Discurso durante a 32ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

REGISTRO DA PARTICIPAÇÃO DE S.EXA. EM VISITA AO PROGRAMA CALHA NORTE, NA AMAZONIA, PATROCINADA PELO EXERCITO BRASILEIRO. DEFESA DE PREVISÃO ORÇAMENTARIA DESTINADA A CONTINUIDADE DO PROGRAMA CALHA NORTE.

Autor
Marluce Pinto (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
Nome completo: Maria Marluce Moreira Pinto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • REGISTRO DA PARTICIPAÇÃO DE S.EXA. EM VISITA AO PROGRAMA CALHA NORTE, NA AMAZONIA, PATROCINADA PELO EXERCITO BRASILEIRO. DEFESA DE PREVISÃO ORÇAMENTARIA DESTINADA A CONTINUIDADE DO PROGRAMA CALHA NORTE.
Publicação
Publicação no DSF de 11/04/2001 - Página 5911
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, VISITA, PROGRAMA, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO, REGIÃO AMAZONICA.
  • ANALISE, IMPORTANCIA, PROGRAMA, MOTIVO, DEFESA, FRONTEIRA, SOBERANIA NACIONAL, INCENTIVO, INTEGRAÇÃO, TERRITORIO, TENTATIVA, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL.
  • APREENSÃO, CORTE, VERBA, ABANDONO, PROGRAMA.
  • DEFESA, INVESTIMENTO, PROGRAMA, MOTIVO, DESENVOLVIMENTO, REGIÃO NORTE, PROTEÇÃO, SOBERANIA NACIONAL.

A SRª MARLUCE PINTO (PMDB - RR. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, entre os dias 29 a 31 de março e 1º de abril recém-passados, uma comitiva composta por parlamentares, a convite do Exército Brasileiro, dirigiu-se às entranhas da Amazônia para conhecer algumas das instalações do Programa Calha Norte.

A programação, na totalidade, incluiu diversas e enriquecidas palestras proferidas por comandantes militares da Amazônia, nas cidades de Manaus e Boa Vista.

Visitamos também os Pelotões de Fronteiras de São Gabriel da Cachoeira, no Estado do Amazonas, e Surucucus, no Estado de Roraima. Em São Gabriel da Cachoeira, além da visita ao Pelotão, assistimos ao desfile da tropa militar. Constatamos que os soldados daquela região são todos índios de várias etnias. Na ocasião, seis soldados destacaram-se e apresentaram-se ao general do Comando Militar da Amazônia, falando, individualmente, idiomas de suas tribos - entre eles um era da tribo Ianomâmi.

Posteriormente, visitamos o hospital, comandado e mantido pelo Exército, embora tenha também a participação do SUS e do Governo do Estado do Amazonas. Naquele hospital, encontramos profissionais das áreas médica e odontológica, jovens tenentes dos sexos masculino e feminino, e alguns deles ali residem há mais de quatro anos.

Quanto patriotismo, Sr. Presidente! Comoveu-nos a dedicação daqueles missionários, que dedicam os seus preciosos anos da juventude a uma comunidade tão carente.

Visitamos também o Uiramutã, no Estado de Roraima, fronteira com a Guiana. Lá, o Exército pretende construir um pelotão e está sendo impedido por um pequeno grupo de índios que estão sendo incentivados por ONGs, informando que, se o pelotão for instalado, não sairá a demarcação das terras indígenas, que é a área Raposa e Serra do Sol. Com a implantação dessas inverdades, querem deixar aquela população sem assistência dos profissionais na área de saúde e - o mais alarmante - aquela fronteira sem os vigilantes do Exército.

Marcaram presença nessa comitiva esta Colega que vos fala, os Senadores Mozarildo Cavalcanti e Bernardo Cabral e onze Deputados Federais. Além desses, estavam os Comandantes do Comando Militar da Amazônia e do Batalhão de Cavalaria de Selva de Roraima, o General Claudimar Magalhães - até o ano passado, o gerente do Programa Calha Norte -, os Tenentes-Coronéis Jaborandy Júnior e Walter Amaral, os Coronéis Villas Boas e Átila da Rocha e o Sargento José Benedito Costa.

Para mim, Sr. Presidente, não foi novidade a viagem. Desde 1987, como Deputada Constituinte, conheço de perto a região abrangida pelo Calha Norte e todos os postos avançados. Talvez, por isso mesmo, a cada visita que faço à região que abrange o programa, mais aumentam as minhas preocupações.

Não consigo entender por que um programa do porte do Calha Norte, que nasceu da necessidade de se criar alternativas para amenizar desigualdades regionais, de promover a ocupação racional da Amazônia e, principalmente, salvaguardar as fronteiras sucumbe por absoluta falta de recursos e, principalmente - é preciso ter coragem de dizer -, pela falta de vontade e decisão políticas.

Em rápidas palavras, para aqueles que porventura desconhecem o Programa, faço questão de fazer um breve histórico.

