Discurso durante a 36ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

ANALISE DO PROJETO DA NOVA LEI DAS SOCIEDADES ANONIMAS, QUE TRAMITA NO SENADO.

Autor
Paulo Hartung (PPS - CIDADANIA/ES)
Nome completo: Paulo César Hartung Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO COMERCIAL.:
  • ANALISE DO PROJETO DA NOVA LEI DAS SOCIEDADES ANONIMAS, QUE TRAMITA NO SENADO.
Publicação
Publicação no DSF de 19/04/2001 - Página 6523
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO COMERCIAL.
Indexação
  • ANALISE, PROJETO DE LEI, ALTERAÇÃO, LEI DAS SOCIEDADES ANONIMAS, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, NECESSIDADE, APERFEIÇOAMENTO, SENADO.
  • DEFESA, AUMENTO, DIREITOS, ACIONISTA MINORITARIO, DESENVOLVIMENTO, ECONOMIA NACIONAL.

O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o projeto da nova Lei das Sociedades Anônimas, aprovado pela Câmara dos Deputados no último dia 28 de março, chega ao Senado Federal sob uma verdadeira saraivada de críticas no que diz respeito aos direitos dos acionistas minoritários.

Trata-se de manifestações feitas na mídia que interpretam o Substitutivo da Câmara como talhado para servir aos interesses dos grupos controladores, criando todo tipo de dificuldades para a sobrevivência ou o surgimento de novos pequenos investidores no mercado acionário.

Tais críticas exigiram que eu efetuasse uma ampla reflexão sobre o assunto, uma vez que tenho me manifestado nesta Casa favoravelmente à necessidade de aprovarmos a matéria, dotando, assim, o País, o mais rapidamente possível, de uma legislação capaz de modernizar e dar transparência ao setor. Diante dos argumentos em discussão, creio que temos condições de produzir um trabalho, aqui no Senado, que corrija eventuais distorções cometidas no último Substitutivo apresentado e aprovado na Câmara dos Deputados.

Entre os críticos do Projeto está o Jurista Modesto Carvalhosa, que, em contundente artigo publicado no dia 3 de abril, no jornal O Estado de S. Paulo, comparou a nova Lei das Sociedades Anônimas à campanha abolicionista que culminou com a Lei Áurea. Destaquei alguns trechos do texto reproduzido pelo jornal:

Essa lei, que deveria ser a redenção dos minoritários, lembra muito a campanha abolicionista dos anos 70 e 80 do século XIX, que dividiu o País entre os abolicionistas e os conservadores, um lado achando que o progresso do País dependia da libertação dos escravos e, o outro, da manutenção do regime de servidão...

A campanha abolicionista evoluiu lentamente e foi avançando com leis intermediárias de libertação, para, finalmente, conduzir à Lei Áurea. No caso da proteção aos minoritários, que constituiu a bandeira e a razão da presente reforma da lei societária, verifica-se a mesma lentidão...

É a Lei do Sexagenário, promulgada por Dom Pedro II. Ao completar 60 anos, o escravo era liberto. O mesmo ocorre com os pobres minoritários e preferencialistas. Durante os próximos cinco anos, ficarão ainda sob a tutela dos controladores, que indicarão o representante dos mesmos no Conselho de Administração das Companhias...”

            Ou seja, os controladores, pelo projeto aprovado na Câmara, continuarão indicando o representante dos minoritários no Conselho de Administração das Companhias durante os próximos 5 anos, a partir da data de promulgação dessa lei, se aprovada aqui no Senado.

Continua o texto do ilustre jurista:

Nada mais caricato e paradoxal. Mas, também, o novo diploma societário lembra a Lei do Ventre Livre. Apenas nas empresas nascituras, os preferencialistas e os ordinaristas serão em igual número. Nas demais companhias, que nasceram anteriormente à lei ora votada, continua o mesmo regime de controle de companhia com menos de 17% das ações emitidas.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o jurista avalia também que a proposta aprovada nada mais faz do que confirmar a condição de acionista de segunda classe dos minoritários, que vem desde quando o Governo revogou o direito de receberam 100% do valor da venda das ações de controle para que eles não servissem de obstáculo ao Programa Nacional de Desestatização, particularmente à privatização do Sistema Telebrás.

