Discurso durante a 37ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CRITICAS AO AFASTAMENTO DO EMBAIXADOR SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES DA PRESIDENCIA DO INSTITUTO DE PESQUISAS DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. SENADO.:
  • CRITICAS AO AFASTAMENTO DO EMBAIXADOR SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES DA PRESIDENCIA DO INSTITUTO DE PESQUISAS DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/2001 - Página 6683
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. SENADO.
Indexação
  • PROTESTO, INJUSTIÇA, ERRO, DECISÃO, CELSO LAFER, MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), DEMISSÃO, SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES, EMBAIXADOR, CARGO PUBLICO, DIRETOR, INSTITUIÇÃO DE PESQUISA, RELAÇÕES INTERNACIONAIS, ALEGAÇÕES, DIVERGENCIA, REFERENCIA, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA).
  • APREENSÃO, DECISÃO, DEMISSÃO, EMBAIXADOR, MOTIVO, COMPROMETIMENTO, GOVERNO, CRIAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), OMISSÃO, ESCLARECIMENTOS, OPINIÃO PUBLICA.
  • ESCLARECIMENTOS, AUSENCIA, OFENSA, ORADOR, JOSE ROBERTO ARRUDA, SENADOR, EXPECTATIVA, APURAÇÃO, VIOLAÇÃO, VOTAÇÃO ELETRONICA, SESSÃO SECRETA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Senador Mauro Miranda, que preside a sessão neste momento, inicialmente, aviso ao Senador José Roberto Arruda que, ao final deste meu pronunciamento, em que farei uma análise da decisão do Ministro das Relações Exteriores Celso Lafer de afastar do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, falarei a respeito das palavras com que S. Exª se referiu a mim em aparte ao Senador Romero Jucá.

Quero fazê-lo diante do Senador José Roberto Arruda. Caso S. Exª se encontre nas dependências do Senado e consiga chegar aqui nos próximos cinco minutos, terá a oportunidade de ouvir as minhas palavras pessoalmente.

Venho a esta tribuna para somar o meu protesto a muitos protestos ocorridos nos últimos dias contra uma decisão recente do Ministro Celso Lafer. Uma decisão indigna, que merece o repúdio de todos os brasileiros preocupados com o futuro de nosso País. Refiro-me à demissão do Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães do cargo de Diretor do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais do Itamaraty. Senador Mauro Miranda, informo que conheço, há muitos anos, o Ministro Celso Lafer, especialmente porque fomos colegas, em São Paulo, na Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas: ele, professor do Departamento de Ciências Jurídicas, Sociais e Políticas, eu, do Departamento de Planejamento e Análise Econômica. Então, tantas vezes ali convivemos, tantas vezes ali compartilhamos o ambiente acadêmico de liberdade de pensamento e expressão, que, na escola, era algo fundamental.

Na última terça-feira, fui convidado pelo Embaixador do Reino Unido para um almoço em homenagem ao Diretor do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford, Leslie Bethell. Na ocasião, encontrei-me com o meu colega, que não é mais professor da Getúlio Vargas - eu ainda o sou - e lhe avisei que, nesta semana, faria um pronunciamento de avaliação crítica da decisão por ele tomada. Hoje, faço-o com o maior respeito e companheirismo. Eu lhe havia dito que cometera um engano. 

Em artigo publicado, hoje, na Folha de S.Paulo, o Ministro Celso Lafer tenta justificar a sua decisão, relacionando-a à questão da Alca. O artigo não acrescenta informações ou argumentos novos, mas confirma que a demissão teve cunho político, tendo decorrido de manifestações públicas do Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães acerca da questão da Área de Livre Comércio das Américas - Alca.

A decisão me parece descabida - e são muitos os que comungam dessa avaliação. A Folha de S.Paulo, em editorial recente dedicado a essa decisão de Lafer, condenou-a em termos duros - considero que corretamente. Diversos jornalistas de peso, entre eles Élio Gaspari, Jânio de Freitas e Arnaldo Jabor, manifestaram o seu espanto e a sua discordância com a decisão de demitir o Embaixador. Vai ficando cada vez mais claro que Celso Lafer e seus auxiliares cometeram não só uma injustiça, mas um erro político. Estão pagando e vão pagar o preço deste erro.

Todos compreendem que o Ministro tem o direito de remover um funcionário de um cargo de confiança. Não há ilegalidade na decisão do Ministro. O Ministro Celso Lafer fez referência a esse ponto no seu artigo de hoje. Não foi invocada - nem precisava ser - a tristemente famosa circular da mordaça, editada logo após a posse de Lafer, com o intuito de restringir e controlar as manifestações públicas dos diplomatas brasileiros sobre a política externa. Essa circular, como já tive ocasião de dizer ao próprio Ministro Lafer, quando compareceu ao Plenário do Senado, é flagrantemente inconstitucional.