Criado em 1985, à época envolveu os Ministérios do Planejamento, das Relações Exteriores, da Fazenda, da Educação, da Saúde, os então Ministérios Militares e o extinto Ministério do Interior. Seus principais objetivos foram, e ainda são, além da questão da soberania e da integridade territorial da região, “a busca de alternativas que minimizem as desigualdades regionais; a superação das dificuldades impostas pelo meio ambiente ao desenvolvimento e a efetiva integração da região no contexto nacional”.

Os recursos iniciais do Programa, em 1985, foram de CZ$629 milhões, a moeda da época, hoje em torno de R$20 milhões.

Em sua fase dourada, o Projeto Calha Norte cumpriu rigorosamente seus objetivos da primeira etapa: construiu, ampliou e asfaltou 22 pistas de pouso, distribuídas nos Estados do Amapá, Roraima, Amazonas e Pará. Construiu bases navais, quartéis, conjuntos habitacionais, postos de saúde, escolas e hospitais. Reequipou instalações militares, adquiriu barcos para transporte, recuperou e abriu estradas... enfim, implementou os instrumentos necessários para a presença humana e deu condições de trabalho ao longo das linhas de limite em nosso País e vizinhos mais próximos.

O Projeto-Piloto, isto é, o marco do início do Projeto Calha Norte, aconteceu em Tabatinga, no Amazonas. Lá, foi construído um moderno centro administrativo, um entreposto pesqueiro, um auditório comunitário, uma avenida de 3,5 km de dupla via e um canteiro central ligando Tabatinga à cidade de Letícia, na Colômbia. Foram construídos e reformados prédios, onde, até hoje, estão funcionando os postos de serviço da Previdência Social, da Receita Federal e das Polícias Federal e Militar. Foi também elaborado um Plano-Diretor para a cidade e foram implantados os sistemas de limpeza urbana, captação e distribuição de água. Tabatinga, graças ao Programa Calha Norte, possui água tratada e esgoto sanitário em mais de 70% da área urbana, além do amplo hospital, com modernas instalações, mantido pelo Exército.

Mas com todo esse trabalho, com todas essas realizações e conquistas - além dos recursos aplicados em outros postos avançados ao norte das calhas dos rios Solimões e Amazonas -, por razões jamais explicadas satisfatoriamente, o declínio nos investimentos do Programa despencou, de forma brutal, três anos após sua criação, chegando a apenas 40% dos investimentos iniciais.

Em 1988, essa redução veio a 12,4%; em 1989 e 1990, ficou mantida em 6%; para, finalmente, a partir de 1991 até 1998, estagnar em míseros 3% dos recursos originais. Ou seja, a partir de 1988, os recursos para o único Programa de porte, até hoje elaborado exclusivamente para a Região Norte, nunca mais foram suficientes sequer para a manutenção das unidades e equipamentos instalados. Uma lástima, para dizer o mínimo, diante do potencial amazônico e pelo o que significa aquela região para o nosso País.

A passos largos e com tristeza - sentimento que acredito compartilharem comigo todos os colegas da Região Norte -, vimos ocorrer o inevitável abandono e sucateamento de tantos bens e serviços.

O pior, meus nobres Colegas, aconteceu em 1998, quando chegou às nossas mãos o Projeto de Lei Orçamentária para 1999. Pasmem V. Exªs., mas é verdade: naquele ano, o Programa Calha Norte foi, simplesmente, varrido do Orçamento. A tempo, felizmente, vimos a aberração e, de imediato, apresentamos emenda junto à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, propondo a inclusão de um subprojeto novo, destinando R$11 milhões para o mínimo necessário: a não falência total do Programa. Tais recursos serviriam para aquisição de equipamentos aos pelotões de fronteira; à construção de residências; manutenção de centrais hidrelétricas; combustível; alimentação, etc., além da implantação de uma estrada ligando Maturacá a São Gabriel da Cachoeira, trecho de apenas 65 km que, aberto, reduziria para algumas horas a viagem que, até hoje, se faz em três dias por uma arriscada via fluvial.

Graças ao empenho dos Parlamentares da Comissão Mista de Orçamento, conseguimos, naquele ano de 1988, aprovar R$5 milhões. Uma conquista e tanto, diante do zero que tínhamos. Infelizmente, diante dos cortes e contingenciamentos, soube que pouco mais de R$1 milhão havia sido liberado.

Antes disso, em abril de 1993, já percebendo o naufrágio do Programa, tomamos uma iniciativa: assinamos um requerimento pedindo a instalação de uma Comissão Especial Mista para reavaliar o Programa, aprovado em maio do mesmo ano. Instalamos a Comissão, formada por 11 Senadores e igual número de Deputados. O Senador Romeu Tuma foi eleito Presidente e a mim, honrada, coube a Relatoria. A Comissão também fez visitas in loco, para ver e ouvir as conquistas efetivadas pelo Programa.

Até hoje - e aqui conosco ainda estão, para ratificar as minhas palavras -, recordo-me dos testemunhos lúcidos dos Colegas Romeu Tuma e Carlos Patrocínio, que lá estiveram na condição de Relator ad hoc e Presidente, ambos relatando o arrojo do Programa, e, ao mesmo tempo, lamentando o abandono a que foi relegada tão grandiosa e importante obra.

