Discurso durante a 37ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

APOIO AO COMBATE DO CUSTO ABUSIVO DOS MEDICAMENTOS POR INTERMEDIO DOS GENERICOS E DA REATIVAÇÃO DO PROGRAMA DE PESQUISA DE PLANTAS MEDICINAIS - PPPM, DO MINISTERIO DA SAUDE.

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • APOIO AO COMBATE DO CUSTO ABUSIVO DOS MEDICAMENTOS POR INTERMEDIO DOS GENERICOS E DA REATIVAÇÃO DO PROGRAMA DE PESQUISA DE PLANTAS MEDICINAIS - PPPM, DO MINISTERIO DA SAUDE.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/2001 - Página 6687
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • GRAVIDADE, SUPERIORIDADE, PREÇO, MEDICAMENTOS, INJUSTIÇA, USUARIO, BAIXA RENDA, IMPORTANCIA, DECISÃO, GOVERNO, AUTORIZAÇÃO, PRODUÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO, PRODUTO GENERICO.
  • DEFESA, REATIVAÇÃO, PROGRAMA, PESQUISA, VEGETAIS, UTILIZAÇÃO, MEDICINA, MINISTERIO DA SAUDE (MS), BENEFICIO, DESENVOLVIMENTO, INDUSTRIA NACIONAL, PRODUÇÃO, MEDICAMENTOS, ESPECIFICAÇÃO, BIODIVERSIDADE, CONCORRENCIA, LABORATORIO, EMPRESA MULTINACIONAL, REDUÇÃO, CUSTO, TRATAMENTO.

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL - TO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a questão do custo abusivo dos medicamentos tem freqüentemente ocupado grandes espaços nos meios de comunicação.

Não é sem fundamento o destaque concedido por jornais, emissoras de rádio e de televisão a esse problema. Afinal, trata-se de mercadoria de primeira necessidade, muitas vezes imprescindível à manutenção da saúde ou até da vida humana.

Dezenas de milhões de brasileiros têm absoluta necessidade de consumir remédios diariamente, e a descontrolada e usurária elevação constante no preço desses produtos constitui um suplício cruel para aquela vasta parcela de nossa população que dispõe de escassos meios financeiros para assegurar sua sobrevivência.

A profunda injustiça desse quadro fica ainda mais ressaltada quando lembramos que o martírio representado pelos preços estratosféricos e injustificáveis dos medicamentos atinge de modo especial a população idosa, que, exatamente por sua condição etária, precisa consumir esses produtos em maior quantidade e de forma mais continuada. Ao fim e ao cabo - e paradoxalmente -, a angústia causada pelo crescente comprometimento do apertado orçamento doméstico com a aquisição de remédios acaba por representar mais um fator de agravamento do estado de saúde dos nossos velhinhos.

O Governo Federal tem-se esforçado para colocar um freio na desmedida ganância dos laboratórios multinacionais que controlam o setor. A autorização para produção e o início da comercialização dos medicamentos genéricos e similares constitui um importante primeiro passo no sentido de colocar alguma limitação ao desmedido poder econômico de que usam e abusam esses gigantes.

No entanto, os esforços governamentais para policiar os abusos tão comumente denunciados e comprovados vêem-se dificultados pela inexperiência nacional no desenvolvimento de fármacos. Como apontam os especialistas, se o Brasil tivesse mais conhecimento na área de fabricação de remédios, também estaria mais habilitado para fiscalizar o setor. Como não desenvolvemos medicamentos, não temos experiência para criticar o que vem de fora. Para profissionais com larga experiência no setor, essa situação configura um autêntico problema de segurança nacional, pois, atualmente, somos totalmente dependentes de importação de matérias-primas para obter nossos remédios.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esse é apenas o primeiro dos motivos que indicam a urgente necessidade de se reativar, no âmbito do Ministério da Saúde, o Programa de Pesquisa de Plantas Medicinais - PPPM.