Mas o espírito da circular da mordaça está inegavelmente presente na decisão de destituir o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães. O que se está tentando fazer é punir com a perda de um cargo uma voz crítica da Alca. O Embaixador afastado tem sido, nos últimos anos, um dos principais analistas de temas estratégicos de política externa, como o Mercosul, a OMC e a Alca. Todos os interessados nesses temas têm-se beneficiado - e muito - com as suas contribuições.

Há, ainda, uma agravante: a demissão do Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães se dá poucos dias antes da importante reunião que se inicia, nesta semana, em Quebec, no Canadá, para onde o Presidente Fernando Henrique Cardoso está-se encaminhando neste momento. Sua Excelência vai chegar lá com uma notícia sobre aquele embaixador que estava fazendo críticas como Diretor do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais. Se o Presidente George Bush perguntar ao Presidente Fernando Henrique Cardoso “E aquele embaixador que estava incomodando tanto?”, Sua Excelência responderá: “Já foi calado; pelo menos, não é mais diretor daquele Instituto. Nós diminuímos seu poder de voz.” Quem sabe o Presidente George Bush dirá: “Ainda bem!”.

Como Diretor do Instituto de Pesquisas do Itamaraty, ele coordenou diversas publicações e organizou grande número de eventos, seminários e conferências. A última delas, aliás, foi em conjunto com o Senado Federal, Senadora Marluce Pinto, com a participação da CAE. Há cerca de três semanas, em colaboração com o Instituto de Estudos Avançados da USP e com a coordenação do Professor Paulo Nogueira Batista Júnior e do Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, então Presidente do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais do Itamaraty, organizamos um seminário intitulado “Dolarização versus Pluralismo Monetário das Américas”.

A marca dessas iniciativas do Instituto dirigido pelo Embaixador Guimarães foi o pluralismo e a busca de um equilíbrio entre as diversas correntes de opinião. O Ministro Celso Lafer não tem base para alegar, como fez no artigo publicado, hoje, na Folha de S.Paulo, que faltaria isenção e objetividade ao Embaixador Guimarães para promover um verdadeiro diálogo com a sociedade, muito menos para sugerir que o Embaixador iria constranger esse diálogo.

Nos últimos meses, o Embaixador tem dado contribuições sérias, fundamentadas, até mesmo brilhantes, eu diria, sobre a eventual criação da Alca. Não divulgou informações sigilosas ou dados obtidos em razão do exercício do cargo. Deixava claro que estava manifestando-se a título pessoal. Ao fazê-lo, estava exercendo direitos constitucionais de todos os brasileiros: a livre expressão e manifestação do pensamento, sem censura ou licença, garantida por cláusula pétrea da Constituição de 1988. Ao contrário do que afirmou nota oficial do Itamaraty anterior à demissão do Embaixador, Samuel Pinheiro Guimarães não se valeu da posição que ocupava para dar peso ou autoridade às suas manifestações de caráter pessoal.

Ressalte-se que, ao criticar a Alca, o Embaixador utilizou-se de palavras sóbrias e argumentos bem fundamentados. Não fez críticas de natureza pessoal à cúpula do Itamaraty e, depois da demissão, tem-se comportado com grande elegância, sem atacar pessoalmente o Presidente Fernando Henrique Cardoso ou o Ministro e seus auxiliares, sabendo, obviamente, que o Ministro Celso Lafer dialogou com Sua Excelência sobre uma decisão dessa gravidade.

Mas a questão fundamental é mesmo a Alca. Oficialmente, o Brasil não tem opinião fechada sobre a Alca ou pró-Alca. “A Alca é opção, e não destino”, costuma repetir o Ministro Lafer. No seu artigo de hoje, S. Exª próprio diz que não há consenso a respeito dela no Brasil e que, portanto, é preciso muito debate acerca do assunto. O Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães estava justamente estimulando esse debate. S. Exª expunha a sua opinião com sentido aberto, ia aos mais diversos fóruns, conversava com os empresários na Fiesp, fazia inúmeras palestras em São Paulo e em diversos outros lugares. Fazia questão, inclusive, de que houvesse, no Instituto, pluralidade de idéias.

Se é assim, não há motivo para afastar um diplomata por ter feito críticas a essa iniciativa dos Estados Unidos. O acordo não foi fechado, e o Governo do Brasil declara que não está comprometido, necessariamente, em fechar o acordo da Alca, proposto pelo governo norte-americano. O Ministro voltou a reiterar essa posição no artigo de hoje.

Nesse contexto, críticas como a do Embaixador Guimarães são justificadas e até úteis para o Governo. Ou devemos supor que o discurso do Ministro Lafer e do próprio Presidente da República sobre a Alca seja mera fachada? Devemos entender, com a demissão do Embaixador Guimarães, que o grau de comprometimento do Governo Fernando Henrique Cardoso com a Alca é maior do que se quer admitir?

