Discurso durante a 36ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMEMORAÇÃO, NO PROXIMO DIA 18 DO CORRENTE, DO DIA NACIONAL DO LIVRO, DATA ESCOLHIDA EM VIRTUDE DO NASCIMENTO DO ESCRITOR MONTEIRO LOBATO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. EDUCAÇÃO.:
  • COMEMORAÇÃO, NO PROXIMO DIA 18 DO CORRENTE, DO DIA NACIONAL DO LIVRO, DATA ESCOLHIDA EM VIRTUDE DO NASCIMENTO DO ESCRITOR MONTEIRO LOBATO.
Publicação
Publicação no DSF de 19/04/2001 - Página 6576
Assunto
Outros > HOMENAGEM. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, COMEMORAÇÃO, DIA, LIVRO, MOTIVO, ESCOLHA, DATA, NASCIMENTO, MONTEIRO LOBATO (SP), ESCRITOR, LITERATURA INFANTIL, IMPORTANCIA, CRIANÇA, LEITURA, INFLUENCIA, FORMAÇÃO, INFANCIA.
  • ANALISE, IMPORTANCIA, LIVRO, CRITICA, POPULAÇÃO, AUSENCIA, LEITURA, GOVERNO FEDERAL, FALTA, APOIO, LITERATURA, EDUCAÇÃO.
  • ELOGIO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), INICIATIVA, DISTRIBUIÇÃO, LIVRO DIDATICO, DEFESA, INCENTIVO, LEITURA.

            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, comemora-se neste 18 de abril o Dia Nacional do Livro. Essa data foi escolhida por assinalar o nascimento de um grande brasileiro - escritor excepcional, homem de ação incansável e corajoso, ser humano admirável. Entre tantos feitos notáveis da vida de José Bento Monteiro Lobato, há um que nos cala mais fundo - em mim e em tantos outros brasileiros. Impossível, para todos aqueles que leram Monteiro Lobato na infância, falar nele com distanciamento ou neutralidade.

            Para os que tiveram a sorte e a felicidade de ler sua literatura infantil, Monteiro Lobato é mais do que o mestre: ele é o amigo, aliado e cúmplice em incontáveis aventuras, na descoberta de terras fabulosas do saber e da imaginação. O escritor paulista, que em certo momento, declarou-se “enjoado de escrever para marmanjos”, jamais subestimou os cérebros infantis. Seus livros obtiveram, assim, como resposta, a adesão entusiasmada e o florescimento, livre e exuberante, de muitas cabeças em formação. Pois não é apenas quando tratava, de um modo lúdico e altamente eficiente, dos conteúdos das ciências e de diversas disciplinas escolares - como nos livros Serões de Dona Benta, História do Mundo para Crianças e Emília no País da Gramática - não é apenas então que Monteiro Lobato ensinava - e influía decisivamente na formação de seu público miúdo.

            Já sabíamos, de modo intuitivo, que ninguém atravessa impunemente o mundo maravilhoso criado por Monteiro Lobato; que ninguém sai o mesmo do Sítio do Picapau Amarelo. Uma tese, defendida por José Roberto Penteado na Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1996, foi mais longe, mostrando, com base em pesquisas realizadas com adultos brasileiros entre 40 e 60 anos, como a grande maioria dos que leram Lobato na infância “absorveram ... valores como o nacionalismo, o respeito pela individualidade e pela democracia, a conscientização para problemas sociais como o da mulher”, ao mesmo passo que “abriram-se para um cabedal de conhecimentos que se estendia da mitologia grega à geografia, à história universal, à ciência e ao folclore nacional”1.

            Não pretendo aqui estender-me sobre o fantástico mundo engendrado pela literatura infantil de Lobato. Nem é este o momento para explorar melhor a fascinante personalidade, tantas vezes polêmica, do seu criador. Permito-me apenas assinalar sua excepcional importância na renovação da produção editorial brasileira; sua apaixonada liderança na campanha pelo petróleo nacional, que lhe custou mais de uma estadia nas prisões do Estado Novo; seu entusiasmo pela vibrante dinâmica do capitalismo norte-americano, assim como sua indignação com o tratamento dado pelas elites ao povo brasileiro, que o fez aproximar-se, perto do fim de sua vida, do Partido Comunista, sem perder, contudo, sua postura independente.

