Discurso durante a 39ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

APELO A CASA PARA APROVAÇÃO DO PROJETO SOBRE O ESTATUTO DAS CIDADES, QUE REGULAMENTA AS DIRETRIZES GERAIS DA POLITICA URBANA DO PAIS.

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA URBANA.:
  • APELO A CASA PARA APROVAÇÃO DO PROJETO SOBRE O ESTATUTO DAS CIDADES, QUE REGULAMENTA AS DIRETRIZES GERAIS DA POLITICA URBANA DO PAIS.
Aparteantes
Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 24/04/2001 - Página 6929
Assunto
Outros > POLITICA URBANA.
Indexação
  • COMENTARIO, INICIO, TRAMITAÇÃO, PROJETO DE LEI, ESTATUTO, CIDADE, OPORTUNIDADE, DISCUSSÃO, SENADO, DIRETRIZES GERAIS, POLITICA URBANA, PAIS.
  • ANALISE, GRAVIDADE, PROBLEMA, HABITAÇÃO, PAIS, DEFESA, NECESSIDADE, DESTINAÇÃO, RECURSOS, ORÇAMENTO, UNIÃO FEDERAL, FAMILIA, BAIXA RENDA.
  • COMENTARIO, DADOS, ESTATISTICA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), AUMENTO, NUMERO, FAVELA, BRASIL.
  • SOLICITAÇÃO, APOIO, SENADOR, APROVAÇÃO, MELHORAMENTO, ESTATUTO, CIDADE, FORMA, INICIO, REFORMULAÇÃO, POLITICA URBANA, PAIS.

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o crescimento acelerado e descontrolado das grandes cidades nos países em desenvolvimento é fenômeno mundial, gerador de graves problemas sociais e urbanísticos.

No Brasil, vivemos as mesmas aflições. A partir da década de 60, a migração do campo para a cidade se acentuou. Em 1970, a população urbana já superava a rural: 55% versus 45%. Dados de 1966 indicam que 78% da população brasileira residem em cidades, permanecendo na área rural apenas 22%.

A afluência dessas massas às cidades dá-se em virtude da procura por melhores condições de vida, de emprego, de padrão habitacional superior ao existente nas áreas rurais. Enfim, é demanda por existência mais digna, por cidadania. No entanto, sabemos que essas pessoas vêem frustradas, muitas vezes, suas esperanças ou realizam apenas muito lenta e gradualmente seus objetivos. O mais comum é que se comprimam na periferia miserável, em habitações precárias.

A Conferência da ONU de 1996, em Istambul, Turquia, sobre os problemas das cidades e da habitação, a Habitat II, expôs as graves estatísticas da pobreza urbana em todo o mundo e as carências nos padrões de moradia e de saneamento básico. Ficou bem clara a vinculação entre más condições de habitação e o risco à saúde, a falta de serviços públicos, a insegurança e criminalidade.

É evidente que os problemas da boa gestão urbanística das cidades se agravam com a péssima qualidade habitacional de suas periferias. O Senado terá oportunidade, este ano, de discutir esses tópicos, com o início da tramitação do Estatuto das Cidades. Esse projeto de lei, de iniciativa do Senado, foi aqui aprovado sob o nº 181/89, enviado à Câmara dos Deputados, e de lá volta agora, sob forma de substitutivo, como Projeto de Lei nº 5.788/90. A matéria passará, inicialmente, pela Comissão de Assuntos Sociais.

Será a ocasião, Sr. Presidente, de discutirmos as diretrizes gerais de uma política urbana para o País, de tratar da função social das cidades, de seus planos diretores, do desenvolvimento urbano. As cidades devem crescer harmoniosamente, com adensamento adequado - nem excessivamente alto, nem configurando um arranjo demasiadamente espraiado. Os eixos e meios de transporte precisam manter coerência com o desenvolvimento urbano. Os serviços públicos devem atender a todos. Os padrões de moradia têm que propiciar a plena cidadania a todos os habitantes das urbes. Enfim, trata-se de, por meio de uma boa lei, promover uma verdadeira reforma urbana, dando ao Poder Executivo das três esferas de Governo os instrumentos necessários para fazê-la avançar.