Digo a V. Exªs que, ainda hoje, já passados cinco anos, se lerem o relatório final que elaborei, verão que continuam atualíssimas as reais necessidades de recursos para a continuidade do Programa.

Nossas preocupações aumentam, Sr. Presidente, quando sabemos que o PPA, o nosso Plano Plurianual, por nós aprovado em 1999, valendo ainda para os próximos dois anos, faz antecipada previsão de pouco mais de R$3 milhões anuais para o Programa Calha Norte. Diante do potencial amazônico e pelo que significa a região para o nosso País, tais recursos se comparam a um copo d'água no oceano de suas reais necessidades.

Sr. Presidente, meus nobres Pares, não julguem exacerbadas as palavras ao afirmar que só não ocorreu, ainda, a paralisação total graças ao estoicismo daqueles poucos brasileiros, civis e fardados, que lá permanecem, acredito, movidos única e exclusivamente pela fé na realização de um sonho.

Precisamos para o próximo Orçamento, Sr. Presidente, de muito mais do que R$3 milhões; precisamos, no mínimo, de R$15 milhões para o reinício dos passos estancados em 1988. Precisamos, a bem da verdade, atingir os R$22 milhões anuais destinados durante os anos de 1985, 1986 e 1987, para que esse Programa continue a trilhar os caminhos corretos do desenvolvimento ordenado e racional da Amazônia, uma Região onde a iniciativa privada jamais será presente e jamais investirá enquanto perdurar a falta de infra-estrutura mínima e um mercado consumidor.

É preciso imediata aplicação de recursos em infra-estrutura viária, implantação de centrais de energia elétrica, centros de telecomunicações e outras necessidades básicas à permanência do homem na hostilidade natural da floresta.

Urgentes, também, são as verbas que permitam os trabalhos de inspeção, recuperação e adensamento de marcos demarcatórios nos quase 6 mil quilômetros da linha de fronteira norte, além dos recursos indispensáveis para a construção de aeródromos, recuperação e pavimentação de pistas de pouso, ampliação de cais flutuantes e aquisição de pequenas embarcações e helicópteros. Mais urgentes ainda são os recursos para a reforma, conclusão e construção de novos postos avançados e para a manutenção da saúde, da educação, da proteção e da assistência não apenas às comunidades indígenas, mas extensivos aos núcleos populacionais ribeirinhos, urbanos e rurais, localizados ao longo da faixa de fronteira.

Esses valorosos anônimos e humildes irmãos se habituaram a benefícios sociais, tais como: as campanhas de vacinação, o acesso à educação e as vantagens de uma assistência médico-sanitária-odontológica das quais não podem mais prescindir.

A cada brasileiro deveria ser dada a oportunidade de conhecer de perto as realizações desses verdadeiros super-homens, expostos às mazelas de onde quase nada existe, mas que se orgulham de sua condição de marcos vivos a demarcar a nossa fronteira nos 22 postos avançados do Calha Norte, entre os quais destaco os pelotões de São Gabriel da Cachoeira, Pari-Cachoeira, Querari, Iauaretê, BV-8, Bonfim, Normandia, Surucucus, Uiacás, São Joaquim, Cucuí, e Maturacá.

Sr. Presidente, essa minha preocupação com o projeto Calha Norte sobreleva em importância e atualidade, diante das arremetidas dos países ricos, que, abertamente, contestam a soberania brasileira sobre a Amazônia, que, segundo eles, é um patrimônio da humanidade.

Com a globalização da economia e o conceito de soberania relativa, uma ameaça grave paira sobre a Amazônia. Hoje, não é mais segredo a existência de uma base militar americana na República de Guiana, fronteira com o nosso Município do Uiramutã, onde as ONGs estão incentivando os poucos índios - a maioria da comunidade indígena do Uiramutã aceita a construção do pelotão - a não aceitarem os pelotões. Negociam uma outra com a Venezuela e já fazem incursões de combate à guerrilha e ao narcotráfico na Colômbia.

Existe, portanto, para dizer o mínimo, um discreto posicionamento de efetivos estrangeiros no entorno da porção setentrional brasileira. Se não podemos superestimar esses perigos, também não podemos mergulhar a cabeça na areia como fazem os avestruzes diante das tempestades.

O Calha Norte é induvidosamente um notável instrumento para se contrapor a esses desafios. Ele vivifica, humaniza e fortalece nossas fronteiras. Não podemos mais ficar na expectativa de uma decisão. Estamos, dia após dia, adiando uma tomada de posição que pode desaguar em tardio arrependimento.

É preciso fazer para, no amanhã, não conjugarmos o deveríamos ter feito. Vamos, de uma vez por todas, conscientizarmo-nos de que o Calha Norte não é um programa da Região Norte, e, sim, um programa do Brasil para todos os brasileiros. São mais de onze mil quilômetros de fronteira e não devemos permitir que aquelas fronteiras continuem desabitadas. A conclusão do programa, em sua totalidade, só depende da alocação de mais verbas. Assim acontecendo, o Exército brasileiro conseguirá, com galhardia, concluir aquele eficiente programa.

Era isso que tinha a dizer, Sr. Presidente, meus nobres Colegas.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/04/2001 - Página 5911