Discurso durante a 37ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE A NECESSIDADE DE POLITICA GOVERNAMENTAL DESTINADA AO ATENDIMENTO DAS COMUNIDADES INDIGENAS. IMPORTANCIA DA ATUAÇÃO DO EXERCITO BRASILEIRO NA REGIÃO DA AMAZONIA BRASILEIRA.

Autor
Marluce Pinto (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
Nome completo: Maria Marluce Moreira Pinto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA INDIGENISTA.:
  • REFLEXÕES SOBRE A NECESSIDADE DE POLITICA GOVERNAMENTAL DESTINADA AO ATENDIMENTO DAS COMUNIDADES INDIGENAS. IMPORTANCIA DA ATUAÇÃO DO EXERCITO BRASILEIRO NA REGIÃO DA AMAZONIA BRASILEIRA.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/2001 - Página 6680
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA NACIONAL, INDIO, NECESSIDADE, DEBATE, POLITICA INDIGENISTA, GARANTIA, EXERCICIO, CIDADANIA, RESPEITO, CULTURA.
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, EXERCITO, ELOGIO, ATUAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO NORTE, PELOTÃO, FRONTEIRA, GARANTIA, SOBERANIA NACIONAL.
  • CRITICA, OMISSÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), ATENDIMENTO, INDIO, AUSENCIA, CRITERIOS, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, SUSPEIÇÃO, INTERESSE, POLITICA INTERNACIONAL, AMEAÇA, SOBERANIA, BRASIL, REGIÃO AMAZONICA, ALEGAÇÕES, PROTEÇÃO, RESERVA INDIGENA.
  • DEFESA, DIRETRIZ, POLITICA INDIGENISTA, VALORIZAÇÃO, CIDADANIA, CULTURA, GARANTIA, ACESSO, SERVIÇOS PUBLICOS, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA.

A SRª MARLUCE PINTO (PMDB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, 19 de abril, comemora-se o Dia do Exército Brasileiro e o Dia do Índio. Não sei se por coincidência, também é o dia, no calendário cristão, consagrado a Santo Expedito, o santo dos aflitos e desesperados, a quem os católicos entregam as causas urgentes de difícil solução.

Portanto, hoje não é apenas um dia de exaltação do papel histórico de nossos índios no processo de construção de nossa sociedade. Além das homenagens, a data também serve para uma profunda reflexão sobre uma mais adequada e justa política que permita aos silvícolas a garantia do pleno exercício da cidadania, do respeito ao seu habitat, seus valores morais, seus costumes e sua cultura.

Um Estado, para ser verdadeiramente democrático, precisa necessariamente respeitar as diversidades culturais e étnicas que sob ele se abrigam.

Volto no tempo, Sr. Presidente, e lembranças do passado me fazem refletir sobre os descendentes daqueles que, em 1500, pacificamente receberam Cabral na Ilha de Vera Cruz. Dos seis milhões de outrora, espalhados por todos os quadrantes da Terra de Santa Cruz, pouco mais de trezentos mil povoam hoje este País chamado Brasil.

Foram necessários quatrocentos e dez anos para que a consciência nacional - talvez não suportando o peso da injustiça contra eles praticada - instituísse, em 1910, o primeiro órgão voltado a sua assistência: o SPI - Serviço de Proteção ao Índio, órgão, aliás, inspirado pelo Marechal Cândido Mariano Rondon e cujos princípios eram “a defesa dos indígenas contra o extermínio e a opressão, dando-lhes meios para a adoção das artes e indústrias da sociedade brasileira, porém sem a responsabilidade de catequese”, isto é, respeitando-se sua cultura e seus costumes.

E ao declinar o nome do Marechal Cândido Rondon, não deixo passar a oportunidade sem exaltar o Exército brasileiro, cujo dia de hoje também é a ele dedicado. Faço minhas as palavras de todos quanto aqui teceram merecidos elogios ao nosso Exército. Complemento-as, todavia, com o meu testemunho do trabalho dessa instituição na Região Norte.

