS AUTORIDADES SOBRE O PERIGO DE "COLOMBIANIZAÇÃO" DO BRASIL, EM FACE DA ESCALADA DO CRIME ORGANIZADO.
- Publicação
- Publicação no DSF de 17/04/2001 - Página 6064
- Assunto
- Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
- Indexação
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- GRAVIDADE, AUMENTO, VIOLENCIA, CORRUPÇÃO, CRIME ORGANIZADO, FALTA, CONFIANÇA, INSTITUIÇÃO PUBLICA.
- GRAVIDADE, PERDA, AUTORIDADE, ESTADO, AUMENTO, PODER, TRAFICANTE, CRIMINOSO.
- CRITICA, JUDICIARIO, ESPECIFICAÇÃO, IMPUNIDADE, CRIME, NECESSIDADE, URGENCIA, REFORMA JUDICIARIA, AUMENTO, DETERMINAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL.
O SR. JOÃO ALBERTO SOUZA (PMDB - MA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, o crime organizado constitui um dos principais problemas da convivência humana e uma das estruturas que mais prejuízos ocasionam à coletividade nacional. Nos últimos tempos, violência, corrupção, organização criminosa e Estado impotente têm sido os ingredientes cotidianos a preencher espaços na Imprensa e ocupar o tempo nas conversas de todos. A sociedade vive um Estado de conflito permanente que poderia muito bem ser sintetizada na “guerra total de todos contra todos”.
O medo, aliado à falta de confiança nas instituições encarregadas da ordem, atingiu um patamar de quase patologia pública. De conseqüência, assiste-se a uma verdadeira corrida aos mais diversos mecanismos e equipamentos de defesa privada. São residências cercadas de altos muros e equipadas com instrumentos de alarme tecnologicamente refinados. Cães raivosos e possantes rondam noite e dia pátios reservados. Multiplicam-se as empresas particulares de segurança. Aumentam-se efetivos, sofisticam-se armamentos e aprimoram-se estratégias.
Por sua vez, as instituições públicas enxovalhadas pela presença de desvios nos seus quadros e na sua prática, desvios materializados na extorsão, na contravenção, no arbítrio, na malversação, na interpretação de má nota da lei, no uso de cargos públicos em proveito próprio e no crime. São instituição machucadas porque sem credibilidade, vistas como nichos bem estruturados de corrupção e de acobertamento. E, no fim da linha, a população miúda, a grande maioria da população brasileira, sem recursos para se autodefender, transformada em vítima, pagando com a vida ou abarrotando as prisões.
Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, em relação ao crime organizado, fala-se hoje em processo de “colombianização” do Brasil. O Estado não tem demonstrado eficácia ao combate, e a opinião pública descrê de sua capacidade de agir de forma competente e tempestiva. Não faltam afirmações de que a autoridade do Estado foi substituída pela dos traficantes ou pela da organização dos criminosos.
De fato, a atividade, a organização, a instrumentalização dos bandidos ultrapassaram as fronteiras do simples caso de polícia para assomarem como reais ameaças as instituições. Assiste-se ao deprimente quadro de uma organização criminosa potencializada por armamentos modernos, enquanto que a força pública, dispondo apenas de instrumentos ultrapassados, desempenha um papel medíocre, não raro risível.
Na área do Judiciário, o País convive com o arcabouço viciado de leis e de cultura, rigoroso com delitos menores, mas compreensivo, leniente, roceiro e legalista quando se trata de grandes falcatruas praticadas pelos que dispõem de meios e esperteza para passear na área do sofisma e das brechas legais em que transitam, com desenvoltura, a corrupção e a impunidade.
Não resta dúvida de que tanta violência, tanta corrupção, tantos recursos públicos desviados ligam-se à incapacidade do Governo de combater o crime e a impunidade dos criminosos e dos corruptos. Somente uma vontade política forte e determinada obterá sucesso no combate ao crime organizado no Brasil.
A situação do Estado em período recente da História nacional demonstra que, quando existe determinação, a eficácia se concretiza. Refiro-me à atuação da força de segurança durante o regime militar. Ninguém dos assim chamados elementos subversivos conseguiu viver em clandestinidade com segurança. Foram vítimas exemplares da vontade do Estado de então o Capitão Lamarca, Marighela e outros. Todos foram localizados e dominados, colocados na prisão ou mortos.
A determinação e a vontade política devem abranger também uma ação mais concreta do campo do saneamento institucional. Todos sabemos dos escândalos descobertos e amplamente debatidos pelos meios de comunicação social e pela sociedade nos tempos recentes. Há problemas no âmbito dos três Poderes.