Modesto Carvalhosa reconhece que “a lei votada restaura esse direito, porém, com abatimento: os minoritários receberão apenas 80% do valor pago aos controladores”. Ou seja, devolve-se uma prerrogativa tirada dos minoritários durante as privatizações, “ mas com deságio, sem qualquer justificativa moral, jurídica ou econômica para tanto”.

Com bastante veemência, Carvalhosa ataca o dispositivo que faculta ao controlador o direito de aprovar, numa lista tríplice, o membro do Conselho Fiscal que representará os minoritários. “O terceiro conselheiro eleito deverá receber a aprovação do controlador, o que constitui, na prática, uma farsa, na medida em que ele será o fiscalizado”. O Conselho Fiscal existe justamente para fiscalizar o grupo que controla a empresa de capital aberto.

Há restrições ainda ao projeto quanto aos critérios de remuneração dos dividendos e de fechamento das companhias que cerceiam os direitos dos minoritários sempre em favor dos controladores.

No primeiro caso, o Presidente da Associação Nacional dos Investidores do Mercado de Capitais (Animec), Waldir Correa, adverte: “o projeto estabelecia que o preço a ser pago deveria ser o valor econômico. Na última hora, incluíram seis possibilidades de cálculo, o que dá margem ao acionista majoritário escolher o que melhor lhe convier”. No outro caso, vários métodos de avaliação da empresa serão ao mesmo tempo aplicáveis, resultando numa verdadeira confusão cada fechamento de capital.

Já havia destacado desta tribuna que as novas funções atribuídas à Comissão de Valores Mobiliários representam um significativo avanço, já que a entidade ganhará autonomia para fiscalizar e regulamentar o mercado de ações.

Agora, constato manifestações no mesmo sentido que vêem a entidade como o caminho para corrigir eventuais vácuos jurídicos que a lei pode deixar quando concluída sua votação pelo Congresso Nacional. Do substitutivo que vem da Câmara dos Deputados, talvez o ponto mais importante e relevante seja o fortalecimento da CVM, a idéia de transformá-la em uma agência, com autonomia financeira, para que possa atuar não só fiscalizando o mercado de capitais, dando-lhe transparência, mas, ao mesmo tempo, regulando-o naquilo que a lei deixar vácuos.

O administrador Stephen Kanitz busca explicações num processo cultural para abordar, em artigo publicado na última edição da revista Veja, as razões do atraso das nossas empresas em relação ao mercado acionário. Trata-se de um belo artigo sobre o assunto.

Cita, então, pelo menos seis razões para explicar que o objetivo do empresário brasileiro é maximizar o controle acionário em detrimento do lucro - trata-se de uma interessante frase que extraí do artigo. Das razões mencionadas, destaquei três para que possamos refletir sobre o assunto.

A primeira: “nossos empresários preferem abrir mão do crescimento a perder o controle acionário, crescendo rapidamente. Fusões e incorporações para competir globalmente, nem pensar”.

Outra citação: “empresas americanas com funcionários acionistas não têm caixa dois nem sonegação. Todos são fiscais de si mesmos, para a alegria da Receita Federal”.

E a terceira razão: “nossos empresários preferem viver endividados a compartilhar a empresa com pequenos acionistas, gerando, assim, nossas constantes crises da dívida”. O que provoca o endividamento das nossas empresas, sejam elas de serviços ou indústrias.

Um dado ilustrativo de quanto estamos longe de um mercado de capitais forte, no qual o aporte de recursos seja garantido também pela valorização do investidor minoritário, é o número reduzido de empresas brasileiras com registro na Bolsa, apenas 564, enquanto até mesmo a Índia, que tem problemas econômicos e sociais mais graves que os nossos, mantém seis mil.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pode-se enriquecer este debate também com a proposta apresentada pelo Presidente do Banco de Boston, o brasileiro Henrique Meirelles, numa lúcida entrevista à revista Veja do dia 7 de março. Ele aconselha que o País crie leis transparentes para atrair investidores minoritários, sejam eles nacionais ou estrangeiros. Propõe, também, que as companhias abertas devam receber tratamento diferenciado da legislação tributária, lembrando que empresas que mantêm o seu capital aberto são transparentes para o Fisco.