Quando, três anos atrás, conjuntamente com a extinção da Central de Medicamentos - CEME, deixou também de funcionar o PPPM, o Brasil estava dando um lamentável passo atrás na trajetória do desenvolvimento de uma indústria de medicamentos nacionais.

Esse programa pode ser considerado como o primeiro avanço na consolidação de uma indústria nacional de produção de drogas, especialmente as fitoterápicas. E é importante ressaltar que os medicamentos produzidos à base de plantas representam, possivelmente, a única arma eficaz de que o País pode dispor na concorrência com as gigantes multinacionais do setor de drogas sintetizadas em laboratório.

Como aponta o Professor-Titular de Farmacologia da Universidade Federal de Santa Catarina, João Batista Calixto, “Não temos velocidade e experiência para tentar competir no mercado de drogas sintetizadas. Nossa única chance é trabalhar dentro da nossa biodiversidade.”

De fato, como lembra o Professor Calixto, os fitoterápicos têm custo de produção bem menor, por conta do histórico de uso que costuma estar por trás das plantas pesquisadas, as quais foram investigadas previamente pela utilização popular. Quando se parte para o desenvolvimento de um remédio fitoterápico, a sabedoria popular acumulada serve como embasamento. Já existe um razoável conhecimento a respeito do efeito da planta, o que dispensa a realização de infindáveis testes. Além disso, a tecnologia envolvida no processo é de menor custo.

A megadiversidade biológica de que dispõe o País, por sua vez, constitui um handicap extraordinário na concorrência dentro do mercado de remédios, e não lhe dar a devida utilização representaria um crime contra os interesses nacionais.

Como se sabe, o Brasil é dono da maior diversidade biológica do Planeta, abrigando em seu território nada menos que 22% de todas as espécies de plantas superiores - aquelas que apresentam raiz, caule, flor e fruto. Além da flora mais diversa, com 56 mil espécies de plantas superiores, o País lidera também o ranking de peixes de água doce e de mamíferos. Como exemplo da magnitude biológica nacional, o advogado Marcelo Varella, mestre em Direito Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina, lembra que apenas no Estado do Amazonas são conhecidas mais de 2 mil e 500 espécies de árvores, enquanto na França elas não passam de 50.

De resto, cresce em todo o mundo o interesse por produtos de origem natural, vistos como menos agressivos ao organismo, o que só faz aumentar o mercado para os medicamentos elaborados a partir de plantas. A própria classe médica demonstra uma importante evolução em sua mentalidade nos últimos anos, manifestando, hoje, uma aceitação muito maior do uso de produtos fitoterápicos. Acresce-se a isso o fato de que diversas instituições de pesquisa, em âmbito mundial, têm concentrado esforços no estudo desses produtos. O crescente número de casos de produtos que apresentam resultados positivos acaba por elevar o prestígio do segmento como um todo. A partir daí, o grande consumo de fitoterápicos nos países desenvolvidos propaga-se de maneira cada vez mais intensa para o resto do mundo.

Com efeito, os numerosos estudos científicos comprobatórios da sua eficácia estão fazendo as plantas medicinais transporem os limites da crendice popular, razão original de sua utilização. De acordo com a Organização Mundial da Saúde - OMS -, 85% das pessoas no mundo utilizam plantas medicinais para tratar da saúde. No Brasil, acredita-se que 60% da população se valem de alguma forma de remédios naturais. Alguns estudiosos apontam que o hábito de se valer das plantas data de 3.700 a.C. e possivelmente teve início na China. Hoje, no entanto, órgãos oficiais de saúde já aceitam seu uso e até o recomendam. A Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro tem um programa de plantas medicinais. A proposta é que os médicos tratem com fitoterápicos e os hospitais forneçam esse tipo de medicamento gratuitamente.