Digo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com convicção e por de perto conhecer que, se não fosse a presença dessa laboriosa força lá nos rincões quase esquecidos da Amazônia brasileira, há muito o caos lá estaria instalado.

A presença pontual e assídua dos pelotões de fronteira, disseminados ao longo das calhas dos rios Negro e Solimões e das linhas de limite entre nosso País e vizinhos mais próximos, é o que garante nossa soberania e marca nossa presença na inóspita selva amazônica.

Com a lucidez de quem na Amazônia vive, afirmo que só não ocorreu ainda a paralisação do Programa Calha Norte - entre outros trabalhos de significância ímpar de nosso Exército na região -, graças ao trabalho laborioso daqueles brasileiros fardados que lá permanecem, movidos pela fé nos ditames de sua luta e crença na grandeza do Brasil.

Nossas comunidades - índias e não índias -, nos dias de hoje, têm consciência do quanto devem ao Exército brasileiro e aos bravos homens que o compõem.

A verdade, Sr. Presidente, é que as comunidades indígenas foram e ainda são objeto de inúmeras violências, a ponto de seu contingente populacional ficar reduzido a pouco mais que 0,2% da população brasileira nos dias atuais. Ao todo, são 210 etnias que se comunicam por meio de 170 idiomas identificados.

Um rosário de atitudes negativas, somadas a interesses escusos, impunidade, omissão de autoridades e a convivência com grupos marginais da população branca, permitiram, infelizmente, que chegássemos a esse processo de destruição do habitat e à degeneração dos costumes de nossos silvícolas.

Em síntese, a questão indígena em nosso País continua seriíssima e não pode, num jargão popular, continuar sendo ‘empurrada com a barriga”, eternamente subordinada a discussões estéreis e emocionais. Como não pode também a Funai, órgão máximo para as questões indígenas neste País, resumir suas atribuições numa insana política voltada quase que exclusivamente para a demarcação de áreas indígenas.

Realmente não sei se a Funai, nos dias atuais, cumpre suas reais atribuições concernentes às causas mais justas dos povos indígenas. O que vejo acontecendo são reuniões trimestrais de avaliação em gabinetes atapetados de Brasília, enquanto nossos índios permanecem a centenas de quilômetros de distância, relegados ao abandono e carentes de quase tudo.

Se algo de podre um dia cobriu o reino da Dinamarca, resíduo da coisa, parece, se abateu sobre a Funai.

Não entendo, realmente, essa furiosa ação da Funai. Com seu determinismo insano em demarcar áreas e mais áreas, sem critérios mínimos justificáveis ou respeito aos cidadãos, sejam índios ou não. Não entendo, mas faço idéia.

Hoje, 19 de abril, já são 563 as reservas indígenas oficialmente demarcadas em solo pátrio. Somam aproximadamente 98 milhões de hectares e equivalem a 11,34% do Território Nacional. Além dessas, 34 estão em processo de demarcação e outras 62 em estudo para futura demarcação.

O mais grave, Sr. Presidente, é que das 34 em andamento, 17 são sob a custódia, para não dizer ingerência, do PPTAL, o Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal, órgão financiado pelos 7 grandes, o conhecido G-7. Esse fato é no mínimo estranho.

Apenas três Estados: o Amazonas, o Pará e Roraima, abrigam mais de 50% do total de silvícolas existentes no País. O Amazonas, com 89 mil índios; o Pará, com 45 mil e Roraima, com 37 mil.

Em extensão de terras destinadas aos índios, apenas esses três Estados contribuem com mais de 70 milhões de hectares, ou seja, com quase 70% do total de hectares destinados aos índios em todo o Território Nacional. O Amazonas contribui com aproximados 35 milhões de hectares; o Pará com mais de 22 milhões e Roraima com 13 milhões.