Devemos, especialmente, cuidar do direito do cidadão a uma moradia de qualidade decente. Minha iniciativa, em 1999, de propor uma emenda constitucional incluindo a moradia no rol dos direitos e garantias individuais teve, felizmente, êxito. Hoje, esse direito à moradia está incorporado ao art. 6º da nossa Constituição Federal. Falta, agora ao Governo Federal formular uma política habitacional digna desse nome. As iniciativas do Governo, nesse âmbito, têm sido, até hoje, muito tímidas. O problema habitacional só se resolverá se forem destinados no Orçamento da União recursos praticamente a fundo perdido para as famílias de baixíssima renda. A atuação da Caixa Econômica Federal, como mero banco comercial, tem sido insuficiente. Seus mutuários freqüentemente se vêem enredados nos juros altos e nos saldos devedores crescentes. A Caixa Econômica Federal deve cumprir sua função social.

O resultado dessas deficiências está espelhado nas estatísticas de favelização das cidades, publicadas no início deste ano pelo IBGE, com base no Censo de 2000. Os números indicam que a década de 90 passou sem que o País tivesse enfrentado, com energia e eficácia, a questão do direito de todos à moradia decente. Entre 1991 e 2000, segundo o IBGE, o número de favelas no Brasil cresceu em 22,5%; mais precisamente, aumentou de 3.188 para 3.905. O IBGE ainda não publicou as estatísticas sobre o número de moradores em favelas, mas podemos supor que cresceram em proporção parecida com o número dos chamados, tecnicamente, “aglomerados subnominais”.

A cidade de São Paulo, por incrível que pareça, não tinha nenhuma favela em 1970; hoje tem uma população favelada de mais de 2,5 milhões de pessoas. No Estado de São Paulo, existem hoje 1.548 favelas. Isso se tornou um fenômeno nacional. As favelas, invasões, palafitas, mocambos, malocas e assemelhados não apenas crescem nas grandes metrópoles, mas também se multiplicam nas periferias de qualquer cidade que se caracterize como pólo de desenvolvimento. Cito: Anápolis - no meu Estado -, Campinas, Juiz de Fora, Ribeirão Preto, o entorno de Brasília, Aparecida de Goiânia e tantas outras.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB - GO) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Mauro Miranda, este assunto lhe é familiar. V. Exª tem toda a razão: Deus, antes de criar as cidades, criou os campos. A verdadeira criação de Deus é a natureza. As cidades são criação dos homens, e, lamentavelmente, por falta de políticas adequadas, a área rural foi sendo abandonada paulatinamente pelos brasileiros. A mecanização chegou e, com isso, houve um grande desemprego na área rural. As cidades estão inchadas, principalmente as grandes metrópoles. Por isso, V. Exª, com a sua sensibilidade e conhecimento do assunto, conseguiu aprovar no Congresso Nacional um dispositivo constitucional que coloca a habitação no patamar dos direitos do brasileiro e do dever do Estado. V. Exª fez com que a nossa Constituição proclamasse a habitação um direito de todo brasileiro. É dever do Estado fazer com que esse direito seja alcançado para o bem-estar social e para que o Brasil possa ser um País menos injusto. Quando vejo V. Exª nessa tribuna, fico imaginando... V. Exª afirma que, em São Paulo, há mais de 1.500 favelas. Tenho a convicção - o Senador Nabor Júnior socorreu-me - de que no Rio de Janeiro há aproximadamente 1.000 favelas. Não sei quantas existem em Belo Horizonte ou em Porto Alegre, mas, com toda a certeza, as grandes metrópoles apresentam um espetáculo triste e deprimente. As lonas cobrem as cabeças das famílias de brasileiros. No meu Estado, em Campo Grande, por exemplo, já existem favelas, apesar do esforço muito grande da administração municipal, que ali realiza um grande trabalho e que, em dois anos, projeta construir 3.000 moradias. Então, cumprimento V. Exª, porque este assunto é importante e precisa ser debatido pela Casa. V. Exª afirmou que está retornando para o Senado da República projeto que esta Casa já aprovou no sentido de dar às cidades um conteúdo mais humano e social. Para fazer com que isso ocorra, é preciso que haja um plano diretor e que se estabeleçam prioridades - entre as quais, sem dúvida nenhuma, está a habitação, cuja bandeira V. Exª tem desfraldado com tanto brilho e sentimento cívico nesta Casa. Era o registro que eu gostaria de fazer ao cumprimentá-lo pelo seu pronunciamento.