            Antes de passar àquele que deve ser o tema central deste pronunciamento, não me furtarei a citar uma curiosa passagem de Lobato. Voltei minha atenção para este trecho ao percorrer um volume já amarelecido de O Minotauro, renovando emoções há muito vividas e experimentando algumas novas. Quem leu os livros de Monteiro Lobato que tratam da antiga Grécia, tanto a histórica como a mitológica, sabe com que vigor ele lhe insufla nova vida, passando a impregnar o espírito jovem que se dispõe a percorrê-la. Pois bem, mal se inicia a expedição à Grécia antiga em O Minotauro, Lobato, buscando explicar o famoso milagre grego na voz sábia de Dona Benta, diz que o clima de liberdade em que viviam os helenos representou o fator decisivo. E para arrematar a explicação, sai-se com esta: “A Grécia, meus filhos, foi o Sítio do Picapau Amarelo da antigüidade, foi a terra da Imaginação às soltas. Por isso floresceu como um pé de ipê.”

            Os livros continuam sendo instrumentos preciosos e imprescindíveis para que nossas crianças dêem asas a sua imaginação, cultivem a liberdade do espírito e floresçam como um pé de ipê. Sabemos, entretanto, que os brasileiros, em média, lêem pouco. As estatísticas de vendas de livros nos dão, para o ano de 1999, o consumo de 1,8 livro por habitante. Essa taxa situa-se bem abaixo das de nossos vizinhos Uruguai, Argentina e Chile, que ficam em torno de 4 livros per capita ao ano, para não falarmos dos países europeus desenvolvidos, onde a taxa oscila de 15 a 25 livros.

            É evidente que, no mundo contemporâneo, o livro, como instrumento de informação e formação, não detém a mesma centralidade que antes lhe cabia. Temos um bom número de revistas interessantes disponíveis em qualquer banca da esquina. Temos a televisão, que agora multiplica as opções oferecidas com a TV por assinatura. Temos esse fantástico meio de acesso a uma quantidade de informações que nos parece próxima da infinitude, representado pela Internet. Temos, enfim, o CD-Rom e o chamado e-book, ou livro digital.

            Impõe-se a pergunta se o livro tradicional continua, de fato, sendo tão essencial e imprescindível para nós - como no tempo em que Lobato clamou que “um País se faz com homens e livros”. É preciso demarcarmos bem a questão, para focalizarmos o melhor possível seu ponto ou pontos centrais. Não há dúvida de que a abordagem correta desses diferentes meios de informação e comunicação é a de que eles não devem ser tratados como excludentes, mas sim como complementares. Bons programas de televisão, por exemplo, podem incentivar a curiosidade intelectual e a leitura de livros.

            Isso é particularmente verdadeiro, ao que nos parece, no caso daqueles meios que se utilizam da palavra escrita, seja qual for o seu suporte. Essencialmente, não faz tanta diferença se alguém lê o Dom Casmurro como um livro eletrônico ou no formato tradicional de folhas de papel impressas e encadernadas - embora esse último meio me pareça mais íntimo e confortável. Não podemos tampouco ignorar as fantásticas possibilidades de acesso ao conhecimento e de desenvolvimento intelectual que a Internet oferece para a humanidade, de forma cada vez mais barata e democrática.

            É de se assinalar que a tendência mais característica dos novos meios comunicativos é a de uma cultura do mosaico, em que inúmeros fragmentos se dispõem e se sobrepõem para os navegantes do oceano da informação. No sentido da leitura formativa, ao mesmo tempo intensa, profunda e continuada, alimentadora dos vôos mais arrojados do espírito humano, o velho livro ainda parece ser imbatível. Pelo menos, há que se reconhecer que ele tem direito a um espaço indisputável - ao qual é essencial, para nossas crianças, jovens e adultos, ter acesso.

            Devemos enfatizar também, Srªs e Srs. Senadores, que a prática reduzida da leitura, principalmente dos livros, não se deve tão somente a uma questão de escolha individual. A cultura do livro em nosso País, tantos anos após o importante empreendimento editorial de Monteiro Lobato, ainda é parcamente desenvolvida. Boa parte disso resulta da crônica incapacidade do Estado de oferecer uma educação de qualidade à maior parte de nossa população, juntamente com uma política cultural séria e consistente.

