Discurso durante a 37ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

DEFESA DA INTEGRAÇÃO DO BRASIL NA AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS - ALCA, PARALELA AO FORTALECIMENTO DO MERCOSUL.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • DEFESA DA INTEGRAÇÃO DO BRASIL NA AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS - ALCA, PARALELA AO FORTALECIMENTO DO MERCOSUL.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/2001 - Página 6690
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • APREENSÃO, SITUAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), POSTERIORIDADE, DESVALORIZAÇÃO, REAL, RELAÇÃO, DOLAR, ALTERAÇÃO, POLITICA CAMBIAL, BRASIL, DIVERGENCIA, REGIME, CAMBIO, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA.
  • ANALISE, NEGOCIAÇÃO, IMPLEMENTAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), NECESSIDADE, DIRETRIZ, POLITICA EXTERNA, DEFESA, INTERESSE NACIONAL, EXIGENCIA, SUSPENSÃO, SUBSIDIOS, AGRICULTURA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), EXTINÇÃO, OBSTACULO, EXPORTAÇÃO, BRASIL, PRIORIDADE, CONTINUAÇÃO, REFORÇO, AMPLIAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), OPÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO, UNIÃO EUROPEIA.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no momento em que avança o acordo sobre o cronograma para negociação e implementação da Área de Livre Comércio das Américas, a Alca, preocupa a situação difícil por que está passando o Mercosul. Pois um Mercosul consolidado como união aduaneira seria o trunfo mais importante que poderia ajudar Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai nas complexas e duras negociações que se avizinham com os Estados Unidos.

           A verdade é que - desde a desvalorização do real, em janeiro de 1999, e a conseqüente substituição, entre nós, do regime cambial semifixo pelo flutuante - o Mercosul anda mal das pernas, tendo sofrido uma parada e, em alguns setores, mesmo uma reversão, no impressionante ritmo de aumento do comércio intrabloco que vinha experimentando nos anos anteriores. Nada mais natural que isso tenha ocorrido, pois um bloco comercial não pode prosperar quando seus dois mercados maiores, no caso Brasil e Argentina, têm regimes cambiais tão diversos. No Brasil, regime de câmbio flutuante, que permite que o real vá sendo desvalorizado em relação ao dólar, na medida do diferencial entre a inflação brasileira e a norte-americana, sem contar os movimentos especulativos com a moeda ou a conjuntura do balanço de pagamentos. Na Argentina, a camisa-de-força da paridade cambial entre peso e dólar, um regime rigorosamente fixo, que não deixa margem a ajustes no câmbio, quando se fazem necessários.

           Nesse contexto era natural que as exportações brasileiras para a Argentina fossem ganhando terreno -- e inversamente as importações argentinas fossem perdendo terreno no Brasil -- e levassem a toda sorte de ressentimentos, retaliações e conflitos no comércio bilateral. Somou-se a essa situação, já por si difícil, a crise econômica por que atualmente passa nosso vizinho, o que levou, mesmo que temporariamente, à concordância, acertada, por parte do Brasil, em relação à suspensão do compromisso argentino com a tarifa externa comum (TEC) do Mercosul. Houve, portanto, -- mesmo que temporariamente, repito --, um abandono do status de união aduaneira do Mercosul. E é nessa conjuntura de indigência do Mercosul que começamos a negociar o cronograma da Alca!

           A diplomacia brasileira, representando os interesses também de outros países do continente, teve uma primeira vitória no que se refere à definição do cronograma da Alca. Os Estados Unidos, juntamente com o Canadá e o Chile, acabaram por aquiescer à nossa proposta contra a antecipação das datas. De acordo com o cronograma aprovado, em Buenos Aires, em 6 de abril, pelos ministros de comércio dos 34 países americanos, -- as negociações da Alca deverão estar concluídas até janeiro de 2005, havendo, depois dessa data, prazo de um ano para que os parlamentos nacionais possam ratificar o acordo. Portanto, segundo o cronograma aprovado pelo ministros, a Alca deverá ter início somente em janeiro de 2006. Essa proposta está sendo levada à Terceira Cúpula das Américas, que começa amanhã, em Quebec, no Canadá. Certamente será aprovada pelos Chefes de Estado.

           Cumpre dizer, entretanto, que em 2006 está prevista a eliminação de alíquotas incidentes apenas sobre um conjunto de produtos, conjunto que será negociado. A constituição da Alca em zona de livre comércio perfeita, em zona totalmente livre de alíquotas de importação, será implementada gradualmente por um período de dez anos. Isto é, a construção da zona de livre comércio é um processo que, se for exitoso, vai se encerrar aí por volta de 2016.