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB - GO) - Agradeço profundamente o aparte de V. Exª, Senador Ramez Tebet, que coloco como aporte ao discurso que pronuncio. Esta Casa, por unanimidade, se preocupa com o problema da moradia no Brasil, sobretudo com a qualidade de vida que têm as grandes cidades. É assustador. Eu sei o grande trabalho que o seu prefeito está realizando na cidade de Campo Grande, considerado um dos melhores prefeitos do Brasil. E sei a disposição dele para isso. São trabalhos pontuais que precisam ser expandidos para toda a população, mas que estejam dentro de uma diretriz nacional sobre habitação e sobre o estatuto das grandes cidades no Brasil.

Este mês o IBGE divulgou dados que mostram a disseminação do fenômeno das favelas. Trinta por cento dos municípios brasileiros têm favelas ou cortiços, num total nacional de 930 mil domicílios em favelas, além dos cortiços ou dos chamados “cabeças de porco”. Os habitantes desses aglomerados precários, em sua maioria, vieram de longe, atraídos pelas luzes da cidade, mas muitos deles apenas trocaram um bairro melhor, onde pagavam aluguel, pela favela, onde compraram um barraco. O importante é que os Governos municipais e estaduais, bem como o Governo Federal, apesar de algo estarem fazendo, não têm conseguido oferecer soluções suficientes para atender a demanda por moradia dos segmentos de baixa renda. O Governo agora promete um novo programa chamado Brasil Legal, de urbanização de favelas, em que se legalizará a propriedade em que habita a família e se promoverá a melhoria das habitações e dos equipamentos e serviços urbanos.

Sr. Presidente, o problema habitacional tem que ser enfrentado com vontade política ou por meio de novos programas, como o Brasil Legal ou com o esforço de programas federais existentes, como o Pró-Moradia, o Pró-Saneamento e o Habitat Brasil.

O País inteiro, os Estados, os Municípios têm que se empenhar na solução dessas graves questões. Todos os brasileiros devem ter acesso à moradia adequada. É uma questão de dignidade e de cidadania.

Esperamos que, ao deliberar sobre o Estatuto da Cidade, o Senado possa ter uma importante contribuição para que o Brasil passe a contar com eficazes políticas no âmbito da habitação e do ordenamento urbano. Que se deslanche uma vasta e abrangente reforma urbana, com reflexo positivo sobre a qualidade da sociedade brasileira. E que o Governo Federal, com o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, com quem estive há poucos dias pedindo, fazendo um apelo pessoal, estabeleça um programa de longo prazo de uma política habitacional forte. Que estabeleça também uma política forte com relação ao meio urbano e que dê, depois, força ao Estatuto da Cidade, o qual tenho certeza esta Casa vai votar.

Para se ter idéia, Srs. Senadores, todos os grandes jornais do País, durante este mês de abril, trouxeram manchetes expressivas com relação ao problema da moradia, ao problema de qualidade de vida às grandes cidades.

Começo pelo Jornal do Brasil, que, na sua capa principal, tem uma fotografia do conjunto de favelas Pendura Saia. Ele conta na sua manchete que metade dos quatro mil moradores da ilha, na Baía de Guanabara, vive, hoje, em encostas dentro das áreas de preservação. O jornal Folha de S.Paulo de ontem mostra a Vila dos Pescadores, em Cubatão, focalizando a gravidade da situação dos nossos irmãos que residem hoje em cortiços por cima de alagadiços. E o jornal O Globo também, na semana passada, dedicou praticamente mais de duas páginas ao problema da moradia e da questão urbana no Brasil.

Por essa razão, faço um apelo, como membro da Comissão de Assuntos Sociais, não apenas aos membros daquela comissão mas a todos os Srs. Senadores, a fim de que apoiem e dêem o voto firme, que trabalhem no sentido de melhorar o Estatuto da Cidade, essa nova lei que significa pelo menos o início de uma reforma urbana no Brasil.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/04/2001 - Página 6929