É um erro, ademais, ao longo de um processo de negociação, tentar suprimir vozes discordantes, de pessoas que não estejam diretamente envolvidas na negociação, como é o caso do Embaixador Guimarães, que não fazia parte da equipe negociadora e sequer ocupava cargo operacional. Um crítico alerta e consistente, como o Embaixador Guimarães, só contribui para fortalecer a posição negociadora do Brasil.

A decisão de Lafer, Sr. Presidente, foi injusta e equivocada. Indigna da sua trajetória de liberal, discípulo declarado de Hannah Arendt e Norberto Bobbio, que ele cita e faz questão de citar no seu artigo. Assim, com toda a franqueza e amizade ao Ministro Celso Lafer, quero dizer que começa mal a sua gestão no Itamaraty.

Srª Presidente, Senadora Marluce Pinto, uma breve palavra ainda sobre o que disse o Senador José Roberto Arruda, que procurou responder a críticas e a indagações feitas com todo o respeito a ele de uma forma tão ofensiva. Em nenhum momento eu o ofendi. Se S. Exª ficou com vontade de dar soco em mim, como declarou depois aos Senadores, se acha que dizer isso significa querer estar na mídia, ora, S. Exª está hoje na mídia em razão de todo o Brasil querer saber se ele está falando a verdade ou não; está hoje na mídia por procedimentos que o deixaram em situação extremamente difícil, e vamos querer saber o esclarecimento completo daqui a pouco.

Espero que S. Exª esteja lá presente, diante da Srª Regina Célia Peres Borges, para ouvir o seu depoimento ao vivo, olho no olho, frente a frente. Espero também e reitero o meu convite ao jornalista Ricardo Noblat para comparecer hoje e assistir também ao depoimento da Srª Regina Célia, e se, porventura, houver qualquer contradição, qualquer esclarecimento a dar, como ele próprio disse a mim, que ele esteja lá disposto. Com breves palavras, ele dará esclarecimentos de extraordinária relevância, inclusive a respeito do telefonema que o Senador José Roberto Arruda disse ter ele dado. Quando ele tinha saído da posse do Ministro, ele disse então que Ricardo Noblat telefonou para ele, no seu celular, para lembrar de um jantar, quando, na verdade, Ricardo Noblat me disse - e eu gostaria que ele aqui esclarecesse - que ele não fez esse telefonema no carro, ou no caminho, para José Roberto Arruda. O encontro estava marcado antecipadamente. E para lá foi José Roberto Arruda, consciente de que Ricardo Noblat costumava sair bem depois das 22 horas da redação do Correio Braziliense. E tendo terminado a cerimônia às 20h40min, dava perfeitamente tempo para ele dar uma passada em casa.

Disse o Senador José Roberto Arruda que nasceu de família humilde e mencionou que eu sou descendente de Matarazzo. Quero transmitir ao Senador José Roberto Arruda - gostaria de fazer na frente de S. Exª: sou Matarazzo Suplicy; só não uso o nome completo Eduardo Matarazzo Suplicy porque o Senador Mário Covas, quando eu havia me inscrito como Eduardo Matarazzo Suplicy, me disse: Você vai começar o seu mandato - isso em 1991, na posse - já quebrando o Regimento, porque só pode haver três nomes - embora alguns usem aqui três nomes. Eu falei: Não, não quero quebrar o Regimento. Se for assim, que use apenas Eduardo Suplicy, que é o nome do meu pai.

E posso ter certeza de que na família Matarazzo há extraordinárias qualidades, inclusive de meu bisavô Francisco Matarazzo, um homem conhecido por extraordinário caráter, extraordinário espírito empreendedor, que construiu o maior conjunto industrial de toda a América Latina, do final do século passado até o início dos anos 30. Dele posso dizer com certeza. Posso ter obtido, por descendência, qualidades e defeitos, mas tenho certeza de que felizmente estou com mais qualidades do que defeitos que possa ter.

De meu pai, Suplicy, aprendi coisas simplesmente fantásticas. Mas o que mais meu pai me ensinou foi ter caráter, foi querer honrar o mandato, foi querer sempre ter a palavra correta, foi saber respeitar as pessoas, querer ouvi-las, inclusive como meu pai tantas vezes ensinou, ouvir os mais humildes. E ele costumava me dizer, quando vinha uma pessoa mais pobre falar com ele: Filho, mais importante do que você poder ajudar, contribuir com qualquer ajuda a essa pessoa, é sobretudo você ouvir a palavra dele. É o que mais ele deseja. Eu quero sempre ouvir as pessoas. Esses ensinamentos, eu aprendi de meu pai, Paulo Cochrane Suplicy, e de minha mãe, Filomena Matarazzo Suplicy. Sinto-me muito bem por ser descendente de ambos e de propugnar sempre aqui, de um lado, para que estejamos desvendando a verdade e, de outro, contribuindo para que o Brasil quanto antes seja efetivamente uma sociedade justa, civilizada.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/2001 - Página 6683