No Estado do Amazonas, na região conhecida como Cabeça do Cachorro, foram demarcadas 10 milhões e 600 mil hectares em área contínua para abrigar menos do que 30 mil pessoas. A área é superior à de Cuba.

No caso específico de Roraima, as terras indígenas ocupam mais de 60% de todo o Estado.

Em percentuais: 12% do Acre; 23% do Amazonas; 10% do Amapá; 21% do Pará; 20% de Rondônia; 7% do Tocantins e quase 60% de Roraima são reservas indígenas.

Percebem V. Exªs que o Norte do País, a Amazônia brasileira, o “pulmão da Terra”, como dizem lá fora, está se tornando uma imensa área de reserva indígena.

Nossas fronteiras, a partir de Roraima, seguindo em direção ao oeste, passando pelo Amazonas, toda a fronteira Acre/Peru, até o limite sul de Rondônia, estão totalmente bloqueadas, seja por reservas indígenas, seja por reservas florestais intocáveis. Com o agravante de que a maioria dos rios - fontes de águas potáveis que representam um quinto de toda a água doce do Planeta - estão encravados dentro dessas reservas, como são os casos de todas as nascentes do Calha Norte, os afluentes e formadores dos rios Javari, Purus, Madeira, Tapajós e Xingu, etc.

A própria Funai reconhece que a soma das áreas indígenas em solo brasileiro superam às da Alemanha, Bélgica, Espanha, França, Holanda e Portugal, todos reunidos.

A voracidade da Funai em demarcar terras indígenas, pelo andar dessa carruagem, não tem limites de fronteiras e nem no tempo. Vale a pena lembrar aqui que por duas vezes, por cláusulas constitucionais nas Cartas de 1967 e 1988, foram estabelecidos prazos para conclusão dos trabalhos de demarcação de terras indígenas existentes no País. O último prazo estabelecido na Constituição de 1988 expirou em outubro de 1993, sem que a Funai concluísse os seus trabalhos. Mas os trabalhos continuam. Até quando? Que forças ocultas serão essas que superam prazos até mesmo da Carta Magna Nacional?

Esses fatos, meus nobres Colegas, é que nos fazem repudiar a manutenção dessa atual, confusa e insensata política indigenista voltada quase que exclusivamente para a demarcação de reservas. Os objetivos não são claros, geram apreensão, tolhem nossa integridade territorial e põem em risco nossa soberania. Afinal, 12% de nosso território, onde repousam riquezas incalculáveis - de fauna, flora, minérios e água doce -, a nós próprios estamos tornando inacessíveis. Enquanto isso, o mundo inteiro - não é novidade nenhuma - faz as mais esdrúxulas, arrogantes e firmes declarações sobre a nossa limitada e restrita soberania sobre a Amazônia, o que consideram um “patrimônio da humanidade”.

            Querem, a bem da verdade, nos “tapar o sol com a peneira”...

Precisamos enxergar que o mundo está mudando e, junto com o mundo, também o Brasil exige mudanças. Vivemos um mundo globalizado, onde o avanço tecnológico, as leis de mercado e as adequações socioeconômicas são exigências quase diárias. Com tudo isso, não nos é mais permitido viver à sombra de leis e normas quase seculares, antiquadas e, mais grave ainda, quando tratam de seres humanos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não podemos mais continuar no chove-não-molha de uma política onde a norma e a prática se distanciam cada vez mais.

A questão indígena brasileira exige propostas que estabeleçam diretrizes e ações concretas, práticas, que permitam ao índio o exercício pleno de sua cidadania, sem violar sua vida, seus conceitos, seus valores e sua cultura; que permitam ao silvícola a possibilidade de seu acesso aos frutos do progresso econômico e social e, principalmente, que lhes permitam a convivência, em alguns casos, com as comunidades não índias.

Se assim não fizermos, estaremos contribuindo para um eterno e aparente isolamento de nossos índios. E digo “aparente”, porque não é de hoje - e sabemos muito bem disso -, que são inúmeros os grupos de pessoas, nacionais e estrangeiras, cujos interesses raramente se embasam na filantropia e que se movimentam junto às comunidades indígenas com projetos os mais estranhos, não raramente violentando sua vida, seus conceitos, seus valores e sua cultura.

