Discurso durante a 31ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM A BIOPIRATARIA NA AMAZONIA E A INERCIA DO GOVERNO FEDERAL NA DEFESA DE NOSSOS RECURSOS NATURAIS.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • PREOCUPAÇÃO COM A BIOPIRATARIA NA AMAZONIA E A INERCIA DO GOVERNO FEDERAL NA DEFESA DE NOSSOS RECURSOS NATURAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 10/04/2001 - Página 5801
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • APREENSÃO, CONTRABANDO, RECURSOS NATURAIS, REGIÃO AMAZONICA, EFEITO, PERDA, RECURSOS, DETERIORAÇÃO, MEIO AMBIENTE.
  • ANALISE, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O LIBERAL, ESTADO DO PARA (PA), DENUNCIA, ILEGALIDADE, EXPORTAÇÃO, BIODIVERSIDADE, CRITICA, AUSENCIA, FISCALIZAÇÃO, PROTEÇÃO, REGIÃO AMAZONICA.
  • AVALIAÇÃO, FALTA, CONTROLE, CONTRABANDO, RECURSOS NATURAIS, RISCOS, SOBERANIA NACIONAL, PREJUIZO, ECONOMIA, LUCRO, INDUSTRIA FARMACEUTICA, PAIS ESTRANGEIRO.
  • ANALISE, CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, NECESSIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, LEGISLAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, ACESSO, RECURSOS.
  • DENUNCIA, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), CONVENIO, PAIS ESTRANGEIRO, FACILITAÇÃO, CONTRABANDO, AUSENCIA, BENEFICIO, REGIÃO AMAZONICA.

           O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Nesta oportunidade, como Parlamentar da Amazônia, venho trazer mais uma preocupação com a minha região, que é a mais rica em recursos naturais e tem a pior assistência prestada pelo Poder Público. Essa contradição tem gerado o desperdício dessa riqueza, seja pelo seu uso inadequado, quebrando o ciclo de reprodução e reposição da natureza, seja pelo contrabando e evasão de recursos, deixando para os amazônidas a devastação e a miséria.

Um bom exemplo disso é o que publicou o jornal O Liberal, de Belém do Pará, na edição de 11 de fevereiro último, sob o título: "Contrabando está ameaçando de extinção peixes da Amazônia. Em aproximadamente 15 anos, peixes como o surubim, caparari e a piramutaba podem desaparecer dos rios da Amazônia, principalmente na bacia do Solimões. A cada ano, 15 mil toneladas dessas espécies estão sendo contrabandeadas para a Colômbia e depois reexportadas para a Europa e Estados Unidos".

Trata-se de mais uma das inúmeras irregularidades e crimes que ocorrem diariamente contra o patrimônio da Amazônia.

Dezenas de caminhões transportam diariamente, de forma clandestina, toneladas e toneladas de peixes brasileiros para a Colômbia, conforme a publicação do jornal que reproduz denúncia do pesquisador Hiroshi Noda, Vice-Diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

Essas agressões ao meio ambiente da Amazônia envolvem muitas outras espécies de animais e vegetais, fazendo com que muitas espécies venham a desaparecer em alguns anos.

Os contrabandistas - alguns disfarçados de pesquisadores, turistas, cientistas e religiosos estrangeiros - estão levando para o exterior plantas, sementes, insetos, escorpiões, sapos, cobras e material genético da Floresta Amazônica. Assim, como não há uma fiscalização rigorosa para a proteção da biodiversidade amazônica, assistimos a saída descontrolada de todo tipo de material genético da floresta para o estrangeiro, o que significa um grande risco para o Brasil de perder o controle de seu patrimônio genético, que certamente irá para laboratórios estrangeiros, que nos obrigarão a pagar milhões de dólares em royalties, vendendo aqui medicamentos a preços absurdos.

Vejam, Srªs e Srs. Senadores, que até mesmo o conhecimento dos indígenas sobre nossas plantas está sendo levado por estrangeiros, o que lhes permite mais tarde fabricar medicamentos partindo do princípio ativo das plantas medicinais da Amazônia, representando milhões em economia no processo de pesquisa.

Saibam, Srªs e Srs. Senadores, que o processo para criação de um novo remédio consome investimentos na ordem de US$350 milhões, consumidos quase que totalmente na fase de pesquisa. O conhecimento prévio de um princípio ativo pode significar cerca de 80% de economia nos gastos com pesquisa. Daí o grande valor do conhecimento de nossas populações tradicionais, indígenas e caboclas.

Plantas e animais da Floresta Amazônica estão sendo desviados e contrabandeados para os Estados Unidos e Europa, em benefício das indústrias farmacêutica, têxtil, cosmética e de alimentos dos países desenvolvidos.

O Brasil não participa dos lucros dessas indústrias milionárias e perde divisas que poderiam contribuir para nosso desenvolvimento, para não falarmos do desenvolvimento científico e tecnológico, que fica todo em poder do monopólio estabelecido pelos países ricos.

Essas denúncias não são raras. É comum vermos nos jornais, notícias de apreensão de exemplares de nossa fauna e nossa flora nas bagagens de turistas estrangeiros, pela polícia federal. E essa é só uma forma grosseira da prática, que se convencionou a chamar de biopirataria, que embora sendo crime, ainda é mal definida em nossa legislação.