No meu Estado do Maranhão, há deputados presos. Há prefeitos processados. Há prefeitos no poder e ligados ao crime organizado e à corrupção. Há juízes e promotores corruptos ou facilmente abertos à corrupção, coniventes ou medrosos, discricionários e injustos. Há policiais que extorquem. Recentemente, o ilustre Senador Romeu Tuma visitou o Maranhão e analisou o problema lá existente. Porém, de pouco valem a competência e a seriedade do Senador sem a eficácia de medidas preventivas. Sem a interveniência decisiva do Governo Federal, pouco caminho poderá ser feito, até porque à violência, ao crime e à corrupção nenhuma região do País está imune.
O que eu julgo mais grave e merecedor de intervenção convincente é a promiscuidade, que, em que muitos casos, se constituiu dentro das próprias instituições, criando-se esquemas de atuação participativa de homens públicos sintonizados com os bandidos, ou de homens públicos cuja origem são os rincões das contravenção. O resultado de toda essa montagem é o conluio entre o crime ativo e o passivo, entre a corrupção ativa e a passiva, entre a iniciativa e a aceitação muda, inerme, mas interessada e oportunista.
É desalentadora e ao mesmo tempo óbvia a afirmação do General Alberto Cardoso, Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, de que “o crime está muito mais organizado do que o Estado”. O crime organiza-se com eficiência, porque tem vontade e não se amarra em burocracias. “Já o Estado” - afirma o Ministro Costa Leite, Presidente do Superior Tribunal de Justiça - “não conseguiu se organizar por causa da burocracia, além da briga política”.
No mundo, há exemplos de países que também vinham sendo prejudicados pela criminalidade e pela corrupção, mas que, determinados e exigidos, reagiram com proficiência. Cito, por exemplo, a Itália, que tem conseguido desvendar e corrigir seus problemas, por meio de soluções exemplares e eficazes, controlando a máfia e todas as suas qualificações.
No Poder Legislativo, por sua vez, muito freqüentemente sucedem-se intermináveis discussões para a constituição de comissões parlamentares de inquérito, com a finalidade de detectar onde o governo se omitiu, onde o governo não atuou. A experiência nos ensina que as CPIs são geralmente pródigas em pirotecnia, mas débeis quanto aos efeitos corretivos da realidade atacada. Uma CPI pode ser necessária, mas, até hoje, nenhuma se prolongou no tempo com efeitos legais duradouros e com resultados efetivos contra os desvios. Essenciais, sim; são estruturas legais ágeis, preventivas, eficientes e prospectivas.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos sabemos por onde circulam os ladrões de carros, os contrabandistas e os traficantes de drogas. Conhecem-se as formas utilizadas para superfaturar o custo das obras públicas, para sonegar impostos, para conceber e declarar falências fraudulentas. Conhecem-se o caminho, as fendas e os sofismas da corrupção. Ninguém ignora com que facilidade os bancos facilitam a lavagem de dinheiro. No entanto, tem-se a impressão de que o País vive um estado de imobilidade, de convalescença dolorosa, chocado diante de um ciclone indomável e agindo apenas por espasmos. Uma perigosa letargia que agrava os problemas e enrobustece as organizações malsãs.
O crime, tenha ele o matiz que tiver, combate-se com a repressão. A prisão não pode ser sepultura dos direitos humanos, não pode ser lugar de arbítrio, não pode ser um depósito de seres ignorantes e esfarrapados, mas também não pode transformar-se em palco para holofotes, nem em lugar bom para ficar. A prisão deve constituir-se parte do jogo para quem faz opção de agir contra os interesses da coletividade, bem como no confisco dos bens surrupiados da mesma coletividade.
A tarefa de dar concretude atualizada a um tal panorama é do Estado. A idéia da comunidade política, da polis grega ao Estado moderno, conforme afirma Norberto Bobbio, está estreitamente ligada à idéia de uma totalidade que mantém unidas partes que, de outra forma, estariam em perpétuo conflito entre si.
O que assegura a unidade e o bem-estar do todo é a lei bem concebida e bem aplicada. Fora desse contexto, toda sociedade expõe-se à guerra de todos contra todos. Todo Estado que falece diante do crime, conforme escreveu Platão em sua República, está fadado a receber o castigo de ser dirigido por inferiores: os demagogos, os corruptos e os criminosos.
O Governo Federal é o responsável pelo combate ao crime organizado. Na luta contra o crime organizado, há necessidade urgente de ação remodeladora das estruturas e dos arcabouços legais do Estado, inclusive de reforma do Judiciário, para que a aplicação da justiça seja mais ágil, transparente, imparcial e justa. Não há tempo a perder nesse campo. É preciso combater o crime sem trégua, com intervenção forte, segura, continuada, competente e convincente. Basta de seqüestros, de roubos, de balas perdidas vitimando inocentes, de desvio de cargas, de corrupção, de matreirices no trato da coisa pública e da indiferença em relação ao trabalho e à seriedade de milhões de brasileiros honestos.
Só a vontade política e a determinação do Governo Federal, e os Estados em suas esferas específicas, podem evitar a catástrofe de sermos governados por demagogos, corruptos e criminosos.
Muito obrigado, Sr. Presidente.