A farmacêutica coordenadora desse programa, Elizabeth Michilis, afirma: “Cada vez mais fica evidente que as plantas são eficazes para tratar doenças simples e tê-las em casa é uma ótima medida”. Nos locais atendidos pelo programa estadual, a fitoterapia é aplicada a pacientes com diarréias, enxaquecas, resfriados, verminoses, entre outros males comuns. E essas moléstias somam nada menos que 50% de todos os atendimentos. Segundo a farmacêutica, “Uma das principais vantagens da fitoterapia é o baixo custo. Nos locais que integram o programa, o custo da maioria dos tratamentos caiu de 30% a 40%”.

Nesse contexto, as perspectivas de mercado para os fitoterápicos apresentam-se excelentes no curto e no médio prazos. No Brasil atual, a fitoterapia tem ganhado tantos adeptos que as estimativas apontam, para este ano, um faturamento, no setor, da ordem de 700 milhões de dólares. O mercado norte-americano deve crescer nada menos do que 50%, com um faturamento estimado em 15 bilhões de dólares - entre julho de 1998 e julho de 1999, esse número foi de 10 bilhões de dólares. Já por volta do ano de 2015, conforme os participantes do Segundo Simpósio de Recursos Genéticos para a América Latina e o Caribe, o comércio mundial de plantas medicinais poderá movimentar 500 bilhões de dólares por ano. Na opinião desses estudiosos, o Brasil é o País que melhor poderá vir a aproveitar essa expansão de mercado.

Hoje, em nível mundial, o mercado de fitoterápicos movimenta cerca de 40 bilhões de dólares por ano. A parcela brasileira nesse total - levando-se em conta o potencial representado por nossa riquíssima biodiversidade - é muito pequena. Não faz sentido algum que nosso faturamento no setor seja cerca de quatro vezes inferior ao da Alemanha, que lidera o mercado, com 3 bilhões e meio de dólares. Para que se faça uma idéia do que o País está perdendo ao não investir nessa pesquisa, um fitoterápico como o ginkgo biloba, utilizado contra doenças degenerativas, já movimenta, no mundo, 280 milhões de dólares por ano. No Brasil, só o fitoterápico líder de vendas, o Vick Vaporub, desenvolvido por uma multinacional, fatura quase 21 milhões de dólares por ano.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os medicamentos fitoterápicos, bem empregados, constituem uma alternativa econômica e eficaz aos remédios industrializados, apresentando, inclusive, vantagens em relação a estes. Eles possuem baixa toxicidade, pequeno índice de efeitos colaterais e não levam o usuário a desenvolver dependência. Sua eficácia assemelha-se à dos remédios sintéticos, pois muitos produtos sintéticos derivam diretamente de plantas medicinais. Num e noutro caso, os resultados podem variar muito de uma pessoa para outra e os medicamentos podem demorar mais ou menos tempo para surtir efeito.

Da mesma forma como existem remédios sintéticos que não podem ser substituídos por fitoterápicos, o inverso também é verdadeiro. O farmacêutico e fitoterapeuta Alfeno Lima Dutra, pós-graduado pela Universidade Estadual de São Paulo - Unesp - explica que alguns efeitos presentes em certos fitoterápicos não são observados em medicamentos sintéticos. O principal deles é o efeito depurativo, ou seja, a desintoxicação promovida por certas plantas, que contribui para promover uma melhora na circulação sangüínea, no sistema digestivo, na pele e uma menor sobrecarga para rins e fígado.

Vale sempre lembrar que os remédios sintetizados, que ainda dominam amplamente o mercado, estão cada vez mais caros, com preços verdadeiramente abusivos, sendo possível, por meio da fitoterapia, baratear muito o custo final do medicamento. Embora as perspectivas francamente favoráveis, a fitoterapia, no mundo, hoje, ainda corresponde a uma pequena fatia do mercado total de remédios - cerca de 20%, apenas. A indústria farmacêutica tradicional é muito poderosa, mas é necessário aprofundar a mudança de mentalidade que já está em curso, como forma de viabilizar o acesso da população de baixa renda aos produtos indispensáveis à manutenção e à recuperação da saúde. Veja-se que o faturamento com fitoterapia no Brasil corresponde a apenas 4% do total de remédios vendidos.