Na Câmara dos Deputados, uma Comissão Parlamentar de Inquérito apurou, em 1998, várias denúncias de biopirataria, tendo encaminhado o seu relatório final ao Ministério Público.

O Relatório da CPI constatou que o principal contrabando de material genético se dá pela via institucional. Os convênios com entidades de pesquisas estrangeiras representam verdadeiras caixas-pretas, que permitem a saída indiscriminada de amostras de material genético e dados, facilitando até mesmo a biopirataria.

A Amazônia é vítima da ação predatória não apenas de estrangeiros, mas também de brasileiros que não têm o senso de racionalidade nem de patriotismo.

Menos de 1% das verbas de pesquisa científica e tecnológica no Brasil é destinado à Região Norte, que recebeu apenas 3,3% do total de bolsas de estudos de mestrado e doutorado concedidas pelo CNPq, em 1998. Isso coloca nossas instituições como verdadeiras reféns de recursos e parcerias estrangeiras.

Nas pesquisas realizadas em parceria com entidades estrangeiras, não há paridade entre o número de cientistas estrangeiros e brasileiros. Muitas vezes, a pesquisa é conduzida quase que exclusivamente por estrangeiros, que têm toda a liberdade para entrar e sair do País, como bem entendem, levando amostras de material genético, sem o devido controle.

Um dos casos mais conhecidos de biopirataria é o do tcheco naturalizado americano Milan Hrabrovsky, colecionador de besouros e aliciador das populações ribeirinhas, que durante muitos anos participou como estagiário do Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF), um convênio do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) com o Instituto Smithsoniano, dos Estados Unidos.

Muito material genético é enviado ao exterior, sob o guarda-chuva desses convênios, sem que haja uma segurança de qualquer benefício para o Brasil e para a Amazônia, constituindo o que se poderia chamar de um biopresente, uma dádiva aos países ricos.

Outro assunto que precisa ser esclarecido é um convênio dando exclusividade sobre a geração de produtos a partir de microrganismos, fungos e plantas amazônicas ao laboratório estrangeiro Novartis Pharma AG, da Suíça, firmado com a Associação Brasileira para o Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia (Bioamazônia).

A biopirataria praticada por alguns pesquisadores e colecionadores da Europa e Estados Unidos, além dos graves prejuízos econômicos e sociais para a Amazônia, poderá produzir verdadeiro desastre ecológico, pois espécies biológicas de altíssimo valor comercial no exterior estão sendo caçadas de maneira predatória, a ponto de provocar o risco de extinção dessas espécies nos próximos anos.

Todavia, Sr. Presidente, isso é pouco quando comparado ao interesse da grande indústria farmacêutica, que utiliza a riqueza da biodiversidade amazônica para pesquisas de DNA, genética e biologia molecular, sem nada restituir à Nação brasileira.

Tudo isso demonstra a omissão do Governo Fernando Henrique Cardoso em relação à Amazônia, facilitando e até estimulando a ação predatória de todos os tipos de piratas estrangeiros.

O Governo Federal não cumpre o que lhe compete. Até os dias de hoje não foi regulamentado os dispositivos da Convenção da Biodiversidade que trata da soberania dos países sobre os seus recursos genéticos. O Projeto de Lei de autoria da Senadora Marina Silva, que busca regulamentar o acesso aos recursos genéticos, foi aprovada no Senado, com um substitutivo do Senador Osmar Dias e, a mais de dois anos está praticamente parado na Câmara dos Deputados. Na verdade, o Governo não demonstra o interesse em uma regulamentação adequada do acesso aos recursos genéticos, fator fundamental para coibir práticas abusivas em relação a esse imenso patrimônio natural.

Associa-se a isso o não cumprimento dos dispositivos constitucionais que determinam a adoção de políticas que reduzam as desigualdades regionais, relegando à Região Amazônica a um verdadeiro abandono.

É que de um lado, grande parte das riquezas da Amazônia desaparecem pela ação de contrabandistas, trapaceiros, aventureiros, biopiratas e outros fraudadores dos nossos recursos minerais, vegetais, animais e de toda nossa biodiversidade. Enquanto isso, as populações ribeirinhas são desprezadas pelo Governo Federal, que não presta qualquer assistência efetiva: pescadores e ribeirinhos levam uma vida miserável, vivem sem condições sanitárias adequadas, com uma renda insuficiente para o sustento de suas famílias.

Não podemos mais esperar que os organismos internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), tão ágil na defesa dos interesses dos países ricos, faça respeitar a Convenção de Biodiversidade assinada durante a ECO-92, no Rio de Janeiro.

O Governo Federal precisa sair da inércia em que se encontra e defender efetivamente nossa gente, nosso patrimônio e nossos recursos, contra a cobiça internacional, que pretende se apoderar das riquezas da Amazônia e de tudo de bom que existe em nosso Brasil.

Para finalizar Sr. Presidente, gostaria de manifestar minha opinião sobre a pertinência da Comissão Parlamentar de Inquérito que será instalada nesta Casa para apurar a biopirataria. É importante que esta Comissão adote como ponto de partida um levantamento sobre tudo o que foi apurado em outras investigações já realizadas. Isso possibilitará uma efetividade maior nos propósitos desta Comissão e que, desde já, quero manifestar o meu integral apoio.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/04/2001 - Página 5801