Já disse aqui em outros pronunciamentos e volto a frisar que, se aprovarmos a nova Lei das Sociedades Anônimas, a reforma tributária e a regulamentação do art. 192 da Constituição, que trata do sistema financeiro nacional, estaremos seguramente dando um importante passo para consolidar um modelo de desenvolvimento auto-sustentado para o nosso País.

Trabalhamos muito naquelas reformas ditas macroeconômicas. Agora, precisamos avançar bastante nas reformas microeconômicas, para diminuir a incidência de impostos em cascata na cadeia produtiva brasileira, desonerando a produção e reduzindo o custo de capital em nosso País, um dos mais altos do mundo. Não há como produzir, em nosso País, com qualidade, preço adequado e competitivo para o resto do mundo se não temos capacidade de financiar os bens, produtos e serviços a serem consumidos nos diversos mercados.

Por tudo o que foi dito sobre a matéria, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores - a Lei das Sociedades Anônimas -, entendo que o Senado Federal está diante de um dilema, sobre o qual temos que refletir: ou ratificamos o substitutivo aprovado na Câmara dos Deputados, referendando as injustiças que possam vir a ser cometidas contra os minoritários, ou nos debruçamos detidamente sobre ele para otimizá-lo, de modo a corrigir essas distorções e ampliar os direitos do pequeno investidor.

Gostaria, ainda, de fazer uma observação: existe o receio - penso que das forças situadas na base do Governo - de que o projeto seja alterado no Senado e tenha que voltar à Câmara, onde o forte lobby dos grupos controladores das empresas de capital aberto, das empresas que têm ações em bolsas de valores, poderia paralisar a sua tramitação e impedir a consolidação dos pequenos avanços do substitutivo que chegou ao Senado há poucos dias e que ontem foi despachado para as Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania e Assuntos Econômicos. Ou seja, há o temor de que essa lei seja engavetada, com o intuito da obstrução, da pressão ou em razão do entendimento atrasado do que significa a modernização do mercado de capitais em nosso País, muitas vezes confundida com a desnacionalização das nossas empresas, argumentos que ouvi e li, quando essa matéria tramitava na Câmara dos Deputados.

Esse é um dilema que temos de resolver. De minha parte, reconheço que não seria prudente aprovar a nova lei das sociedades anônimas de forma açodada. Na verdade, essa é uma lei que deveria ter passado por um processo de modernização e atualização há muitos anos. Penso que o açodamento pode ser inimigo da qualidade legislativa, da produção legislativa que redunde numa lei moderna que contemple os anseios do mercado e dê poder efetivo aos minoritários nas empresas de capital aberto, nas empresas que têm ações nas bolsas de valores.

Mais do que nunca, Sr. Presidente, deve valer, neste momento, o preceito de ser esta a Casa revisora do Congresso Nacional. Por isso, defendo o aperfeiçoamento desse projeto.

Quero até dirigir a minha palavra aos futuros Relatores que serão indicados na CJC e na CAE. Conclamo também os colegas Senadores a discutir amplamente o projeto. Cito o trabalho de excelente qualidade do Deputado Emerson Kapaz - estou até reapresentando o seu substitutivo para discussão nesta Casa - e o do Deputado Antonio Kandir, que sofre muitas críticas, mas contempla alguns avanços muito importantes, como a modernização da CVM.

O projeto apresenta avanços, mas, na minha opinião, precisa ser aperfeiçoado, para tornar o mercado acionário mais justo, produtivo e um importante instrumento da diminuição do custo de capital, do custo de financiamento, possibilitando a modernização da produção em nosso País, o aumento da qualidade e da competitividade de nossos produtos.

Era essa a contribuição que queria dar. Espero que o Senado possa acolher, com respeito, o trabalho que foi feito na Câmara e, aprofundando o debate, aperfeiçoar o projeto.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/04/2001 - Página 6523