           Até o início da implementação desse processo, até 2006, muita coisa pode ocorrer. As negociações podem encerrar-se antes do prazo previsto, o que é difícil, mas não impossível. As negociações podem ser estendidas por mais algum tempo, caso não seja possível se chegar a um acordo em tempo hábil. E pode ser até que o Brasil decida não fazer parte da Alca, que os acordos não nos satisfaçam. E, naturalmente, isso se pode dar, é uma possibilidade, pois somos um País soberano.

           Enquanto isso, nesses quase cinco anos que nos separam de janeiro de 2006, é importante que o Brasil seja um negociador duro na defesa de seus interesses, não aceitando, para começo de conversa, nenhuma proposta de constituição da Alca que não inclua o fim dos subsídios norte-americanos à agricultura e a suspensão das barreiras não-tarifárias contra nossas exportações. Apesar da alíquota média de importação praticada pelos Estados Unidos ser muito inferior à do Brasil, estima-se que cerca de 60% das exportações brasileiras para os Estados Unidos estão sujeitas a algum tipo de barreira não-tarifária.

           Nosso País, tampouco, pode deixar de, em paralelo às negociações da Alca, continuar a promover o fortalecimento do Mercosul e a eventual inclusão de outros países sul-americanos no bloco, bem como a negociar também uma área de livre comércio com a União Européia. A atuação em diversas frentes é a estratégia acertada para não nos isolar e para termos sempre disponível o máximo de opções, não nos fechando em nenhuma delas exclusivamente.

           A opção pela Alca ou pela União Européia -- opções que, cumpre ressaltar, não são mutuamente excludentes -- traz vantagens distintas. Numa análise puramente estática, sabe-se que as exportações brasileiras para a União Européia concentram-se em produtos agrícolas e minerais, de baixo valor agregado, enquanto que as exportações para os Estados Unidos são mais equilibradas em sua composição, tendo peso bastante grande os produtos manufaturados, de maior valor agregado. Portanto, num primeiro momento, uma integração com os Estados Unidos favoreceria os setores econômicos brasileiros mais avançados. Todavia, tal análise não deixa de ser insuficiente, uma vez que, feita pelo lado das importações, sabe-se que os produtos norte-americanos tendem a ser mais competitivos, na média, do que os europeus. Acrescente-se a isso o fato de que um processo de integração é algo dinâmico, que acaba por alterar a estrutura de comércio vigente hoje em dia.

           Para concluir, Sr. Presidente, eu diria que o cronograma para a implementação da Alca que o Brasil defendeu e que deve ser chancelado na Cúpula de Quebec é bastante razoável. Temos quase cinco anos para negociar e, uma vez encerrada a negociação com êxito, a zona de livre comércio deverá ser implementada num prazo, também razoável, de cerca de dez anos. Todavia, é imprescindível que o Brasil envide todos os esforços no sentido de fortalecer o Mercosul e ampliá-lo para abarcar outros países da América do Sul. O Presidente da Venezuela Hugo Chavez declarou, em recente visita ao Brasil, que deseja que seu país se torne membro pleno do Mercosul. O Chile e a Bolívia talvez possam ir pelo mesmo caminho. Importante é ressaltar que quanto mais o Mercosul se fortalecer, mais força teremos todos nós, países sul-americanos, para negociar em melhor posição com a potência norte-americana. Esperemos que a Argentina possa resolver seus problemas, de preferência flexibilizando seu câmbio, o que traria um enorme alento para o Mercosul.

           Por sua vez, urge que se faça a reforma tributária no Brasil, pois nosso sistema tributário caótico, em que abundam os impostos em cascata, é fator de deterioração das condições de competitividade dos produtos brasileiros.

           Devemos, sim, negociar a Alca. Nada perdemos em negociar, mas sempre com a consciência desperta e clara a respeito de nossos interesses. O livre comércio deve ser aceito por nós somente na medida em que nos possa ajudar em nossa luta pelo desenvolvimento, com justiça social. E o mais importante de tudo: o Mercosul deve ser prioridade número um para a diplomacia econômica brasileira. A integração com iguais costuma ser mais harmônica do que a integração em que a assimetria de poder entre os participantes é muito grande.

           Era o que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/2001 - Página 6690