É irreal e desumana, para nós e para a maioria dos nossos grupos indígenas, a idéia de querer mantê-los distantes de benefícios aos quais se acostumaram e deles já não podem mais prescindir.

O índio, em minha concepção, tem o direito não só à vida e à liberdade. A política de valorização da cidadania indígena não só deve ter como preocupações permanentes impedir agressões ao seu meio ambiente, cuidar de sua sobrevivência e preservar os seus costumes. Antes e acima de tudo, tenho comigo que uma correta política de trato ao silvícola deve, principalmente, permitir-lhe o acesso aos bens e serviços públicos básicos que lhe garantam uma existência digna. É crucial que seja definida, de maneira clara, a forma de convivência das comunidades indígenas com seus irmãos caboclos, mestiços, mulatos e brancos, fisicamente próximos.

Mais urgente é deixarmos bastante claro e explícito que a política do governo em relação às comunidades indígenas não pode se restringir em demarcar reservas. 

Nossos índios clamam por melhores condições de vida e merecem amplo apoio nas áreas de saúde, educação, saneamento básico, etc., de forma a que tenham, no mínimo, melhor organização em suas atividades produtivas, dentro do marco de preservação de sua identidade e valores culturais.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao referir-me, no início de meu pronunciamento, que, neste 19 de abril, além do Dia do Índio, também se comemora o Dia de Santo Expedito e do Exército, não o fiz aleatoriamente. Eu o fiz por ter esperança e fé. Esperança de que teremos forças para mudar essa absurda realidade e fé de que índios e não índios continuarão irmanados em busca de uma sociedade mais justa, mais feliz e menos desigual.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senadora Marluce Pinto, V. Exª me permite um aparte?

A SRª MARLUCE PINTO (PMDB - RR) - Com prazer, ouço V. Exª.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senadora Marluce Pinto, cumprimento V. Exª pelo pronunciamento em homenagem ao Dia do Índio. Hoje de manhã, houve uma homenagem na W/3 Sul, na praça em que ocorreu o triste episódio da morte do índio Galdino há quatro anos. Em complemento à manifestação que V. Exª faz com respeito à situação dos índios no Brasil, conclamando todos a realizarem um trabalho que permita o direito à existência com dignidade para todos no Brasil, índios e não índios, registro que, entre os familiares do índios pataxó Galdino, estavam presentes índios representantes de 21 Estados. A mãe do índio Galdino recordou a vida de seu filho, a sua luta, e disse, com muita emoção, que conseguia ver ali apenas o retrato dele, no monumento ali erguido em sua homenagem. Faço este registro em complemento ao pronunciamento de V. Exª.

A SRª MARLUCE PINTO (PMDB - RR) - Senador Eduardo Suplicy, o aparte de V. Exª me honra muito. Solidarizo-me com a família do índio Galdino e com todas as comunidades indígenas. As palavras de V. Exª foram muito importantes para o meu pronunciamento, principalmente por se tratar de um representante do Estado de São Paulo e por se interessar pelos assuntos indígenas. Isso nos mostra, mais uma vez, toda a sua solidariedade não só com os problemas de seu Estado, mas do nosso País como um todo. V. Exª também reconheceu que todos devemos realizar um trabalho em conjunto para melhorar a situação do índio.

Não sou contrária à demarcação das terras, mas o que me preocupa é que só se lembram de demarcarções de terra, mas o índio não come terra. O índio precisa de algo mais. Precisa preservar a sua cultura, mas necessita ter uma vida digna.

Mais uma vez, solidarizo-me com o meu nobre colega Eduardo Suplicy, pela sua sinceridade e sensibilidade. Trabalhando juntos tenho certeza de que alcançaremos nossos objetivos.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/2001 - Página 6680