            Podemos imaginar, Srªs e Srs. Senadores, o que poderia ser o Brasil hoje se a maior parte da sua população tivesse tido acesso aos livros infantis de Lobato, aproximadamente na época em que eles foram lançados. Isso, no entanto, não teria sido possível, já que, dois anos após a sua morte, ou seja, em 1950, apenas 43% da nossa população adulta era composta de pessoas alfabetizadas.

            Hoje em dia, passados mais de 50 anos, com a taxa de analfabetismo situada em uns 13%, nossas lutas devem se concentrar na garantia de que toda a população brasileira possa concluir o ensino fundamental. Sabemos, entretanto, que essa educação permanecerá com uma séria lacuna se nossos estudantes não adquirirem o gosto e o hábito da leitura. A prática habitual da leitura não apenas nos ensina o prazer do conhecimento, como estimula nossas mentes a andar por sua própria conta, aventurando-se pelas paisagens intelectuais as mais diversas, ricas e surpreendentes. Ao contrário do que demonstra a tendência predominante de nosso processo cultural, os livros não existem tão somente para aqueles que se encontram na escola. A aventura da leitura representa um permanente abrir de caminhos e transpor de fronteiras para aqueles que a praticam, independentemente da idade. Afinal, sempre é tempo de aprender!

            Entre tantos meios de que dispomos para estimular a leitura em nosso País, dois dos mais importantes - quiçá os mais importantes - são o incentivo à leitura na escola, assim como a presença efetiva e acessível da biblioteca pública. Nós temos cerca de 4.000 bibliotecas públicas no País - um número pequeno para nossos 5.500 municípios - e também para nossa população, já que teríamos, em média, uma biblioteca para 40.000 habitantes. Nossas bibliotecas públicas contam, em sua maioria, com um acervo pequeno, cumprindo uma função semelhante à biblioteca escolar. A biblioteca e seus profissionais podem ter um papel de relevo no sentido de, nas palavras de Emir José Suaiden, “dedicar esforços à formação do leitor para despertar nele o interesse de ler, estimular sua atividade positiva e seu gosto pelos livros e facilitar o acesso a materiais e atividades que consolidem seus hábitos de leitura”2.

            Lembra igualmente esse especialista que “uma das causas dos fracassos das reformas qualitativas da educação é a atenção inadequada e insuficiente que se dá ao problema da leitura”. A própria escola tem, decerto, uma função primordial a cumprir na formação de jovens leitores. Devemos reconhecer a importância da iniciativa do Ministério da Educação em passar a distribuir não apenas livros didáticos, mas também de ficção e de interesse geral para escolas públicas de 1ª a 4ª série. A partir do mês de março, o MEC iniciou a compra de 4,9 milhões de livros com as referidas características, para serem distribuídos às escolas públicas. No entanto, de acordo como o Censo Escolar do próprio Ministério, referente a 1998, 49% das escolas de 1º e 2º graus com cem alunos ou mais ainda não dispõem de biblioteca. 

            Não basta, tão somente, garantir o acesso ao livro, ponto que ainda é bastante mal contemplado em nosso País. É preciso inserir o convívio com o livro na dinâmica escolar. Nesse sentido, são importante tanto os livros que tenham uma proximidade com a realidade diretamente vivida por nossos estudantes, como aqueles que, de algum modo, dela se distanciam, podendo assim ampliar o universo de temas e de linguagem dominados pelos alunos. Nosso ensino, que sofreu um intenso processo de massificação nas últimas décadas, afastou-se demasiadamente do contato com o livro, na busca da simplificação pedagógica e da eficácia quantitativa. 

            Concluímos, portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, enfatizando que, nesta era da eletrônica e da informática, o livro continua sendo, seguramente, um instrumento imprescindível para a formação de nossos cidadãos, assim como para o seu permanente aperfeiçoamento. O uso das imensas possibilidades intelectuais e culturais oferecidas, por exemplo, pela Internet, será tanto mais consistente, rico e criativo quanto mais desenvolvido estiver, em nosso País, o gosto e o hábito da leitura de bons livros.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/04/2001 - Página 6576