Nosso riquíssimo patrimônio em termos de diversidade biológica representa um manancial inesgotável para a produção de fitoterápicos. Além das plantas de mais amplo conhecimento popular, que podem ser encontradas em todo o País, algumas espécies amazônicas que ganharam notoriedade recentemente apresentam grande potencial terapêutico.

A unha-de-gato, erva abundante no Acre, tem a capacidade de reforçar o sistema imunológico e é usada para complementar o coquetel anti-aids. O biólogo Juan Revilla, pesquisador em Botânica Econômica do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - Inpa -, trabalha com a espécie há mais de 30 anos, mas suas conclusões só ganharam fama recentemente, após a veiculação de matéria pelo Globo Repórter. Nesse programa televisivo, foram apresentados enfáticos depoimentos de pessoas que, não tendo obtido melhora para diversas moléstias após muitos anos de tratamento com remédios industrializados, conseguiram curar-se e livrar-se totalmente do uso daqueles medicamentos graças apenas à unha-de-gato.

Outro caso é o da muirapuama, árvore cujos troncos e galhos, com fama de afrodisíacos, são usados como tônico cerebral e muscular. O Inpa está elaborando, atualmente, um plano de manejo para essa espécie. Uma empresa com sedes em Parintins, no Amazonas, e em São Paulo irá fornecer muirapuama para uma indústria de transformação instalada na Zona Franca de Manaus.

No entanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando propugno pela reativação do Programa de Pesquisa de Plantas Medicinais - PPPM - do Ministério da Saúde, não tenho em mente apenas a importância terapêutica e econômica dos fitoterápicos.

Há mais em jogo. Conforme argumenta o Professor-Titular de Farmacologia da Universidade Federal de São Paulo - Unifesp -, Antônio José Lapa, a importância do PPPM vai além da possibilidade de colocar remédios genuinamente nacionais no mercado. O Programa tinha papel fundamental no desenvolvimento de know-how brasileiro no setor de produção de drogas. E esse know-how não apenas aumentaria nossa capacitação para fiscalizar adequadamente o setor, coibindo os abusos praticados pelas grandes empresas multinacionais. Mais do que isso, a pesquisa de plantas medicinais também seria o primeiro impulso para a produção nacional de drogas sintéticas.

Em 15 anos de atividade, período ao longo do qual granjeou ótima reputação internacional, o Programa de Pesquisa de Plantas Medicinais despendeu pouco em recursos públicos, mas conseguiu analisar pelo menos 74 espécies de plantas. Dez delas já tinham sido estudadas e testadas a ponto de estarem em condições de ir para a linha de produção, segundo informação da ex-gerente do Programa, Cyrene dos Santos Alves. “Se o projeto tivesse ido adiante - diz ela -, hoje teríamos no mercado medicamentos fitoterápicos genuinamente brasileiros, como os feitos da quebra-pedra - indicada para cálculos renais - e da espinheira-santa - recomendada contra úlcera -, todos testados e aprovados cientificamente”.

Isaías Raw, ex-Diretor do Instituto Butantã, de São Paulo, lembra que o PPPM financiava mais de 100 projetos em 23 institutos de pesquisa, constituindo uma iniciativa única na América Latina.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a questão não apenas da disponibilidade, mas também do preço dos medicamentos é uma questão crucial para a saúde e a qualidade de vida da nossa população. É incompreensível que a oitava economia mais pujante do Planeta viva hoje, no limiar do século XXI, numa situação de completa dependência da importação de matérias-primas para obter nossos remédios. Essa situação representa, como mencionei anteriormente, um verdadeiro problema de segurança nacional.

Está mais do que na hora de começarmos a nos mover no rumo da superação dessa dependência. Precisamos caminhar no sentido de construir nossa autonomia nesse setor estratégico para o bem-estar de nossa população. Um primeiro e importante passo seria a reativação do Programa de Pesquisa de Plantas Medicinais do Ministério da Saúde. Para isso, faço meu veemente apelo ao Ministro José Serra.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/2001 - Página 6687